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terça-feira, 2 de julho de 2013

UM NOVO FERNANDO COELHO: MAMBA

JORNAL A TARDE, SALVADOR, D SÁBADO 09 DE AGOSTO DE 1975

O artista Fernando Coelho e uma das obras que vai expor
 Estávamos acostumados a admirar a pintura de Fernando Coelho por um prisma completamente diferente, diverso e oposto ao que agora nos apresenta. Houve uma mudança radical em toda a estrutura de sua pintura e da temática que agora abraçou.
Dizem que os artistas chegam a uma fase de amadurecimento artístico depois dos 50 a 60 anos. Acontece que Fernando Coelho quebrou esta corrente que assim pensa. Ele não tem 50 nem 60 anos mais é um artista maduro e principalmente consciente daquilo que está fazendo no momento. Sua preocupação não é apenas com a parte gráfica mais também com a conotação sociológica que deve ter a obra de arte. Foi realmente uma guinada decisiva e violenta. Agora o homem é o centro e a razão de sua pintura. Saindo de uma estagnação puramente estética sua arte alcança uma dimensão muito maior, deixando de ser como diz Bené Fonteles o bonito, passa a se tornar espelho do mundo do qual o artista absorve as imagens para expandir em suas obras.
Uma verdadeira crônica do cotidiano, onde tocadores de bumbo, de pratos, fantoches, fantasmas, crianças brincando e chorando de fome, um homem que discursa violentamente ou carrega blocos de pedra, seres bucólicos, bizarros, agourentos vão surgindo e sumindo num ciclo vital e contínuo. Esta mudança não tem e não deve ter explicação. Simplesmente aconteceu como acontecem as coisas boas e inesperadas. Uma transformação de uma planta que vinha dando os seus primeiros frutos mais que ainda não lhes agradava.
Ela foi crescendo e brotando novos e novos frutos. De repente surgiram aqueles frutos que ela tanto sonhava. Assim é Fernando Coelho um artista que sempre criou, que sempre produziu ,mas certamente a sua arte que será mostrada ao público a partir do dia 16, no Museu de Arte Moderna da Bahia assemelha-se aos frutos que aquela árvore sempre sonhara.
Alguns artistas modificam sua maneira de encarar a vida e a própria arte depois de terão passado alguns momentos de sofrimento. Outros a solidão se encarrega desta mudança. Fernando apenas amadureceu no tempo certo com a mudança dos valores. Hoje, ele tem outra visão do mundo onde sua arte tem um papel definido.
As ilusões dissiparam-se e o fantasma de realidade foi tomando corpo até fixar-se definitivamente. Um encontro do criador com a criatura. Um encontro onde o criador assume sua verdadeira posição de responsabilidade para com aquilo que cria, que concebe.

MÁGICO

O poeta Ildázio Tavares falando sobre o trabalho de Fernando disse  que "a  verdadeira arte não se escraviza à aparente objetividade dos seres, da natureza. Ela nasce do sentimento profundo e muito íntimo do artista, após um período de gestação. E nesta gestação e parto os objetos exteriores entram como que numa dança. As sensações se acotovelam. E no final o que vemos ter são sensações concretizadas e ordenadas pelo segundo fator importante na confecção do produto artístico, a capacidade artesanal. "
Fernando reconhece esta mudança brusca em seu trabalho afirmando que " começaram então a ocorrer em meu trabalho às primeiras mudanças, reflexo do que aos poucos também ocorria comigo. Surgiram os primeiros quadros com uma preocupação mais existencial do que formal.Pintei um auto-retrato, depois outro e mais outro, tentando com este ato refletir toda a transformação do ser mutante que eu passei a ser. E de uma visão puramente interpretativa passei a cuidar das coisas interiores com uma maior preocupação criativa e uma elaboração mental objetiva. Eu tinha necessidade de dizer coisas e mais coisas com o meu trabalho, era o começo de um desabafo, sei lá, da necessidade de participar de alertar, uma vontade de contar o que de repente estava ocorrendo."
E continua  "fui pintando uma crônica, fazia com o meu trabalho uma espécie de diário "e é exatamente o que procura fazer agora, pinto, as coisas que estão acontecendo comigo ou em volta de mim. Quero pintar a minha vida sem fugir de toda uma relação com a realidade do mundo."
"E estão surgindo quadros que nada mais são do que coisas vividas, acontecimentos, sonhos, pesadelos. Fui pintando tudo e estes personagens carregados de forte fantasia foram aos poucos também caminhando de encontro a realidade, culminando com o quadro que realizei sobre a fome e que foi realmente o momento de rompimento de toda a ideia puramente fantasiosa e o encontro com a verdade.
A partir daí realizei uma série de quadros em que estão lado a lado, o homem que discursa inutilmente, ferozmente e a inconsequência de uma guerra como a do Vietnã; o despertar do saltador e a certeza da morte; o homem do bumbo e o tocador de pratos, membros de uma banda fantástica, todos com um pouco de nós mesmos, aventureiros e gozadores. A preocupação, contudo é a situação indecisa e desesperada em que todos se encontram: no arame, no trapézio, diante de um microfone, a beira de um abismo ou de absurdas caixas: flutuando no vácuo, faturando o vazio. Assim vão eles contando esta história que nada mais é do que a história que nada mais é do que a história de todos nós. Na corda bamba com um sorriso preso nos lábios."
O seu auto-retrato que foi um dos primeiros quadros desta sua nova  mostra .Seu personagem olha através de uma caixa transparente uma paisagem calma, bem longe. Uma posição privilegiada que logo depois ele abandona e passa a preocupar-se com o humano. Isto podemos observar na série de quadros onde apresenta o homem surgindo, o seu encontro com o rei, com o poder. O terceiro quadro desta série começa a batalha do homem e a sua fragmentação, sua agonia. Depois noutro adoração e o deslumbramento com o mundo, a seguir a inutilidade do discurso e da conversa envolvente, a sua queda diante da vida e finalmente no último quadro da série surge uma figura de um homem que, corre desesperadamente em busca de novos caminhos. Caminhos novos sempre há para trilharmos porque o humano está preso a um ciclo contínuo dentro do quadro do princípio do fim.
Há cerca de 10 anos que o público não tinha oportunidade de ver vários quadros reunidos de Fernando. Agora sua obra será mostrada com toda sua vitalidade, como uma explosão que causará um impacto visual e sociológico muito grande na alma daqueles que tem a sensibilidade capaz de captar toda de uma obra de arte.
As cores ficam conservadas como algo importante e intocável. Elas são jogadas em dose tênues dentro fora das caixas que juntamente com as linhas formam toda a estrutura dos quadros. As fantasias e as figuras circenses de Fernando refletem o homem de nosso século, que diariamente é reduzida a condições de incerteza e misérias. É uma narrativa do cotidiano, de um mundo que deve ser vivido por todos. Os condicionamentos aniquilam, elitizam e é exatamente isto que é mostrado nesta crônica plástica.
Uma das figuras que mais me chamou a atenção foi de uma criança  pendurada num trapézio de cabeça para baixo tentando pegar alguns brinquedos dentro de uma caixa. É como o nascer. A criança nasce e  num mundo conturbado, de cabeça para baixo, de guerras e incertezas é o que lhes resta. O pobre animalzinho indefeso é como que logado às feras, passando primeiramente pela fase da fantasia e doa brinquedos. De repente, já adulto tem que enfrentar a vida é a batalha onde muitos ficam para trás.
Portanto, diante do que afirmo acima podemos reafirmar que a obra de Fernando Coelho é um trabalho da maior importância e talvez uma das mais importantes exposições realizadas em Salvador. É uma obra que traduz a descoberta de uma novo mundo por um artista que domina a técnica e acima de tudo tem consciência da realidade que nos apresenta.
Fernando Coelho acordou depois de um longo sono. Acordou pisando com o pé direito. É preciso que outros artistas do mesmo talento que ele acordem e vejam a importância e o alcance de um trabalho feito com seriedade e consciência.

                                        II FEIRA DE ARTE EM FEIRA DE SANTANA

Estive no domingo passado na cidade de Feira de Santana onde foi realizada a II Feira de Arte reunindo mais de uma dezena de artistas plásticos e artesãos. Foi um sucesso total. Uma troca de idéias inclusive proporcionando o contato de artistas residentes na Capital com os feirenses. Outras feiras virão, sempre no primeiro domingo de cada mês com o objetivo de incentivar o movimento artístico através da dedicação de Dival Pitombo, D. Aline e de outras pessoas que realmente tem uma melhor visão.
Entre os artistas presentes: Maneca o construtor do carro Zabelê, o entalhador de  madonas Miguel Reis, o tapeceiro Charles Albert, e alguns artistas do Salvador. A Feira aconteceu na Praça da Matriz reunindo a sociedade feirense e pessoas que gostam das artes plásticas. Seus organizadores ficaram surpresos com a receptividade da feira que foi idealizada em benefício da Casa da Amizade daquela cidade.

                                 SÉRGIO CAMPOS MELLO ESTÁ EXPONDO NO  MAM

Com seus novos trabalhos Sérgio Campos Mello continua mantendo viva sua preocupação com a pintura com o objetivo de criar uma situação quadro, criar um espaço pictórico destinado à parede. Porque ele acredita que persiste uma relação entre o plano pictórico e a parede e o seu trabalho atual é um agir em torno da pintura. Seu trabalho nada tem a ver com a pintura em termos tradicionais, pois telas e tintas não estão presentes em seus quadros.
 QUEM É
 Sua exposição foi aberta no último dia 7 do corrente e permanecerá até o próximo dia 7 de setembro.
Nascido no Rio de Janeiro em 1932, Sérgio freqüentou livremente cursos de arte na Corchoran Art School em Wasghinton, Escola Nacional de Belas Artes, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Ecole National e Superiore de Beaux Arts, de Paris e Ecole Du Louvre, em Paris, como bolsista do governo francês no período de 1968 a 1969, tendo posteriormente vivido na França durante sete anos. Já fez onze exposições individuais e participou de várias coletivas e é detentor de vários prêmios, inclusive no estrangeiro.

ADELSON DO PRADO NA GALERIA O CAVALETE
 
Está marcada para o próximo dia 22 a exposição do artista baiano Adelson do Prado. Ele nasceu em Vitória da Conquista e fez sua primeira exposição individual com uma apresentação do escritor Jorge Amado.
Pombas, obra do baiano Adelson do Prado
Aqui ele se firmou e depois seguiu para o Rio de Janeiro. Hoje, Adelson do Prado é considerado um dos mais importantes pintores brasileiros. Conheço-o há vários anos quando ele iniciava a sua carreira de artista profissional. Nesta época Adelson tinha uma sede incrível de pintar. Morava numa pensão no Corredor da Vitória, num pequeno quarto que também servia de atelier. Moravam nesta pensão dezenas de estudantes universitários que faziam refeições do Restaurante da UFBa., entre os quais este cronista. Tive oportunidade de ver Adelson do Prado pintar muitos quadros, todos com uma facilidade, com um colorido que deixava seus colegas de pensão perplexos. Seu desenho é fácil e espontâneo, suas cores vivas como as pombas brancas que tanto ele gosta de pintar. Vamos aguardar esta exposição de Adelson do Prado, agora maduro e certamente mais responsável.

Por outro lado, a Galeria O Cavalete está informando que foi prorrogada a coletiva dos artistas baianos: Carlos Bastos, Leonardo Alencar,  Carl Brussel, Lygia Milton o mestre Réscala J. Cunha, Costa Lima, Antoneto Edison da Luz, Mirabeau Sampaio. Esta mostra ficará até o próximo dia 22 quando entrará a individual de Adelson do Prado.

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