JORNAL A TARDE, SALVADOR, SÁBADO 24
DE ABRIL DE 1976
"Sentimos dentro de nós uma
preocupação constante não só pela nossa casa, como também pela nossa Cidade.
Embora estejamos voltados para ocupações diferentes, todos nós temos uma
opinião própria acerca dos problemas da Cidade. Todo aquele que não participa
dos problemas da Cidade é considerado, entre nós, um mau cidadão, não um
cidadão silencioso."
"Somos nós que decidimos os
assuntos a Cidade ou, pelo menos refletimos sobre eles profundamente. Pois não
vemos na opinião expressa publicamente um perigo para a ação, mas, sim, na
ausência de discussões anteriores a execução das obras necessárias." Péricles, no ano 430 a .C.
Conservei esta citação original
do catálogo da exposição Profitopolis, não porque ela impunha uma pretensa
seriedade do que vou dizer aqui nesta coluna, mas acima de tudo pela seriedade
e pelo que me levou a pensar. Somos todos responsáveis pelo que acontece em
nossa Cidade ou pelo menos conversamos, discutimos sobre ela ou assuntos que
lhe dizem respeito. Condenamos hoje a Cidade como um réu, um ser que cresceu,
inchou e agora começa a se deteriorar.
Exato. Correto. No entanto, antes
de condenarmos a Cidade é preciso que tenhamos coragem de condenar os homens,
que a deixaram crescer, inchar e se deteriorar. A Cidade só existe, se existe um homem para criá-la e habitá-la. Do contrário seria fantasma. É
preciso que reflitamos é sobre a qualidade de vida desses monstros de concreto
armado. O homem vai criando, acrescentando sem a preocupação com o futuro. Anos
depois, torna-se quase impossível consertar o que está errado. Seria melhor que
destruíssemos New York e outras cidades chamadas de falidas. Mas é preciso
também ter coragem de enxergar beleza em New York. É preciso também saber que mesmo em
Salvador onde existe a maior favela da América do Sul, os Alagados com 95 mil
pessoas vivendo na lama, existe seu lado positivo. Os problemas existem e as soluções devem ser buscadas em conjunto.
O EXEMPLO
Quando vinha para a redação do
jornal escrever esta coluna, quase que não chegava ao meu destino.Um motorista de um táxi deu uma
cortada pela contra mão e quase que capoto o meu carro. Acontece que o
neurótico daquele motorista de táxi, do qual não sei o nome, onde mora, com
quem vive, é considerado no seu meio
familiar um indivíduo normal e atencioso e às vezes até bondoso.
No entanto, quando sai às ruas da Cidade começa a externar o animal que tem dentro de si. Este simples exemplo é
para mostrar que estamos vivendo um status em cada lugar onde estamos dentro da Cidade. A falsidade humana é tamanha que chega a assustar e é responsável por
muita miséria que acontece por aí.
A exposição Profitopolis trata
exatamente do estado das nossas cidades e da modificação necessária de tal
estado. É uma exposição política, como política é qualquer atitude que venha a
denunciar o que existe de errado em nosso redor, como o capim que está
crescendo em frente ao Palácio Rio Branco, na Praça Municipal.
As indagações devem ser feitas
sobre as coisas que nos tocam de perto como os problemas da Cidade. Vemos que a
razão política ainda não conseguiu dar forma á realidade de nossas cidades, e
principalmente aos homens que a habitam. A dignidade humana deve ser
inviolável, e isto não vem sendo obedecido, o que tem gerado uma série de
atritos e convulsões sociais, algumas das quais de grandes efeitos negativos.
O Presidente da República Federal
Alemã pergunta se nossas condições de vida urbana ainda são dignas. E, o
Prefeito de Munique faz a seguinte constatação: "Não existem também somente
leis, sentenças e atos administrativos anticonstitucionais. Existem também,
situações e até cidades anti-constitucionais."
PODEROSOS
Em Salvador cresce assustadoramente o número de favelas |
O bem estar comum deve estar
acima de tudo. Agora mesmo, notamos a preocupação do Governo em dotar as
cidades do interior de um plano diretor racional para que não cresçam e inchem
de qualquer forma. É preciso uma racionalização deste crescimento para evitar
os gritantes desequilíbrios que saltam aos nossos olhos. Outras, com mais de
200 mil habitantes serão alvo de outro programa do Governo.
Os serviços de infra-estrutura
passam a preocupar não somente aos governantes como também a seus moradores,
Diz o alemão Wend Fischer que " os representantes da coletividade, incumbidos de
agir em nome dela, são tão fortes ou tão fracos quanto a própria coletividade.
A construção de cidades é uma missão política que não se pode cumprir sem a participação
ativa do cidadão. Este deveria decidir-se a tornar-se auto responsável e a
colaborar com iniciativa própria na configuração de sua Cidade, a fim de que
esta se torne de novo digna do homem e para que a razão política adquira a
força necessária sem a qual ela não pode nem afirmar-se, nem impor-se. Para tal
decisão, torna-se condição sinequa non uma compreensão crítica da situação
miserável em que se encontram nossas necessidades de transformá-las. Incentivar
e ativar uma tal compreensão crítica é tarefa
de um processo de conscientização. Segundo se diz a época do iluminismo já
passou há muito; na realidade, porém, continuamos vivendo integrados nela.
Algumas frases de Kant, redigidas em 1784, vem, neste contexto, bem a
propósito; confrontadas com o ritmo e a duração deste quase interminável
processo de tomada de consciência do homem, parecem elas tão atuais e novas que
se pode, sem hesitação, considerar seu autor um homem de modernidade."
A exposição pretende incitar o
cidadão de nossas cidades a fazer uso, onde quer que se encontre, da própria
racionalidade, em todos os sentidos. É um apelo para se avaliar o verdadeiro
estado de nossas cidades, segundo as ideias de valores e os princípios
fundamentais que reconhecemos e continuamos a reconhecer em nossa Constituição.
A compreensão crítica da discrepância existente entre o que
determina a Constituição e a realidade que nos cerca deve levar a uma tomada de
consciência com respeito ao bem comum e aos valores humanos. Tal reflexão leva
conseqüentemente à exigência de dar absoluta prioridade a esses valores no
desenvolvimento e configuração de nossas cidades. Uma sociedade que não faça
tal exigência e não a imponha, não só renuncia às suas cidades, como também põe
em perigo sua existência democrática.
A mobilidade urbana é hoje um dos grandes problemas nas metrópolis |
Já em 1964, num artigo Notas
sobre a situação atual do urbanismo entre artigos de outros autores na
Homenagem a Werene Hebebrand, o Prof Gerd Albers assinalou " a preocupação pela
preservação da democracia em condições de funcionamento como um dos motivos
fundamentais para interessar cada cidadão pelas tarefas comuns e pela vida
comunitária. Ele se referiu ao homem responsável e ao perigo de que o
meio-ambiente constituído não incite o indivíduo suficientemente à participação
e à responsabilidade cívica e o relegue a uma composição de mero consumidor."
"Uma democracia em condições de
funcionamento e o interesse pelos problemas vitais da Cidade, afirmou ele,
podem basear-se unicamente em ideias de valores acerca da vida adequada à
condição humana."
Na hipótese de um fracasso, pode
acontecer o que o Prof. Albers previu, visando, em particular, o problema da
alienação do solo, em sua
Comunicação Urbanismo do Futuro, por
ocasião do Simpósio Internacional Problemas do Futuro, que se realizou em
Munique em 1969: Quanto ao problema do direito sobre o solo e da sua
alienabilidade, não levando em consideração sua vinculação aos interesses da
comunidade torna-se evidente, de maneira constrangedora, a falta de capacidade
e de disposição da sociedade de adaptar-se às exigências do momento. Se esta
situação perdurar por mais alguns anos, sou levado a supor que presenciaremos,
numa época não muito distante, uma revisão total de nossas condições de
exploração do solo e da propriedade privada, uma transformação revolucionária,
que se operará tanto mais depressa quanto maior for a oposição de grupos de
interesses contra as tendências evolutivas. Ao meu ver, deve-se estender esta
suposição de com respeitos ao uso da propriedade do solo ao abuso de qualquer e
espécie de propriedade. O seguinte princípio de nossa Constituição. A
propriedade implica a responsabilidade de que seu uso sirva, ao mesmo tempo, ao
bem-estar comum vincula qualquer propriedade, não só a propriedade do solo,
como também a propriedade de imóveis, do capital e dos meios de produção, aos
interesses da comunidade. Se este princípio da vinculação social da propriedade
não só servisse ao ensino de problemas político-sociais e á edificação solene,
mas também definisse a realidade, nossas cidades teriam uma aparência bem diferente
e não nos precisaríamos preocupar tanto som a preservação de uma democracia em
condições de funcionamento."
"Nossas cidades com suas misérias
não são catástrofes da natureza, mas, sim, catástrofes da incapacidade do
organismo social," constata o prof. Alexander Mitscherlich no seu livro
recentemente publicado Teses para a cidade do futuro.
Nenhum prefeito ou vereador,
arquiteto ou funcionário de Obras Públicas, nenhum projetista ou técnico está
em condições, por maior que seja sua capacidade e boa vontade, de construir cidades adequadas ao homem e a
comunidade, sobre a areia movediça dessa indolência do organismo social. Só a
própria sociedade, só os cidadãos podem superar esse estado de indolência,
tomando a resolução de determinar, como verdadeiros senhores de suas cidades,
as propriedades humanas e sociais, segundo as quais essas cidades devem
desenvolver-se a ser construídas. A determinação das prioridades é o passo
decisivo para a configuração de uma Cidade. Para dar esse passo, necessitamos
de cidadãos como aqueles a respeito dos quais Péricles disse: "Embora estejamos
voltados para ocupações diferentes, ninguém deixa de manifestar uma opinião acerca dos problemas
da Cidade."
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