Fiquei surpreso com uma reportagem publicada recentemente num
jornal local sobre o artista Aurelino
Santos. Conheci-o nas décadas de 70 e 80
quando ele perambulava pelas galerias da
cidade vendendo seus quadros, recebendo dos galeristas atenção
e material para continuar pintando. Era difícil estabelecer uma conversa com ele
porque as frases que pronunciava eram
quase sempre desconexas .Não adiantava querer
ser compreensivo e tentar entendê-lo porque, de repente, ele saía falando sozinho e
desaparecia por vários dias e até meses. Começou a pintar cedo, mas foi na
década de 1960 , influenciado pelo escultor Agnaldo Santos (1926-1962) e pela
arquiteta Lina Bo Bardi, responsável pelo projeto do Museu de Arte Moderna da Bahia
, no Solar do Unhão, que Aurelino iniciou
sua carreira artística.
Quando você menos esperava lá estava ele de volta, trazendo alguns quadros
debaixo do braço. Geralmente a compra tinha que ser feita, porque ficava
irritado quando isto não acontecia. Desta forma alguns galeristas acumulavam vários
trabalhos, os quais não tinham mercado ou seja, não podiam ser comercializados. Os galeristas
foram trabalhando a sua obra, falando do seu jeito de ser, da dificuldade do
diálogo, do seu talento inato, que brota
límpido como a água de uma nascente na montanha. Foi assim, que hoje seu
talento é reconhecido e obras de sua autoria já foram expostas em Valencia e Paris
através da Fundação Cartier e, também, em São Paulo no Museu Afro Brasil, graças
a sensibilidade de Emanoel Araújo.
Aurelino continua reticente e sua doença não é tratada, porque hoje é ainda mais difícil internar ou levar alguém
contra a vontade para um médico ou uma casa de saúde. É preciso que haja uma vontade
e decisão do próprio doente. Assim, o ex-cobrador de ônibus e ex-pedreiro vai
amargando o seu problema mental, como já aconteceu com vários artistas entre
eles escritores, pintores, escultores etc. Basta lembrar o caso do grande Van Gogh que contou com a ajuda do seu irmão
Theo, mas que terminou se suicidando.
Na realidade olhando a pintura de Aurelino dos Santos vemos que existe algo de relevância e criatividade e,
a presença de muitos elementos em suas obras , colocados em posições as mais
diversas nos leva a crer que é fruto da sua desorganização mental. Só que esta
desorganização não consegue empanar o seu talento, e uma prova disto é que suas
obras começam a ser reconhecidas pela qualidade.
Possuo este quadro acima, de Aurelino dos Santos, datado de 1965 ,onde
podemos ver a sua composição com vários
elementos preenchendo os espaços numa desorganização organizada. Esta aparente
contradição reflete a sua própria confusão mental, mas que tem um equilíbrio e
beleza plástica. O espectador fica diante de uma obra deste artista
diferenciado procurando identificar cada elemento ou mesmo separando-o
mentalmente como num jogo de armar.
Sabemos que além do álcool Aurelino Santos é um fumante
inveterado. Hoje, aos 70 anos de idade e seu corpo franzino requer um
tratamento urgente.Vivendo em condições precárias num barraco sem reboco de pouco mais de 30 metros quadrados numa favela próxima ao bairro de Ondina, este é o retrato de Aurelino, resultado do seu problema mental. Se algo não for feito fatalmente seu organismo vai resistir por pouco tempo.
Certamente, não podemos afirmar que Aurelino seja um gênio, mas sem
dúvida é um artista talentoso e, que
merece todo o apoio e incentivo para que posa se tratar e se afastar desses vícios podendo assim continuar produzindo e usufruindo do fruto do seu trabalho com
dignidade.
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