JORNAL A TARDE , SALVADOR, SÁBADO, 21 DE JANEIRO DE 1978
O Surrealismo e corrente afins,
tais como o realismo mágico dos anos trinta nos Países Baixos, de algum tempo a
esta parte desfrutam de renovado interesse. Os artistas holandeses das últimas
gerações, os da geração atual e o público neles interessado, manifestam
preferência por uma forma de linguagem plástica que de novo recorre a uma
fantasia extraída de representação visual, e neste sentido realista, para
expressar realidades físicas da existência pessoal. A considerável influência
exercida atualmente pelo pintor amsterdamês Melle, que já trabalhava antes da
Segunda Guerra Mundial, mas que o grande público somente agora descobriu, é
sintomática. Aliás, é curioso que, até agora, nenhum fenômeno deste gênero se
tenha manifestado em nenhum outro país.
É preciso igualmente situar neste
contexto o renovado interesse pelos realistas mágicos, tal como começavam a se
expressar por volta de 1930, bem como por vários surrealistas apenas conhecidos
anteriormente, Carel Willinkn Raoul Hynckes, Willem Schuhmacher e Pyke Koch
fazem parte da primeira categoria. Ao segundo grupo pertence Willem Van
Leusden.
Diversas razões existem para
consagrar este artigo a Utrecht particularmente, negligenciado um pouco os
aspectos gerais deste surrealismo. Existem com efeito um fio que nos leva de
Willem Van Leusden, nascido em 1886, à geração de Pyke Koch, e em seguida à
atividade artística subseqüente à Segunda Guerra Mundial e aos jovens artistas
da geração atual. Este Liame nos permite conferir à cidade de Utrecht um lugar
de destaque na topografia artística dos Países-Baixos na qualidade de centro
dinâmico do surrealismo no sentido mais
lato do termo.
Pode-se pensar talvez em
anacronismo vendo que,
É preciso buscar outros
argumentos para explicar o fenômeno de Utrcht, pólo de comércio, e tráfego,
situado literalmente no coração dos Países-Baixos. Tomemos como ponto de
partida provisório a importante monografia sobre Pyke Koch publicada pelo jovem
historiador de arte de Utrecht, o eminente e dinâmico Carel Blotkamp. A
presença de uma universidade e mais especialmente a existência de uma vida
literária bastante independente, são ali são ali citadas como aspectos
primordiais determinantes da evolução pessoal e artística da Pyke Koch.
La Belle Époque II, de Pyke Koch |
Os laços entre escritores e
artistas caracterizam igualmente o surrealismo parisiense dos anos vinte.
Pode-se indagar a posteriori em que medida este surrealismo, com protagonistas
tais como Aragon, Eluard, Breton, Artaud e outros mais importantes sobre a
literatura moderna que sobre as artes plásticas propriamente ditas. De qualquer
forma, é inegável que o surrealismo se distingue de todas as demais correntes
artísticas pela indissolúvel unidade de arte de escrever e da arte plástica,
para Rahn, deve ter influenciado a arte pictórica de Pyke Koch. Além disso,
escreve ele, existe parentesco na escolha dos temas. Nas primeiras obras,
retratos fictícios de mulheres públicas, quadros de quermesse e cenas se
desenrolando nos bairros populares, Pyke Koch põe em evidência a margem da
sociedade bem organizada, como o faziam diversas cineastas nos melhores filmes
alemães dos anos vinte.
Ele indica a propósito o valor
simbólico do local onde se situa a ação, desejando acentuar a expressão da
forma como fator sugestivo da atmosfera e do local onde a ação decorre. A rua,
o local de trabalho das mulheres públicas, é o local onde o fatum reina sobre
os homens; os desejos deles se refletem nas vidraças; a quermesse representa o
microorganismo onde vivem.
Sonâmbula Repousando,de Pyke Koch, Museu Boymans |
A estreita relação com o mundo da
palavra é evidente nos realistas mágicos dos anos trinta. Em Pyke Koch ela está
claramente ligada à situação particular existente em Utrecht, já assinalada.
Ela persiste nos jovens artistas após a Segunda Guerra Mundial, mesmo naqueles
que pouco tem de comum com a personalidade solitária de Pyke Koch. Existe ainda
um outro elemento: Utrecht é uma cidade nostálgica, envolvida por ferrovias, de
cujos prédios emana uma tristeza do século dezenove.
Por outro lado, conservou toda a
beleza dos antigos canais, velhas ruas, becos e casas, plenos de lembranças
evocadoras.
Horas Tarde, do pintor Johannes Moesman |
Até nossos dias, esta cidade
sempre teve escritores, tanto homens como mulheres, descrevendo este aspecto
nostálgico e evocando as restrições de antanho e o caráter burguês, dissimulado
mais persistente, por três das velhas paredes. Ela pode igualmente orgulhar-se
de um grande número de pintores de desenhistas. É uma cidade que encontramos
como presença viva em Pyke
Koch , mas igualmente nos jovens artistas contemporâneos reunidos
sobretudo na Grafisch Gezelshap de Luís Associação gráfica O Piolho e na obra
de Moesman, o único surrealista holandês mais conhecido entre os surrealistas
franceses antes da Segunda Guerra que em seu próprio país.
Quaisquer que sejam os laços que
o liguem à vida e à arte de sua época, Pyke Koch foi uma figura bastante
isolada, como que surgia do nada. O mesmo não ocorre com Willem van Leusden,
segunda figura em importância na pré-história do surrealismo contemporâneo de
Utrecht. Pyke Koch jamais teve epigonos, menos ainda formou uma escola. Como
professor e exemplo vivo entretanto, Willem van Leusden contribuiu para a
preparação de uma característica particular da arte moderna contemporânea, AL
como se desenvolveu em Utrecht, e que se encarna hoje sobretudo na associação
De Luís e saber o grande respeito pelo aspecto técnico e artesanal,
especialmente no que concerne a gravura.
Nascido em Utrecht em 1886,
Willem van Leusden recebeu sua formação acadêmica em Haia, aprendeu depois
gravura na academia estatal de Amsterdam de 1902 1910, antes de instalar-se em
Maarsen, próximo à sua cidade natal, em 1913. No decurso dos anos seguintes,
graças a subsídios reais teve ele ocasião de efetuar diversas e demoradas
viagens de estudos.
Aproveitou sobretudo para estudar
catedrais francesas. As paisagens urbanas e as catedrais constituem a temática
deste primeiro período.
Van Leusden manifesta romântica
preferência por tudo que é medieval bem
como por galhos de formas caprichosas e sobretudo aspectos bizarros da
natureza, o que já prefigura sua obra ulterior.
Entretanto em 1915, um período
inteiramente novo se anuncia. Um grupo de trabalho de jovens historiadores de
arte, um Utrecht, ainda sob a direção do mesmo Carel Blotkamp, recentemente
organizou uma exposição mostrando pela primeira vez uma imagem do nascimento da
arte abstrata nos Países-Baixos.
As ramificações deste artesão bem
mais importantes que aquilo, exclusivamente conhecido até hoje, mesmo em nível
internacional, como o grupo De Stiji, de Mondrian, van Doesburg e outros.
Juntamente com outras figuras que
apenas suscitam leve interesse, Willem van Leusden que deveria posteriormente
orientar-se em direção ao surrealismo, foi um dos primeiros a se integrar nesta
nova imagem. Após ter sido um dos primeiros nos Países-Baixos a aplicar
sistematicamente o cubismo, ele sofreu a influência do pintor francês Le
Lauconnier que refugiou-se nos Países-Baixos durante a Primeira Guerra Mundial,
influenciado muitos pintores tais como François Gos, franco-suíço que se hospedou
em sua casa e sobre o qual o cubismo parisiense ainda exercia influência tanto
quanto sobre Frans Marc e Macke, ambos do grupo Blaué Reiter (Cavaleiro Azul)
Momento Música, de Wilen Van Leusden |
Próximo ao final da Primeira
Guerra Mundial, o arquiteto Gerrit Rietveld, originário de Utrecht e membro do
De Stil fez Van Leusden conhecer as ideias do grupo. Disto resultou uma série
de projetos arquitetônicos, não destinas a execução, mas considerados sobretudo
como experiências no campo do espaço e das cores. Em 1923 Van Leusden
participou da primeira exposição do grupo De Stiji em
Paris. Depois , sob a influência sobretudo de El
Lisstzky, orientou-se ainda mais em direção ao construtivismo russo na segunda
metade da década de vinte. Assim chegou ele a um ponto final. Atingiu a um
limite que não podia mais ultrapassar.
A partir de 1930, sob a
influência da obra de Salvador Dali, Willem van Leusden alterou sua ótica,
tornando-se um dos poucos artistas holandeses, verdadeiramente convictos, porém
tão poucos, que aderiram ao surrealismo. Na Bélgica, Magritte o havia procedido
porém Paul Delvaux só o iria acompanhar
a partir de 1934-1935.
Willen van Leusden gozava então
de renome bastante regional, com suas representações surrealistas onde
desempenhavam papel considerável as paisagens fantásticas, as formas
caprichosas e bizarras da natureza ou seu definhamento mortal; ele observava os
fenômenos no velho jardim da sua própria residência campestre, datando do
século dezessete, onde figura humana e outras, fossem um velho cepo apodrecido
pela água ou telhas gastas pelas intempéries, se apunham a viver.
Nele, o jogo das ambivalência se
esconde menos nos equivocos óticos da ordem espacial, como é o caso de Magritta
que no relato da composição. Seus auto-retratos de auto-retratos, por vezes
mais que duplos, servem de eloqüentes exemplos. Dentre seus temas prediletos
estão a morte e a fragilidade, e a maior parte de suas paisagens se banha em
uma atmosfera despojada de sombra.
Que não seja entretanto subestimado o
elemento humorístico que se esconde na obra. Ao longo dos anos concentram-se
alguns destes elementos prenhes de grande valor simbólico: crânios, um leão no
deserto, uma marionete, alguns putti barrocos, um navio assombrado em um mar
encapelado uma cabeça de medusa em gesso. Mas cada quadro lentamente concebido até
que realmente surja em seu conjunto no espírito do artista guarda uma grande
independência.
Já era bastante difícil situar
exatamente o pintor Willen van Leusden que jamais fez realmente parte dos
surrealistas e dava á pintura a mais simples das expressões; entretanto o
gravador Van Leusden já gozava anteriormente de uma reputação nacional. Com
efeito, fora ele o primeiro a descobrir a técnica de gravura utilizada por
Hércules Seghers, gravador e pintor do século dezessete, técnica esta que permanecera
perfeitamente enigmática desde então. Willem van Leusden trabalhou por longos
anos nesta pesquisa de imenso alcance para a história da arte, divulgando-a em
Detsen van Hércules Seghers grafisch-technisch verklaard 1960. As gravuras de
Hércules Segheres, Explicada a técnica da gravura.
A Farmhouse Near Laren,Obra de Wim Schumacher |
Os grandes especialistas nada
mais fizeram que formular algumas questões de detalhe e respeito deste assunto.
Do ponto de vista da história da
arte, e interessante ver o método experimental de Van Leusden. Ele forneceu
provas imitando algumas das gravuras de Seghers. Do ponto de vista artístico, é
preciso notar que aplicou a técnica em questão nas mais importantes de suas
gravuras das quais, frequentemente, existe apenas alguns exemplares executados
em cores diversas. Há três séculos de distância, o grande alquimista da
gravura, Seghers, caminha ombro a ombro com o alquimista moderno Van Leusden. É
certamente uma das coisas que explica imensa influência exercida por Van
Leusden sobre os jovens artistas contemporâneos.
A associação De Luís serve de
exemplo.Pela primeira vez a arte moderna,
tal como se expressa em Utrecht, dispõe de um grupo reunindo tendências
divergentes, fundado entretanto sobre aspectos bem definidos: o amor
sistemático à profissão de gravador, e ao desenho, e um enfoque surrealista, ou
apresentado ao surrealismo, da realidade.
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