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domingo, 7 de julho de 2013

VAMOS CONTER O HOMEM, ANTES DA CIDADE

JORNAL A TARDE, SALVADOR, SÁBADO 24 DE ABRIL DE 1976

"Sentimos dentro de nós uma preocupação constante não só pela nossa casa, como também pela nossa Cidade. Embora estejamos voltados para ocupações diferentes, todos nós temos uma opinião própria acerca dos problemas da Cidade. Todo aquele que não participa dos problemas da Cidade é considerado, entre nós, um mau cidadão, não um cidadão silencioso."
"Somos nós que decidimos os assuntos a Cidade ou, pelo menos refletimos sobre eles profundamente. Pois não vemos na opinião expressa publicamente um perigo para a ação, mas, sim, na ausência de discussões anteriores a execução das obras necessárias." Péricles, no ano 430 a.C.
Conservei esta citação original do catálogo da exposição Profitopolis, não porque ela impunha uma pretensa seriedade do que vou dizer aqui nesta coluna, mas acima de tudo pela seriedade e pelo que me levou a pensar. Somos todos responsáveis pelo que acontece em nossa Cidade ou pelo menos conversamos, discutimos sobre ela ou assuntos que lhe dizem respeito. Condenamos hoje a Cidade como um réu, um ser que cresceu, inchou e agora começa a se deteriorar.
Exato. Correto. No entanto, antes de condenarmos a Cidade é preciso que tenhamos coragem de condenar os homens, que a deixaram crescer, inchar e se deteriorar. A Cidade só existe, se existe um homem para criá-la e habitá-la. Do contrário seria fantasma. É preciso que reflitamos é sobre a qualidade de vida desses monstros de concreto armado. O homem vai criando, acrescentando sem a preocupação com o futuro. Anos depois, torna-se quase impossível consertar o que está errado. Seria melhor que destruíssemos New York e outras cidades chamadas de falidas. Mas é preciso também ter coragem de enxergar beleza em New York. É preciso também saber que mesmo em Salvador onde existe a maior favela da América do Sul, os Alagados com 95 mil pessoas vivendo na lama, existe seu lado positivo. Os problemas existem e  as soluções devem ser buscadas em conjunto.

O EXEMPLO

Quando vinha para a redação do jornal escrever esta coluna, quase que não chegava ao meu destino.Um motorista de um táxi deu uma cortada pela contra mão e quase que capoto o meu carro. Acontece que o neurótico daquele motorista de táxi, do qual não sei o nome, onde mora, com quem vive, é considerado no seu meio  familiar um indivíduo normal e atencioso e às vezes até bondoso.
No entanto, quando sai às ruas da Cidade começa a externar o animal que tem dentro de si. Este simples exemplo é para mostrar que estamos vivendo um status em cada lugar onde estamos dentro da Cidade. A falsidade humana é tamanha que chega a assustar e é responsável por muita miséria que acontece por aí.
A exposição Profitopolis trata exatamente do estado das nossas cidades e da modificação necessária de tal estado. É uma exposição política, como política é qualquer atitude que venha a denunciar o que existe de errado em nosso redor, como o capim que está crescendo em frente ao Palácio Rio Branco, na Praça Municipal.
As indagações devem ser feitas sobre as coisas que nos tocam de perto como os problemas da Cidade. Vemos que a razão política ainda não conseguiu dar forma á realidade de nossas cidades, e principalmente aos homens que a habitam. A dignidade humana deve ser inviolável, e isto não vem sendo obedecido, o que tem gerado uma série de atritos e convulsões sociais, algumas das quais de grandes efeitos negativos.
O Presidente da República Federal Alemã  pergunta se nossas condições de vida urbana ainda são dignas. E, o Prefeito de Munique faz a seguinte constatação: "Não existem também somente leis, sentenças e atos administrativos anticonstitucionais. Existem também, situações e até cidades anti-constitucionais."

PODEROSOS
Em  Salvador cresce assustadoramente o número de favelas
Sempre estamos jogando nossas cidades com os nomes dos poderosos. Seres intocáveis e temidos. Todos cruzam os braços, porque fulano de tal é um ser poderoso. Eles constroem e destroem em nome do seu poder que pode ser econômico, social ou político. Assim o lucro predomina sobre a razão e são construídos Apolos XXVII, Parque Julius César e outros monstros que certamente durarão até que alguém de razão decida que eles não podem coexistir com a Cidade. Mas seria melhor que esta força dos poderosos fosse canalizada para obras mais racionais que viessem de certa forma atender às necessidades do povo.
O bem estar comum deve estar acima de tudo. Agora mesmo, notamos a preocupação do Governo em dotar as cidades do interior de um plano diretor racional para que não cresçam e inchem de qualquer forma. É preciso uma racionalização deste crescimento para evitar os gritantes desequilíbrios que saltam aos nossos olhos. Outras, com mais de 200 mil habitantes serão alvo de outro programa do Governo.
Os serviços de infra-estrutura passam a preocupar não somente aos governantes como também a seus moradores, Diz o alemão Wend Fischer que " os representantes da coletividade, incumbidos de agir em nome dela, são tão fortes ou tão fracos quanto a própria coletividade. A construção de cidades é uma missão política que não se pode cumprir sem a participação ativa do cidadão. Este deveria decidir-se  a tornar-se auto responsável e a colaborar com iniciativa própria na configuração de sua Cidade, a fim de que esta se torne de novo digna do homem e para que a razão política adquira a força necessária sem a qual ela não pode nem afirmar-se, nem impor-se. Para tal decisão, torna-se condição sinequa non uma compreensão crítica da situação miserável em que se encontram nossas necessidades de transformá-las. Incentivar e ativar uma  tal compreensão crítica é tarefa de um processo de conscientização. Segundo se diz a época do iluminismo já passou há muito; na realidade, porém, continuamos vivendo integrados nela. Algumas frases de Kant, redigidas em 1784, vem, neste contexto, bem a propósito; confrontadas com o ritmo e a duração deste quase interminável processo de tomada de consciência do homem, parecem elas tão atuais e novas que se pode, sem hesitação, considerar seu autor um homem de modernidade."
A exposição pretende incitar o cidadão de nossas cidades a fazer uso, onde quer que se encontre, da própria racionalidade, em todos os sentidos. É um apelo para se avaliar o verdadeiro estado de nossas cidades, segundo as ideias de valores e os princípios fundamentais que reconhecemos e continuamos a reconhecer em nossa Constituição. A compreensão crítica da discrepância existente entre o que determina a Constituição e a realidade que nos cerca deve levar a uma tomada de consciência com respeito ao bem comum e aos valores humanos. Tal reflexão leva conseqüentemente à exigência de dar absoluta prioridade a esses valores no desenvolvimento e configuração de nossas cidades. Uma sociedade que não faça tal exigência e não a imponha, não só renuncia às suas cidades, como também põe em perigo sua existência democrática.
A mobilidade urbana é hoje um dos grandes
problemas nas metrópolis
Já em 1964, num artigo Notas sobre a situação atual do urbanismo entre artigos de outros autores na Homenagem a Werene Hebebrand, o Prof Gerd Albers assinalou " a preocupação pela preservação da democracia em condições de funcionamento como um dos motivos fundamentais para interessar cada cidadão pelas tarefas comuns e pela vida comunitária. Ele se referiu ao homem responsável e ao perigo de que o meio-ambiente constituído não incite o indivíduo suficientemente à participação e à responsabilidade cívica e o relegue a uma composição de mero consumidor."
"Uma democracia em condições de funcionamento e o interesse pelos problemas vitais da Cidade, afirmou ele, podem basear-se unicamente em ideias de valores acerca da vida adequada à condição humana."
Na hipótese de um fracasso, pode acontecer o que o Prof. Albers previu, visando, em particular, o problema da alienação do solo, em sua Comunicação Urbanismo do Futuro, por ocasião do Simpósio Internacional Problemas do Futuro, que se realizou em Munique em 1969: Quanto ao problema do direito sobre o solo e da sua alienabilidade, não levando em consideração sua vinculação aos interesses da comunidade torna-se evidente, de maneira constrangedora, a falta de capacidade e de disposição da sociedade de adaptar-se às exigências do momento. Se esta situação perdurar por mais alguns anos, sou levado a supor que presenciaremos, numa época não muito distante, uma revisão total de nossas condições de exploração do solo e da propriedade privada, uma transformação revolucionária, que se operará tanto mais depressa quanto maior for a oposição de grupos de interesses contra as tendências evolutivas. Ao meu ver, deve-se estender esta suposição de com respeitos ao uso da propriedade do solo ao abuso de qualquer e espécie de propriedade. O seguinte princípio de nossa Constituição. A propriedade implica a responsabilidade de que seu uso sirva, ao mesmo tempo, ao bem-estar comum vincula qualquer propriedade, não só a propriedade do solo, como também a propriedade de imóveis, do capital e dos meios de produção, aos interesses da comunidade. Se este princípio da vinculação social da propriedade não só servisse ao ensino de problemas político-sociais e á edificação solene, mas também definisse a realidade, nossas cidades teriam uma aparência bem diferente e não nos precisaríamos preocupar tanto som a preservação de uma democracia em condições de funcionamento."
"Nossas cidades com suas misérias não são catástrofes da natureza, mas, sim, catástrofes da incapacidade do organismo social," constata o prof. Alexander Mitscherlich no seu livro recentemente publicado Teses para a cidade do futuro.
Nenhum prefeito ou vereador, arquiteto ou funcionário de Obras Públicas, nenhum projetista ou técnico está em condições, por maior que seja sua capacidade e boa vontade, de  construir cidades adequadas ao homem e a comunidade, sobre a areia movediça dessa indolência do organismo social. Só a própria sociedade, só os cidadãos podem superar esse estado de indolência, tomando a resolução de determinar, como verdadeiros senhores de suas cidades, as propriedades humanas e sociais, segundo as quais essas cidades devem desenvolver-se a ser construídas. A determinação das prioridades é o passo decisivo para a configuração de uma Cidade. Para dar esse passo, necessitamos de cidadãos como aqueles a respeito dos quais Péricles disse: "Embora estejamos voltados para ocupações diferentes, ninguém deixa de  manifestar uma opinião acerca dos problemas da Cidade."



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