JORNAL A TARDE, SALVADOR, D SÁBADO 09 DE
AGOSTO DE 1975
O artista Fernando Coelho e uma das obras que vai expor |
Dizem que os artistas chegam a
uma fase de amadurecimento artístico depois dos 50 a 60 anos. Acontece que
Fernando Coelho quebrou esta corrente que assim pensa. Ele não tem 50 nem 60
anos mais é um artista maduro e principalmente consciente daquilo que está
fazendo no momento. Sua preocupação não é apenas com a parte gráfica mais
também com a conotação sociológica que deve ter a obra de arte. Foi realmente
uma guinada decisiva e violenta. Agora o homem é o centro e a razão de sua
pintura. Saindo de uma estagnação puramente estética sua arte alcança uma
dimensão muito maior, deixando de ser como diz Bené Fonteles o bonito, passa a
se tornar espelho do mundo do qual o artista absorve as imagens para expandir
em suas obras.
Uma verdadeira crônica do
cotidiano, onde tocadores de bumbo, de pratos, fantoches, fantasmas, crianças
brincando e chorando de fome, um homem que discursa violentamente ou carrega
blocos de pedra, seres bucólicos, bizarros, agourentos vão surgindo e sumindo
num ciclo vital e contínuo. Esta mudança não tem e não deve ter explicação.
Simplesmente aconteceu como acontecem as coisas boas e inesperadas. Uma
transformação de uma planta que vinha dando os seus primeiros frutos mais que
ainda não lhes agradava.
Ela foi crescendo e brotando
novos e novos frutos. De repente surgiram aqueles frutos que ela tanto sonhava.
Assim é Fernando Coelho um artista que sempre criou, que sempre produziu ,mas
certamente a sua arte que será mostrada ao público a partir do dia 16, no Museu
de Arte Moderna da Bahia assemelha-se aos frutos que aquela árvore sempre
sonhara.
Alguns artistas modificam sua
maneira de encarar a vida e a própria arte depois de terão passado alguns
momentos de sofrimento. Outros a solidão se encarrega desta mudança. Fernando
apenas amadureceu no tempo certo com a mudança dos valores. Hoje, ele tem outra
visão do mundo onde sua arte tem um papel definido.
As ilusões dissiparam-se e o
fantasma de realidade foi tomando corpo até fixar-se definitivamente. Um
encontro do criador com a criatura. Um encontro onde o criador assume sua
verdadeira posição de responsabilidade para com aquilo que cria, que concebe.
MÁGICO
O poeta Ildázio Tavares falando
sobre o trabalho de Fernando disse que "a verdadeira arte não se escraviza à
aparente objetividade dos seres, da natureza. Ela nasce do sentimento profundo e muito íntimo do artista, após um
período de gestação. E nesta gestação e parto os objetos exteriores entram como
que numa dança. As sensações se acotovelam. E no final o que vemos ter são
sensações concretizadas e ordenadas pelo segundo fator importante na confecção
do produto artístico, a capacidade artesanal. "
Fernando reconhece esta mudança
brusca em seu trabalho afirmando que " começaram então a ocorrer em meu trabalho
às primeiras mudanças, reflexo do que aos poucos também ocorria comigo.
Surgiram os primeiros quadros com uma preocupação mais existencial do que
formal.Pintei um auto-retrato, depois
outro e mais outro, tentando com este ato refletir toda a transformação do ser
mutante que eu passei a ser. E de uma visão puramente interpretativa passei a
cuidar das coisas interiores com uma maior preocupação criativa e uma
elaboração mental objetiva. Eu tinha necessidade de dizer coisas e mais coisas
com o meu trabalho, era o começo de um desabafo, sei lá, da necessidade de
participar de alertar, uma vontade de contar o que de repente estava ocorrendo."
E continua "fui pintando uma crônica, fazia
com o meu trabalho uma espécie de diário "e é exatamente o que procura fazer
agora, pinto, as coisas que estão acontecendo comigo ou em volta de mim. Quero
pintar a minha vida sem fugir de toda uma relação com a realidade do mundo."
"E estão surgindo quadros que nada
mais são do que coisas vividas, acontecimentos, sonhos, pesadelos. Fui pintando
tudo e estes personagens carregados de forte fantasia foram aos poucos também
caminhando de encontro a realidade, culminando com o quadro que realizei sobre
a fome e que foi realmente o momento de rompimento de toda a ideia puramente
fantasiosa e o encontro com a verdade.
A partir daí realizei uma série
de quadros em que estão lado a lado, o homem que discursa inutilmente,
ferozmente e a inconsequência de uma guerra como a do Vietnã; o despertar do
saltador e a certeza da morte; o homem do bumbo e o tocador de pratos, membros
de uma banda fantástica, todos com um pouco de nós mesmos, aventureiros e
gozadores. A preocupação, contudo é a situação indecisa e desesperada em que
todos se encontram: no arame, no trapézio, diante de um microfone, a beira de
um abismo ou de absurdas caixas: flutuando no vácuo, faturando o vazio. Assim
vão eles contando esta história que nada mais é do que a história que nada mais
é do que a história de todos nós. Na corda bamba com um sorriso preso nos
lábios."
O seu auto-retrato que foi um dos
primeiros quadros desta sua nova mostra .Seu personagem olha através de uma
caixa transparente uma paisagem calma, bem longe. Uma posição privilegiada que
logo depois ele abandona e passa a preocupar-se com o humano. Isto podemos
observar na série de quadros onde apresenta o homem surgindo, o seu encontro
com o rei, com o poder. O terceiro quadro desta série começa a batalha do homem
e a sua fragmentação, sua agonia. Depois noutro adoração e o deslumbramento com
o mundo, a seguir a inutilidade do discurso e da conversa envolvente, a sua
queda diante da vida e finalmente no último quadro da série surge uma figura de
um homem que, corre desesperadamente em busca de novos caminhos. Caminhos novos
sempre há para trilharmos porque o humano está preso a um ciclo contínuo dentro
do quadro do princípio do fim.
Há cerca de 10 anos que o público
não tinha oportunidade de ver vários quadros reunidos de Fernando. Agora sua obra será mostrada com toda sua vitalidade, como uma explosão que causará um impacto
visual e sociológico muito grande na alma daqueles que tem a sensibilidade
capaz de captar toda de uma obra de arte.
As cores ficam conservadas como
algo importante e intocável. Elas são jogadas em dose tênues dentro fora das
caixas que juntamente com as linhas formam toda a estrutura dos quadros. As
fantasias e as figuras circenses de Fernando refletem o homem de nosso século,
que diariamente é reduzida a condições de incerteza e misérias. É uma narrativa
do cotidiano, de um mundo que deve ser vivido por todos. Os condicionamentos
aniquilam, elitizam e é exatamente isto que é mostrado nesta crônica plástica.
Uma das figuras que mais me
chamou a atenção foi de uma criança pendurada num trapézio de cabeça para baixo tentando pegar alguns brinquedos
dentro de uma caixa. É como o nascer. A criança nasce e num mundo conturbado,
de cabeça para baixo, de guerras e incertezas é o que lhes resta. O pobre
animalzinho indefeso é como que logado às feras, passando primeiramente pela
fase da fantasia e doa brinquedos. De repente, já adulto tem que enfrentar a
vida é a batalha onde muitos ficam para trás.
Portanto, diante do que afirmo
acima podemos reafirmar que a obra de Fernando Coelho é um trabalho da maior
importância e talvez uma das mais importantes exposições realizadas em
Salvador. É uma obra que traduz a descoberta de uma novo mundo por um artista
que domina a técnica e acima de tudo tem consciência da realidade que nos apresenta.
Fernando Coelho acordou depois de
um longo sono. Acordou pisando com o pé direito. É preciso que outros artistas
do mesmo talento que ele acordem e vejam a importância e o alcance de um
trabalho feito com seriedade e consciência.
II FEIRA DE ARTE EM FEIRA DE SANTANA
Estive no domingo passado na
cidade de Feira de Santana onde foi realizada a II Feira de Arte reunindo mais
de uma dezena de artistas plásticos e artesãos. Foi um sucesso total. Uma troca
de idéias inclusive proporcionando o contato de artistas residentes na Capital
com os feirenses. Outras feiras virão, sempre no primeiro domingo de cada mês
com o objetivo de incentivar o movimento artístico através da dedicação de
Dival Pitombo, D. Aline e de outras pessoas que realmente tem uma melhor visão.
Entre os artistas presentes:
Maneca o construtor do carro Zabelê, o entalhador de madonas Miguel Reis, o tapeceiro Charles
Albert, e alguns artistas do Salvador. A Feira aconteceu na Praça da Matriz
reunindo a sociedade feirense e pessoas que gostam das artes plásticas. Seus
organizadores ficaram surpresos com a receptividade da feira que foi idealizada
em benefício da Casa da Amizade daquela cidade.
SÉRGIO CAMPOS MELLO ESTÁ EXPONDO NO MAM
Com seus novos trabalhos Sérgio
Campos Mello continua mantendo viva sua preocupação com a pintura com o
objetivo de criar uma situação quadro, criar um espaço pictórico destinado à
parede. Porque ele acredita que persiste uma relação entre o plano pictórico e
a parede e o seu trabalho atual é um agir em torno da pintura. Seu trabalho
nada tem a ver com a pintura em termos tradicionais, pois telas e tintas não
estão presentes em seus quadros.
Nascido no Rio de Janeiro em
1932, Sérgio freqüentou livremente cursos de arte na Corchoran Art School em
Wasghinton, Escola Nacional de Belas Artes, Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro, Ecole National e Superiore de Beaux Arts, de Paris e Ecole Du Louvre,
em Paris, como bolsista do governo francês no período de 1968 a 1969, tendo
posteriormente vivido na França durante sete anos. Já fez onze exposições
individuais e participou de várias coletivas e é detentor de vários prêmios,
inclusive no estrangeiro.
ADELSON DO PRADO NA GALERIA O CAVALETE
Está marcada para o próximo dia 22 a exposição do artista
baiano Adelson do Prado. Ele nasceu em Vitória da Conquista e fez sua primeira
exposição individual com uma apresentação do escritor Jorge Amado.
Pombas, obra do baiano Adelson do Prado |
Por outro lado, a Galeria O Cavalete está informando que foi prorrogada a coletiva dos artistas baianos:
Carlos Bastos, Leonardo Alencar, Carl Brussel, Lygia Milton o mestre Réscala J.
Cunha, Costa Lima, Antoneto Edison da Luz, Mirabeau Sampaio. Esta mostra ficará
até o próximo dia 22 quando entrará a individual de Adelson do Prado.
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