JORNAL A TARDE, SALVADOR ,SÁBADO,
09 DE OUTUBRO DE 1976
Tipos populares no pincel do mestre |
Réscala
nasceu em 8 de janeiro de 1910 no Rio de Janeiro e
está em Salvador há vinte e cinco anos, de onde não mais pretende sair.
Ele
declara que desde moço nunca pensou em ser professor. "Sou professor por acaso.
Embora em alguns momentos de minha vida tenha recebido em minha casa ou mesmo
no porão da Escola de Belas Artes algumas pessoas que desejavam aprender a
pintar. No Núcleo Barnadelli, onde conheci Pancetti, que era então sargento da
Marinha, nós exercitávamos pintar com modelos ao vivo e fazíamos muitos croquis
para assim podermos dominar o desenho.Não
acredito que alguém seja um grande pintor se não sabe desenhar. O desenho é a
base necessária para a pessoa seguir um caminho pictórico."
Ele
gosta de relembrar os momentos históricos do Núcleo Bernadelli onde participavam,
desde o operário até o diplomata. "Ali tínhamos realmente liberdade de criar e
não havia qualquer discriminação. Éramos unidos só pensávamos em criar. A toda hora
apareciam novos sócios e o calouro escolhia um antigo para lhe orientar.Foi
assim que Pancetti me escolheu. Fomos grandes amigos. Isto aconteceu por volta
de 1933, se não me falha a memória."
Réscala
aconselha os jovens afirmando que não devem limitar-se aos trabalhos de
escola. É preciso treinar, pintar e desenhar sem parar para dominar as formas e
cores.Quanto
ao prestígio de Portinari como artista expoente do Modernismo, Réscala tem uma
explicação que me pareceu lógica."Quando
iniciávamos o nosso Núcleo recebemos muito apoio de vários setores renovadores
no Rio de Janeiro. O Movimento Modernista ganhava corpo também em São Paulo. Nesta
época Portinari estava na Europa e quando voltou já havia acontecido a
Revolução de 30 e os vitoriosos deram-lhe todo apoio. Com isto não estou
negando o talento de Portinari, pelo contrário, ele tinha um grande talento e
uma prova disto é a sua obra monumental. Porém, acredito que outros artistas
também talentosos da época mereciam uma maior atenção dos governantes de 30."
Continua Réscla " Assim
o país teria lucrado ainda mais. Cito apenas dois nomes como Henrique Cavaleiro
e Eugênio Sigauld.
Quando
perguntamos ao mestre Réscala se ele considerava sua pintura acadêmica a
resposta foi negativa e argumentou: "Eu não sou acadêmico. Esta estória de
acadêmico é maldade que fazem comigo. Eu já passei por várias fases e hoje faço
uma arte que tem uma personalidade própria. Uma pessoa que entende de arte é
capaz de identificar um quadro de minha autoria.Isto
é importante para o artista. A personalidade de sua obra. Eu nunca poderia ser
um acadêmico. Fui fundador de um grupo modernista, Núcleo Bernadelli e também
um dos fundadores do Salão de Arte Moderna, que funcionava junto com o Salão
Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Ganhei vários prêmios nestes salões
e deixei de participar porque estava pornográfico."
Disse o mestre que " estão
confundindo arte moderna com pornografia, Esta tal de arte erótica eu considero
algo sem sentido. Uma fotografia de uma revistinha dinamarquesa funciona muito
melhor se o problema é o erotismo. Acho esta tal de arte erótica uma
imoralidade e muitos talentos estão sendo desviados. Aqui na Bahia temos
exemplo que são de conhecimento de todos.Mesmo
assim, ainda participei do Salão Geral de Belas Artes, que não é acadêmico,
pois os modernos têm livre trânsito". Foi aí onde o mestre foi contemplado com
vários prêmios.
Réscala gosta de pintar os costumes do povo |
O
grande ideal de Réscala não é o magistério ou a restauração e sim a sua
pintura. "Jamais deixei e não deixarei de
pintar", sentencia o mestre. Sou professor da Escola de Belas Artes da UFBa, e
restaurador do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas a pintura para
mim está em primeiro lugar. Volto a dizer que sou professor por acaso." E começa
a contar: Certa vez quando ganhei o prêmio de viagem pelo Brasil tive a
felicidade de conhecer o professor Mendonça Filho. Um contato de uns 15
minutos.Foi
em 1938. estava impressionado pela Bahia, porque eu sempre fui um pintor de
costumes e aqui havia material demais, além do casario e a integração do povo
baiano com o ambiente. Depois passei a namorar a Bahia e vim aqui várias vezes
para pintar. Em 1952 a
Congregação da Escola de Belas Artes criou a cadeira de Teoria, Conservação e
Restauração da Pintura e não sei por que razão Mendonça Filho foi me buscar no
Rio de Janeiro. Mas hesitei um pouco porque ali estava bem de vida, com casa
própria e era restaurador do Patrimônio e desenhista do Museu de História
Natural, além do meu público de pintura. Faço questão de afirmar isto porque
muita gente pensa que vim aqui como aventureiro."
Diz Réscala que "sou
um artista disciplinado e minha carreira profissional sempre me proporcionou
uma disciplina de trabalho e técnica. Basta dizer que no Museu de História
Natural eu tinha que desenhar os insetos e animais maiores com toda a perfeição
para serem examinados por naturalistas.
É por esta razão que dou muita importância ao desenho."
Mas
Rescala tenta explicar a sua arte: "Aqui confundem arte mais objetiva com o
academicismo. O que sou na realidade é um pintor de costumes, um realista
lírico. O realismo se faz de várias formas,isto não desmerece ninguém. Agora,
quando faço retrato quero ser acadêmico porque o retrato é uma documentação que
faço e tem que ser parecido com as pessoas."
"Quanto
ao meu conceito de liberdade de expressão é abrangente. O artista pode ser
moderno ou acadêmico ou clássico porque ele escolheu esta opção. É um problema
individual, de sentimento. Se não faz o que gosta é um falso. É dentro deste
pensamento que realizo o meu trabalho. Meus quadros são concebidos nesta linha
de pensamento e ação."
UMA
PINTORA PREOCUPADA COM A ECOLOGIA MUNDIAL
A
pintora Kriemhild Flake natural de Hamburgo, está expondo alguns trabalhos na Galeria do Icba, na Vitória. Ela já expôs em vário países entre os quais a
Itália, França, Grécia, Estados Unidos e Argentina e agora chega ao Brasil com
esta mostra. Veio de Hamburgo especialmente para a sua vernissage, trazendo a preocupação com a ecologia. Ela era conhecida, por ser um artista ligada às
criações estéticas, onde dominava a delicadeza dos traços, colorido dourado e o
ambiente dos contos de fadas. Hoje Kriemhild está preocupada com a figura humana
que está destruindo a natureza. Uma pintura agressiva e de denúncia onde as
figuras que inicialmente parecem grosseiras, tem razão de ser.
Ela
quer jogar todo o relacionamento e envolvimento do homem versus natureza. Mas
sua pintura é perfeita e consciente. Os problemas das metrópoles abarrotadas de
cimento armado, descargas de automóveis e chaminés de fábricas, a agressão e
derrubada indiscriminada das matas e a atual busca ás origens à volta ao campo,
estão presentes em seus trabalhos. A sua linguagem é universal e as mensagens
inseridas em suas telas são perfeitamente entendidas e consumidas por todos
aqueles que tiveram oportunidade de visitar a exposição.
A
criação porte do nível interior para o exterior. Um pensamento, uma ideia nua
se forma e ganha corpo, através do pincel e daí passa ao nível dos símbolos que
necessitam ser descodificados. E isto acontece no trabalho pictórico de
Kriemhild, que fala uma linguagem universal e que também está preocupando
intelectuais e pessoas mais esclarecidas de todas as comunidades.
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