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sábado, 29 de abril de 2023

HILDA DE OLIVEIRA É REFERÊNCIA NA GRAVURA BAIANA

Foto 1. Imprimindo na prensa da Galeria da
Arte da Bahia, no Rio Vermelho, em 1973 .
Foto 2. Hilda de Oliveira em foto recente.
A artista Hilda de Oliveira é uma referência entre os artistas que escolheram a xilogravura para se expressar. Além de ser uma artista que tem sua trajetória das mais expressivas neste segmento da arte ela também é ativista há algumas décadas em defesa de suas convicções políticas e de valores que considera essenciais. Mas, aqui vamos tentar traçar um retrato de sua trajetória falando desde a infância até os dias atuais e de suas andanças pela Barra do São Francisco e Salvador, onde também tem moradia num apartamento no bairro do Rio Vermelho.  Um detalhe curioso é que embora divida hoje o seu tempo entre as cidades de Barra e Salvador Hilda de Oliveira nunca teve um ateliê para chamar de seu, como se diz no popular. Sempre transitou entre alguns ateliês como de Edison da Luz, Leonardo Alencar e outros. Nasceu em 4 de novembro de 1940, filha de Deoclides Cardoso de Oliveira e Hilda de Oliveira, na vila  de Caldeirão do Ouro, hoje rebatizada de vila Itajubaquara, município de Gentio do Ouro, na Chapada Diamantina. Vem de uma família de doze filhos e seu pai tinha a única loja do local e vendia de tudo, como acontecia com a maioria dos armazéns localizados em vilas e pequenas cidades nas décadas de 40 a 70. Também o seo Deoclides negociava com diamantes, ouro e carbonatos. Lembra Hilda de Oliveira que no "armazém de meu pai vendia de tudo. Era como se fosse um mercado, só que em menor dimensão.'
 Foto 1. Logotipo da Galeria de Arte da Bahia.
Foto 2. Convite da Expo de 70 anos da EBA,
no ICBA, em 1999. Foto 3.Xilo Mulheres
 Rendadas de sua autoria.
Desta época ela tem uma lembrança de que durante as trovoadas ou de chuvas fortes as
águas desciam dos morros ao redor da vila e formavam grandes enxurradas e a garotada saía das casas para pegar pequenas pepitas de ouro que desciam trazidas pelas águas da chuva. “Era uma alegria quando a gente encontrava uma pepita e corríamos logo para casa para mostrar. Nesta época tinha muito ouro e diamantes nas redondezas da vila." Quando completou de 7 a 8 anos a família mudou para Barra do São Francisco e ela foi matriculada na primeira série, já que não sabia nada de Geografia e História. Apenas  aprendera a ler e escrever. Foi matriculada na Escola Luiz Vianna Filho, onde permaneceu três anos. Depois seus pais resolveram matricular no Educandário Santa Eufrásia, da Congregação da Imaculada Conceição, a mesma a que pertenceu a irmã Dulce. Ficou lá até se formar em professora primária. Este educandário ainda funciona, e é considerado o melhor colégio da Cidade.

                                                           A PROFESSORA 

Foto 1. Exposição Mulheres em Movimento.
Foto 2. Trabalhando em papel maché. Foto 3.
segurando escultura em papel maché, 2023.
Foto 4. Pintando no mural de Juarez Paraíso
na Secretari de Agricultura,no CAB.
Terminada a sua formação em professora primária foi lecionar na Escola da Maçonaria, permanecendo lá por cinco anos. Seu pai Deoclides Cardoso era maçom e isto facilitou sua entrada para o corpo de magistério da escola. Mesmo ensinando Hilda de Oliveira não abandonou sua mania de desenhar e pintar e até inspirou seu pai, que era bem-humorado a fazer uns versinhos sobre seu gosto pela arte: Pinta Bidu / Bidu pinta / Pinta com muito cuidado / Ainda que use todas as tintas / A metade tu não pintas / Do que o velho tenha pintado.
Ela fez questão de lembrar a razão do apelido de Bidu que recebeu quando tinha de quatro para cinco anos. Seu pai Deoclides comerciante de pedras preciosas  comprava no interior da Bahia e do Piaui ia revender no Rio de Janeiro , Gostava de aproveitar para ir aos teatros e recitais. Foi aí que encantou-se pela cantora lírica Maria Balduina Sayão de Oliveira, conhecida por Bidu Sayão ,nasceu em Itaguai, no Rio de Janeiro,  em 11 de maio de 1902 e morreu em Rockport, Maine, nos Estados Unidos, em 12 de março de 1999. Considerada uma das maiores cantoras líricas de todos os tempos. De volta das viagens sempre trazia discos em 70 rotações que colocava na vitrola. O som - lembra Hilda - não era muito agradável devido às gravações e mesmo a reprodução pela vitrola. Mas, ela ficava rodopiando na sala enquanto a música era tocada, e aí o apelido pegou de vez. Todos passaram a chamá-la de Bidu.

 Também ensinou no Ginásio Elísio Mourão e foi mandada para Salvador para fazer um curso de especialização. Como o curso demorou muito a ser iniciado ela começou a se interessar em fazer o vestibular para a Escola de Belas Artes. Foi aí que passou a frequentar exposições e conheceu o artista Edison da Luz que na ocasião estava dando um curso de Modelagem para os candidatos a vestibular da Escola de Belas Artes-EBA. Mas, Hilda de Oliveira não tinha dinheiro suficiente para pagar o curso e ficou de fora. Aí ela lembra que o Edison da Luz, por quem tem uma gratidão eterna, com seu jeito debochado disse mais ou menos assim: "Você não vai fazer o curso? Então vai quebrar a cara! Vem lá do brococó do Judas e quer passar assim sem saber de nada?” Foi aí que Hilda de Oliveira, sempre disposta respondeu: “Pois vou lhe provar que vou passar”. Fez o vestibular e foi aprovada passando a estudar na EBA que funcionava na Rua 28 de Setembro.

Quatro ilustrações de Hilda de Oliveira no
 livro Dupla Face, do poeta Carlos Freire.

A amizade com Edison da Luz continuou, inclusive chegaram a ter um relacionamento   amoroso e foram trabalhar no ateliê dele que  ficava num casarão nos fundos do Gabinete Português de Leitura, na Piedade. Lembra que o ateliê funcionava  no terceiro piso e tinham que subir muitas escadas. A dona do casarão, que depois foi demolido pela Prefeitura, pertencia a d. Graziela Santos a qual estava sempre preocupada com o quê aqueles jovens estariam fazendo. Brincando Hilda de Oliveira lembrou que um dia disse para d. Graziela “a gente fica aqui ocupada não tem tempo para estas coisas d. Graziela. Ela era boa gente e sempre vinha com um pedaço de bolo ou um docinho para nos presentear”. Neste ateliê trabalhavam Edison da Luz, Vera Lima (já falecida) ,Terezinha Dumet, e Junior, que era de Vitória da Conquista, que deixou a arte, não recorda o nome completo, e uma garota conhecida por Nini, que era vizinha de Edison da Luz, no Tororó. Mas, apenas Edison. Vera ,Hilda e Terezinha seguiram a carreira artística.
Foto 1. - exposição em Berna, Suiça.
Foto 2- Cerâmica feita no atelier de Hilda
Salomão. 
Foto 3. Obra no Painel dos 
Artistas Contemporâneos , na UFBA.

Nesta época que Edison da Luz me levou para conhecer o poeta Carlos Freire Lopes, que acabara de escrever o seu livro de poemas chamado de Dupla Face e pediu a ele que ilustrasse. Foi então que Edison falou a Hilda de Oliveira que ia lhe apresentar ao poeta para que ela ilustrasse o livro. Disse Hilda que ficou preocupada com a incumbência, mas como o poeta disse que confiava na escolha de Edison da Luz, ela fez quatro xilogravuras sobre o jogo de bola de gude, pau de sebo, malhação do judas e o quebra-pote.
 Frequentou vários cursos e fez questão de destacar um que diz ter aprendido muito com o entalhador Zu Campos, ainda em atividade, e nesta ocasião entalhou duas portas para o acervo particular o casal João Almeida e Marina Lopes. 

Hilda posando para os colegas.
Relembrou ainda de outro episódio quando estudava na Escola de Belas Artes foi realizada a Segunda Bienal de Artes Plásticas da Bahia e que o Edison da Luz, também a incentivou a participar. “Ele exigia que eu desenhasse muito e depois fiz uma xilogravura que foi aceita pelos organizadores da Bienal. Para mim foi uma alegria imensa participar da Bienal. Na primeira Bienal apenas visitei e fiquei muito impressionada com as obras expostas, e agora na segunda Bienal já estava participando.

Um fato interessante que merece registro que mostra a personalidade de Hilda de Oliveira é quando a Escola de Belas Artes mudou provisoriamente para o Museu de Arte Sacra , em 1969, o frei beneditino Dom Clemente Nigra, diretor do museu, proibiu modelo vivo e os alunos não gostaram da proibição. Em protesto Hilda de Oliveira se prontificou a posar para os colegas. Mas, não tirou a roupa,  como faziam os modelos vivos.

                                     GALERIA NO RIO VERMELHO

Gravura inédita impressa em cerâmica.
Já formada em Belas Artes foi convidada por José Contreiras, já falecido, que era envolvido com os movimentos artísticos e trabalhava na Assembleia Legislativa da Bahia, para gerenciar a galeria que resolveu abrir no Largo da Mariquita. A galeria funcionava num casarão que fica de esquina, e era vizinha de outro belo casarão que pertencia ao ex-ministro da Saúde, Mário Augusto de Castro Lima. A Galeria de Arte da Bahia – GAB ficava no térreo e no local funcionava também um ateliê com prensa para gravura , uma pousada e um bar. O bar era ponto de encontro de artistas, intelectuais e boêmios para bebericar e conversar sobre política, cultura e outros assuntos do momento. Era um ambiente muito bem frequentado e descontraído, lembra Hilda de Oliveira.

Nesta época Salvador tinha um florescente movimento de arte, com várias galerias funcionando, realizando exposições e lançando novos artistas no mercado. Hilda de Oliveira relembra que na galeria que gerenciava a GAB foi realizada uma bela exposição de obras a óleo sobre tela do artista José Maria, que morava no Rio de Janeiro. Ele veio para a exposição e ficou hospedado na pousada.

Foto 1. Hilda imprimindo sua primeira
gravura com Sônia Sacramento na EBA
Foto 2.Na Canizares, exposição com Ângelo
Roberto . Foto 3. Com sua turma da EBA.
 O José Contreiras que era muito bem relacionado arranjou para Hilda de Oliveira trabalhar como Programadora Visual na Assembleia Legislativa da Bahia, onde permaneceu vários anos até sua aposentadoria. Ela relembra que entre os vários trabalhos que realizava fazia a montagem de um periódico chamado O Jornal dos Jornais que foi criado pelo jornalista Heliton Rangel, então assessor de imprensa da Assembleia. Ele lia os principais jornais da Bahia e nacionais e separava as notícias que poderiam interessar aos deputados e repassava para Hilda Oliveira que ficava encarregada da montagem.

Também ela continuava frequentando os ateliês de outros artistas. Recorda que ganhou dinheiro fazendo a impressão de gravuras para vários colegas. Disse que era amiga do artista sergipano Leonardo Alencar, que morou muitos anos em Salvador, no Nordeste de Amaralina. “Ele tinha um ateliê todo equipado e espaçoso, inclusive uma bela prensa importada da Alemanha. Um alemão chamado Ernest Davis conheceu a obra de Leonardo e gostou muito da Bahia, e aí decidiu ajudá-lo. Comprou a prensa e outras ferramentas e equipou o ateliê. Leonardo também fez algumas exposições na Alemanha a convite de Ernest. Depois o Leonardo Alencar resolveu voltar para Aracaju e lá permaneceu até seu falecimento. Hilda não sabe se ele levou a prensa e demais equipamentos para Sergipe, certamente que sim.

                                                                 MAIS ATIVIDADES

Três belas xilogravuras de sua autoria.
Além de realizar impressões para seus colegas a Hilda de Oliveira continuava fazendo suas gravuras e participando de exposições aqui e lá fora. As mais significativas foram: 1º Salão de Arte Universitária em 1968, em Belo Horizonte, Minas Gerais; 2ª Bienal de Artes Plásticas em Salvador, Bahia, em 1968; Salão Retrospectivo dos 90 Anos da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, realizado no foyer do Teatro Castro Alves, em 1967, onde recebeu o Prêmio Menção Honrosa; Mostra Itinerante BAUSA , organizada pela UFBA, EBA- CEPAMBRA – Departament Of Art Center For The Visual Arts Illinois-State University; Exposição Coletiva em Berlim, na Alemanha, Gravadores Internacionais , em 1984; Exposição Cadastro no Museu de Arte Moderna da Bahia, em 1980; Exposição Gravura na Bahia, também no Museu de Arte Moderna da Bahia, em 1977; Exposição Gravadores Baianos, em 1973, na Galeria de Arte da Bahia – GAB; Exposição do Diretório Acadêmico da EBA, em 1969, onde recebeu o Prêmio Gravura.

Hilda pintando  Santo Antôniode Categeró
Fez vários cursos promovidos pelo Instituto Cultural Brasil Alemanha, ICBA e  da Associação Cultural Brasil Estados Unidos, ACBEU, que eram muito atuantes em Salvador nas décadas de 70 e 80. 
 Em 1997 registrei em minha coluna Artes Visuais, no jornal A Tarde, a informação que recebi do artista e professor Fernando Freitas Pinto sobre a ideia dos alunos e professores da EBA oferecerem à UFBA um painel a ser realizado pelos artistas contemporâneos. Já foram apresentadas obras de José Maria, Emidio Magalhães, Udo Knoff , Riolan Coutinho, Juarez Paraíso, Floriano Teixeira, Ligia Milton, Calasans Neto e Ailton Lima. “Agora, o destaque é a artista Hilda de Oliveira. Na ocasião ela tinha interrompido sua produção de gravuras para se dedicar a cursos de arte, atividades culturais e ajudar artistas e o povo cubano. Neste período, aguçou o seu conhecimento artístico e a consciência política, refletindo sobre a situação econômica e social do povo brasileiro, especialmente baiano”, afirmou Juarez Paraíso.  Ele destacou ainda “o corte vigoroso de suas gravuras, a serviço de efeitos rebuscados e de forte contraste... teve como suporte o compensado de cedro e, mais tarde o vulcapiso, enquanto a impressão foi realizada sobre o papel e sobre o pano”.Os temas prediletos de Hilda de Oliveira são extraídos de sua vivência interiorana, envolvendo os trabalhadores do campo, as casas de farinha, pescadores, as mulheres rendeiras. Suas gravuras contém um rebuscado traço de influência do barroco baiano, e com isto consegue belas e intrincadas composições.

                                                             VOLTA PARA BARRA

Foto 1. Banda da Marinha desfilando em Barra.
Fotos 2,3e 4 . Capas da Revista Magazine,com
imagens das batalhas entre  clubes da Cidade
.
Com a morte dos pais retorna para sua Cidade e juntamente com os irmãos vai cuidar de uma propriedade rural da família e passou a se envolver mais com as atividades culturais da Cidade. Conseguiu junto ao prefeito local a compra de um casarão centenário para instalar a Casa da Cultura, que atualamente  funciona como local para a administração de cursos e concentra as demais atividades culturais do município.

Os que gostam de festejos juninos sabem que a Cidade de Barra, no Médio São Francisco, tem um São João muito animado e a exemplo de Cruz da Almas lá se realiza as famosas batalhas de busca-pés. Um detalhe curioso é que após a Guerra do Paraguai, quando o Brasil, Argentina e Uruguai formaram a Tríplice Aliança para guerrear com o Paraguai que queria tomar territórios do Brasil e da Argentina, que durou de 1864 a 1870, os barrenses remanescentes da guerra  ao retornarem criaram "os fortes". Eram uns grupos inspirados nas fortalezas que os paraguaios construiram  chamadas de Curuzú e Humaitá. Posteriormente, os barrenses fundaram a  Riachuelo, que teria sido uma reação dos moradores mais abastados que festejaram o São João com um
Hilda  de Oliveira e Reynivaldo Brito.
 grande mastro todo enfeitado. 
Os tempos foram passando e a rivalidade entre os fortes, que representavam as fortalezas, aumentava e as batalhas ficaram cada vez mais animadas. Os dois fortes que depois viraram clubes foram fundados em 1897. Contam os mais antigos que eles passaram a disputar quem era o melhor e através de batalhas memoráveis de busca-pés ficam tentando conquistar a fortaleza do inimigo com busca-pés, canhões e artilharia pesada.  Nos versos da Curuzú; Sempre firmes em nossas fileiras / Não tememos de estranhos a guerra / E é justo que suas bandeiras / Não tremulem jamais nesta terra.

Já os integrantes da Humaitá respondiam: Humaitá, Humaitá / Quem duvida do seu grande valor / Ainda ouvimos o fragor da metralha / Que no peito do inimigo estraçalha. Finalmente, os membros da Riachuelo respondiam: Riachuelo, o teu passado glorioso / Nobre missão que anima os nossos ideais / Antes a bravura inconfundível de Barroso / Confirmaremos teus grandes feitos imortais. 

Alunas do curso de papel maché com máscaras.

A Hilda de Oliveira terminou sendo presidente da Clube Cultural União Riachuelo e chegou a levar a Banda da Marinha para desfilar em Barra, quando foi inaugurado um busto do Almirante Barroso, esculpido pela artista Nancy Novaes. Lá também realizou vários cursos de arte inclusive de papel maché , que é uma técnica que usa papel picado de jornal velho , cola branca tipo Cascolar, além de papéis pardo e branco para fixar as tintas. A massa de papel jornal permite moldar todo tipo de objeto, inclusive esculturas do tamanho de uma pessoa normal. Esta técnica surgiu em Veneza, no século XVII e hoje durante o carnaval os moradores de Veneza desfilam com máscaras, algumas feitas de papel maché. 

Participou a Associação de Mulheres da Barra onde realizou encontros com as mulheres bordadeiras , resgatando uma tradição importante que estava quase esquecida.
O Centro de Cultura da cidade de Barra.
Também sempre está disposta a ensinar, mesmo com as limitações físicas, porque recentemente colocou um marca passo. Falei com ela que a gravura não podia ser esquecida e inclusive ela poderia ensinar na Barra. Respondeu que lá não tem a prensa para imprimir as cópias. Portanto, a Prefeitura e os comerciantes e moradores locais poderiam se mobilizar para a compra de uma prensa para a Casa da Cultura. É importante ocupar os jovens e dar-lhes uma atividade cultural e educativa para livrar das drogas. Hilda de Oliveira disse que poderia dar um curso e fazer gravuras utilizando pequenas matrizes porque até com uma colher de pau é possível fazer a impressão em papel. 
Ela fez questão de incluir os nomes de Tânia e Aydano Roriz, casal que manteve durante dezessete anos a Casa da Cultura. O imóvel tinha sido residência dos  avós de Aydano, e que depois a Prefeitura de Barra adquiriu o imóvel. "São dois grandes benfeitores da cultura e da arte da nossa Cidade de Barra", finaliza Hilda de Oliveira.

 

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 22 de abril de 2023

A QUALIDADE ESTAMPADA NA OBRA DE LEONEL BRAYNER

Leonel Brayner em seu ateliê ao lado de sua última obra.
Já estive em ateliês de muitos artistas. Uns mais organizados, outros mais desprendidos e alguns que lembram locais onde residem esses acumuladores que aparecem em programas de televisão americana. Porém, esta semana visitei Leonel Brayner, artista que conheço há mais de quarenta anos, e sobre o qual já fiz alguns textos em momentos que expôs suas obras em Salvador. É um artista diferenciado, organizado, sua pintura é pensada, racional, limpa e bem resolvida. Você chega a imaginar como aquelas paisagens ou mesmo as naturezas-mortas que desenha e pinta saíram realmente através de simples pinceladas ou usou outra ferramenta mais sofisticada. Esta organização tem uma razão de ser. Ele é de uma família de militares. Seu avô paterno, seu pai e um tio eram militares e  terminou entrando para a carreira militar, dando baixa com a patente de capitão do Exército Brasileiro. A arte foi mais forte que abraçou desde a sua infância quando começou a fazer os primeiros desenhos e pinturas incentivado por
Vemos naturezas-mortas e paisagem do artista.
 sua avó materna Gilberta Brayner e pelo tio Hélio Brayner, que eram pintores amadores. Daí passou a frequentar exposições, e ateliês de alguns artistas principalmente do pintor e cenógrafo italiano Inos Corradin, que fixou residência de Jundiaí onde Leonel Brayner morava com sua avó materna.

Com sua pintura realista ele vai registrando em suas telas paisagens de cidades como aconteceu no Rio de Janeiro, em Goiás Velho, e na Bahia. Suas pinturas lembram de longe aqueles momentos mágicos onde você consegue captar a atmosfera e a beleza de uma bela paisagem através de uma máquina fotográfica e hoje por meio de uma camêra do celular. Parece ficar ali fixado aquele instante que não volta mais. Como as águas do rio que descem lentamente e tomam destino ignorado. Ninguém sabe onde elas vão desaguar. Quem viu, viu. Daí em diante são outras imagens que passaram porque o tempo não para. Quanto às naturezas-mortas são também de uma perfeição ímpar parece que as frutas, objetos em geral estão ali reproduzidos com àquele toque cheio de criatividade na composição, na escolha das cores adequadas repousando esperando por um olhar sensível. Tudo feito dentro de uma delicadeza que só vemos nas obras dos grandes pintores

                                                                                            QUEM É 

Leonel e Inos Carradim por 
quem devota forte gratidão
.
 Embora seus avós e pai sejam do sul do país por uma imposição profissional eles foram transferidos para a cidade de Maceió, capital de Alagoas, durante a Segunda Guerra Mundial para integrar a força que guarnecia a costa alagoana. Seu pai já namorava a Newta Brayner que seria sua futura mãe. Casaram e tiveram alguns filhos e infelizmente ela veio a falecer do parto de seu filho Leonel Brayner. Viúvo o pai, que se chamava Leonel resolveu levar o filho para viver com sua avó materna Gilberta Brayner na cidade de Jundiaí, interior de São Paulo. Foi aí onde começou a se interessar pela arte porque sua avó e um tio Hélio gostavam de pintar. Com este incentivo a arte passou a ser uma atividade predileta do jovem nordestino, nascido em 25 de abril de 1944, portanto Leonel vai completar este mês 79 anos de idade. Tem dois filhos, um morando no Havaí e outro no Rio de Janeiro. Mora em Salvador juntamente com sua esposa Ana Brayner no bairro do Itaigara, há quase cinquenta anos. 

Após a guerra seu pai foi estudar Engenharia Química, no Instituto Militar de Engenharia - IME, na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Formou-se e logo depois foi trabalhar na iniciativa privada. O filho Leonel passou a dividir seu tempo entre o Rio de Janeiro e Jundiaí. Prestou exame foi aprovado quando estava com 15 anos para a Escola Preparatória de Cadetes, onde ficou internado até concluir o curso e seguir sua carreira militar para a prestigiada Academia Militar de Agulhas Negras, que fica em Resende, estado do Rio de Janeiro, onde saiu como tenente do Exército Brasileiro. Ao mesmo tempo continuou desenhando e pintando. Transferiu-se para Curitiba e lá participou de grupos de artistas. A arte estava muito presente na Cidade com o incentivo do governador Jayme Lerner. Passou três anos por lá e fez duas exposições em galerias curitibanas. Transferido para Salvador passou a trabalhar no Colégio Militar, mas aos 26 anos decidiu pedir baixa do Exército e saiu com a patente de capitão. Foi trabalhar na década de 90 no Polo Petroquímico, em Camaçari, no setor de planejamento, e por lá ficou uma década e meia e paralelamente tocava sua carreira artística.

                                                                O MERCADO DE ARTE

Foto 1.Dorival Caymi e Inos Carradin, na Galeria Época,
anos 80. Foto 2. Com Calasans Neto. Foto 3. Leonel e
Luiz Jasmim. Foto 4.Carl Brussell, Kátia,Leonel e Jenner
Augusto, na Katia Galeria de Arte,1984. Foto5.Leonel, Tati
Moreno e Mário Cravo, Galeria O Cavalete,1977. Foto 6.
Sua primeira mostra em Curitiba, na Galeria Arcaica,1978
.



Não perdeu o contato com seu grande incentivador Inos Corradin, hoje com 93 anos de idade, e ainda trabalhando em Jundiaí, SP. Foi ele  que lhe apresentou ao mercado e sempre o orientou, por isto tem uma gratidão muito presente ao pintor ítalo-brasileiro quando fala de sua carreira. Por falar em mercado para Leonel Brayner "o mercado de arte se modificou muito com as novas tecnologias e vem influenciando em todas as artes. Facilitou por um lado e por outro restringiu o pensamento crítico e criativo e a própria criatividade. Com as facilidades oferecidas o artista corre o risco de ficar meio preguiçoso. Antes o artista tinha que buscar soluções com colegas, com estudos, hoje com um clique ele consegue o que quer ou quase tudo. Por exemplo antes tinha que pegar seu cavalete e ficar diante de uma paisagem para pintar tendo aquele contato direto com a natureza, escolhendo a melhor hora de pintar, a luz e assombra . Hoje num clique você tem paisagens de onde quiser. Viaja para a China num simples clique. Também o manejo das tintas, as misturas que os artistas faziam era únicas, individuais e com o tempo conseguiam algumas habilidades que lhes permitiam efeitos diferenciados no que pintavam. Hoje está tudo pronto industrializado. "E citou um caso interessante contado por seu amigo Sérgio Ferro, pintor paranaense que mora em Paris que lhe disse que as tintas acrílicas e outras dominaram de tal forma o mercado que você não encontra com a facilidade de antes  todas as cores que deseja de  tintas a óleo. Ele mesmo ainda trabalha com tintas a óleo e faz misturas com standard oil, terebentina que é tirada do pinheiro e evapora rápido. É um solvente e tem também de origem do petróleo. Verniz para proteger. Também trabalha com técnica mista a óleo e acrílica sobre tela. Material que os clássicos utilizavam para pintar. 

                                                                      O MODELO

Foto 1. Paisagem Panorâmica de Goiás Velho. Foto 2.
 Floresta da Tijuca e igreja.Foto 3. Lagoa do Abaeté.
Foto 4. Praia de Guarajuba.
A paisagem para mim é o modelo pronto. Não precisa da presença da figura humana, ela está ali para ser apreciada, para ser pintada. Já os frutos que pinto é uma pintura contemplativa. São naturezas-mortas que vou construindo com paciência e determinação. De uns vinte anos para cá decidi mergulhar no meu gosto pessoal sem me preocupar com o mercado ou mesmo com o gosto de terceiros. Isto é resultado de um amadurecimento pessoal e também porque atualmente não tenho necessidades prementes financeiras ou mesmo de algo que precise . A vida está mais estável, meus dois filhos estão adultos, formados, um é arquiteto e mora no Havaí , o outro é engenheiro e está no Rio de Janeiro. Eles têm suas vidas próprias e estão levando bem, e então eu fico aqui no meu atelier pintando o que gosto. ", disse Leonel Brayner

Ele ainda tem uma disciplina necessária a todo artista profissional. Levanta bem cedo e dá sua caminhada nos arredores da rua onde reside no alto do Itaigara, numa bela casa que construiu juntamente com os filhos ao seu gosto pessoal .Disse que acompanha as coisas que acontecem no segmento das artes plásticas, sempre procurando se atualizar. Mas, que tem visto muita coisa apresentada como arte, que na realidade não considera que vale a pena ser vista desta maneira. A arte se impõe por ela mesma, não ainda criar narrativas para querer transformar alguma coisa em arte. É perda de tempo. O que concordo. Eu mesmo não consigo aceitar muitas manifestações de protestos e algumas instalações como arte. Para mim pode ser outra coisa, mas não tem beleza, não emociona, não me causa qualquer reação de conhecimento, enfim são como objetos ali jogados sem qualquer critério artístico e sim de chocar, e nem isto conseguem. A arte tem que ter conteúdo, tem que emocionar, agradar aos olhos e aos sentimentos. 

                                                                              VIAGENS

Pintura a óleo Canal do Leblon.
 O Leonel Brayner gosta muito de pintar paisagens. Fez uma viagem para Goiás Velho, a terra da grande poetisa Cora Coralina e lá pintou a Cidade de muitas paisagens. Ele gosta de sentir a atmosfera dos locais para criar a sua arte com sua visão pessoal do casario, das árvores e arbustos, do azul do céu. Entende que cada paisagem encerra uma história própria, particular e por esta razão prefere estar presente onde vai pintar. Foi a Goiás Velho, que fica no Estado de Goiás, em homenagem a seu pai que é de lá. "A cidade parece um presépio. Tudo está bem conservado e ali parece que o tempo parou para que possa ser apreciada aquela atmosfera de uma época que não volta mais. Fiz esta viagem no ano 2000, e até hoje fico emocionado com o que vi e pintei. "

 Também ele fez um livro sobre o Rio de Janeiro em 2012 juntamente com o escritor Rui Castro e sua esposa Heloisa Seixas chamado de Rio, Pena e Pincel onde estão reproduzidas várias paisagens do Rio de Janeiro feitas por Leonel Brayner e textos dos escritores citados.

Sua última exposição foi no Palacete da Artes e, Salvador onde apresentou dezenove obras de 1m x 1m de naturezas-mortas. Ele disse que demora mais de um mês para fazer uma obra nesta dimensão, e às vezes até mais dependendo das dificuldades que surgem e que precisa buscar soluções . Outros são mais rápidos e as soluções aparecem espontaneamente. ", explica.

                                                                 DIFICULDADES 

Leonel Brayner e Reynivaldo.
Voltando a falar do atual mercado de arte e da relação dos artistas com as galerias falou que temos observado que o mercado está mais severo com os artistas, especialmente com aqueles que estão iniciando na carreira artística. Antigamente você era convidado para fazer uma exposição pelo galerista e ele conseguia um patrocinador para o coquetel e inclusive para outras despesas como o catálogo e que o artista cuidava das molduras para melhor apresentar seu trabalho. A galeria já ficava com 33% por cento das obras vendidas e tudo funcionava bem. Agora tem que ter um curador, o patrocínio está difícil e as exposições diminuíram muito em quantidade e muitas galerias fecharam ou estão funcionando com precariedade. Hoje o artista precisa tomar cuidado para não ser engolido por este mercado que se apresenta voraz. "

Sua primeira pintura.Óleo sobre madeira,1951.
Disse Leonel Brayner que "por outro lado tem surgido formas de reproduções onde até um quadro a óleo ou acrílica como estes que pinto podem ser reproduzidos em materiais muito parecidos como por exemplo lona que se utilizam para fazer as telas, em papéis especiais. São reproduções perfeitas e dizem que a duração é bem maior que uma obra comum. Sabemos que um quadro pintado com 20 e 30 anos apresenta oxidação e outras reações devido ao tempo e a umidade e calor do ambiente. "

Falou também que hoje o artista jovem muitas vezes é levado pela exposição midiática a se achar um gênio de um dia para noite. Procura o sucesso imediato, sem a maturidade necessária dele e do que realmente está produzindo e oferecendo ao mercado. Estamos vivendo tempos que todos se consideram artistas, mesmo sem qualquer talento digno de apreciação. Existe uma certa obsessão pelo sucesso rápido, e por isto se exibem demasiadamente, mais que a própria arte que criam. Lembro de uma frase de Oscar Wilde que diz "O objetivo da arte é revelar a arte e ocultar o artista, no seu livro "O retrato de Dorian Gray".

 

 



sábado, 15 de abril de 2023

AURELINO O PINTOR QUE GEOMETRIZA SALVADOR

Aurelino andando no Largo Dois de Julho, na
Praça Castro Alves e no Alto de Ondina.
M
uito já se escreveu sobre Aurelino dos Santos atualmente perto de completar  81 anos de idade. Ele nasceu  no dia 16 de junho de 1942, é filho de Antônio Roberto dos Santos e Elisa dos Santos. Mora em Salvador no mesmo local há muitos anos.O conhecia de suas  andanças de galeria em galeria, nas casas comercias e nos bares tentando vender suas obras a preço baixos para sobreviver. É um pintor que faz muitas caminhadas aleatórias e com distâncias consideráveis. Respondeu quando perguntei porque não tomava um ônibus ou táxi é "gosto de ver a Cidade". Daí ele tira suas "ideias" para criar  obras geometrizadas e coloridas. Morador do Alto de Ondina, uma favela incrustada entre o Jardim Zoológico e outras construções de classes alta e média do bairro de Ondina , agora vem sendo requisitado como um artista cujas obras estão se valorizando no mercado nacional. Muitos dizem que Aurelino é um pintor primitivo, mas prefiro dizer que é um pintor que elabora suas obras em formas geométricas e segundo ele é uma representação de situações e locais, ou seja, são figurações simplificadas da Cidade. Esta geometrização, as cores fortes, e a composição é que criam uma atmosfera positiva e dão importância a sua obra. Vivia num barraco sem reboco em companhia de uma sobrinha de nome Sara  viciada em álcool e tabagista  a qual decidiu ir embora. Agora ele está com o seu pequeno imóvel quase totalmente reformado com piso de cerâmica, com nova cobertura do telhado, forrado e as paredes rebocadas e pintadas.  

Aurelino em seu ateliê,conversando e sua obra
Tem limitações de construir um diálogo, de   verbalizar sua arte e de escrever. Sempre gostou   de caminhar pelas ruas da Cidade e muitas vezes   podemos encontrá-lo conversando sozinho   animadamente, e se achar algum objeto que possa   servir para utilizar em sua arte costuma levar para   sua casa. Lembro que um certo dia estava na Galeria   O Cavalete, da saudosa Jacy Britto, quando o   Aurelino  apareceu com dois quadros nas mãos. As   obras foram examinadas e adquiridas, e ele seguiu   seu caminho. Foi aí que tomei conhecimento deste   artista que evoluiu com o tempo . Me disseram   naquela ocasião que era ajudante de pedreiro e que usava tintas de construção para pintar os seus quadros. 
Atualmente trabalha no seu ateliê, num ambiente simples, com uma pequena mesa e uma prancheta onde coloca a tela em branco e vai desenhando as figuras geométricas, com o auxílio de uma régua com cerca de um metro de comprimento. No ateliê encontrei pequenas peças de plástico e até mesmo pedaços de brinquedos quebrados que ele recolheu nas ruas por onde passou e disse que serão utilizados em colagens que pretende fazer. A propósito comprou uma cola especial para fazer essas obras, quando fomos a uma casa especializada em materiais para arte, que fica no Largo Dois de Julho, onde também Aurelino comprou vários pincéis, a maioria pequenos. Suas obras formadas de triângulos, círculos e retângulos parecem traduzir seu comportamento como que gira dentro destes espaços impedindo de ter uma visão real do mundo que lhes cerca. Uma desorganização de sua mente não lhe permite  este mundo real o que  leva a ter crises que precisam ser controladas . Mas, quase sempre está neste mundo de poucas palavras, de algumas frases desconexas e mostra uma fragilidade física no seu corpo magro e de 1,60 mais ou menos de altura, pesando cerca de 60 quilos. Basta dizer que suas roupas são compradas no tamanho pp.

                                                        O ARTISTA 

Aurelino mostrando como faz os
desenhos geométricos da obra.
 
 Ao olhar uma tela riscada pelo Aurelino dos Santos   você imagina que é uma obra de um arquiteto com   sólidas informações de geometria. Numa tela de   pouco mais de um metro quadrado são dezenas de   triângulos, retângulos, cubos e linhas paralelas que   ele vai juntando até ficar uma construção geométrica   instigante. Depois com os pincéis vai pintando   calmamente cada um desses elementos com tintas   a óleo cruas as quais  dissolve em pequenos   recipientes de alumínio, desses que são utilizados   para fazer bolinhos e empadas. Dissolve as tintas   com gasolina e utiliza de uma régua para traçar seus   elementos geométricos e para pintar e não invadir   outro elemento.

 Disse que já pintou figuras e fez até tapetes, mas que   hoje só pinta em formas geométricas que em sua mente representam a figuração da Cidade. Enxerga  nas imagens de sua  fantasia  pictórica viadutos que se entrecruzam, viadutos ao lado de varandas, são paisagens urbanas que Aurelino dos Santos  traduz com este geometrismo que nos permite visões diferentes ao serem observadas de frente ou mesmo do alto. Umas obras lembram  plantas baixas feitas por um arquiteto, só que possuem muitos mais elementos geométricos e são bem coloridas. É um trabalho de qualidade digno de figurar em qualquer colecionador de arte moderna ou contemporânea. Suas obras já foram expostas em São Paulo, Paris, Madri e Valência. As principais exposições foram em 2011, no Museu Afro do Brasil, em Salvador, intitulada Aurelino - A Transfiguração do Real. Também na exposição Teimosia da Imaginação: 10 artistas Brasileiros, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo; no Museu Janete Costa de Arte Popular e no Young Art de Art Madrid.

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Aurelino na Ponta de Humaitá,antes de conhecer Ernesto
 e detalhe de mais uma obra de elementos geométricos.
Foi cobrador de ônibus na empresa Jordão que fazia a linha Ondina, Rio Vermelho. Quando lhe perguntei se lembrava de alguma confusão nos ônibus onde trabalhou por causa de troco ou outro motivo qualquer pronunciou a expressão que sempre usa para responder quando está concordando. Dá um sonoro Ohhhhhhhh!... Esta sua atividade na juventude viajando para lá e para cá pela orla marítima da Cidade deve ter marcado sua mente e talvez por isto goste de andar e andar. Um impulso interno o estimula, e o Aurelino sai por aí  percorrendo distâncias consideráveis. Por exemplo, ele vai de Ondina  para a Praça da Sé ou para o Pelourinho. A volta geralmente toma um "buzu", como disse na sua restrita linguagem. Diz que iniciou sua carreira artística após contato com o escultor Agnaldo Santos (1926-1962) que trabalhava no ateliê de Mário Cravo Junior. Ali chegou a fazer algumas pequenas esculturas, mas tem poucas lembranças. Na realidade ficou alguns meses e saiu "saí para pintar meus quadros", isto por volta de 1963. A arquiteta paulista Lina Bo Bardi, quando esteve em Salvador elaborando o projeto do Museu de Arte da Bahia, no Solar do Unhão viu a obra de Aurelino e gostou e o incentivou a ir para São Paulo.

Aurelino na favela onde mora,objetos que recolhe
aleatoriamente na ruas e  um detalhe de uma obra
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                              VAI RISCANDO
Indagado  como idealiza suas obras responde simplesmente "Vou riscando". As paisagens construídas por ele podem ser apreciadas de frente ou do alto e alguns acham que têm referências barroca, do concretismo e arte do neoconcretismo. Para mim são paisagens geometrizadas que saem de sua mente e são construídas quase aleatoriamente como ele mesmo diz "eu vou riscando ", e depois saca de suas tintas fortes e as constrói com grande habilidade uma obra colorida que agrada ao mais exigente amante da arte é difícil ser classificada.  Ele desenha utilizando uma régua de cerca de um metro e vai preenchendo os espaços em branco na tela com seus elementos geométricos quase que aleatoriamente. No final fica uma composição forte, harmônica , sem catalogação.

Como não tinha dinheiro para suas tintas disse que Mário Cravo comprou um quadro e o Aguinaldo Silva também e quando precisava de comprar tintas o Mário Cravo sempre arranjava um dinheiro para que ele continuasse pintando. Organizaram uma exposição de suas obras no foyer do Teatro Castro Alves que funcionava como local do Museu de Arte Moderna da Bahia, até ser transferido para o Solar do Unhão, onde permanece até hoje. Para esta exposição contou com a ajuda da grande pintora baiana Yedamaria, já falecida. Também expôs na Galeria Querino, que pertencia ao tapeceiro e marchand Renot. A galeria funcionava no final da Rua Carlos Gomes, num daqueles edifícios que tem a frente para a Avenida Sete de Setembro e os fundos para a Rua Carlos Gomes.

                                                        MUITO MELHOR

Aurelino, Ernesto Bitencourt e Reynivaldo no restaurante 
 onde almoçamos e tomamos umas cervejinhas .Gosta de uma 
boa cerveja e fuma uma carteira de cigarros por dia.
Com o reconhecimento do valor artístico de suas obras alguns galeristas e marchands passaram a comprar e guardar porque existe uma tendência de alcançar uma valorização cada vez maior no mercado de arte nacional. É uma aposta que pode ou não se concretizar. São as regras deste mercado cheio de subjetividade que regulam os preços, além da lei da oferta e procura. Atualmente ele encontrou um marchand o Ernesto Bitencourt que enxergou o potencial criativo de Aurelino e decidiu investir no artista, e paralelamente lhe deu dignidade. Disse Ernesto que o Aurelino, ou Lelo, como ele o trata, vivia realmente numa situação muito precária. Sua moradia  de apenas um quarto era um barraco fétido. Ele mandou rebocar e pintar a casa, mudou o telhado, forrou e comprou cama, televisão e outros utensílios domésticos, e assim Aurelino passou a ter uma vida simples, mas decente. Também, comprou roupas pessoais e mesmo de cama, tênis, para que ele possa viver a sua vida com dignidade. Contratou um restaurante próximo onde Aurelino mora que lhe fornece as três refeições. Enfim, quando perguntei ao Aurelino se sua vida agora estava melhor ele saiu com um sonoro Ohhhhhhh!.... e em seguida completou "muito melhor. Não me preocupo em sair por aí tentando vender um quadro para comprar comida". O Ernesto Bitencourt passou a pagar o dobro do valor que normalmente ele comercializava seus quadros pelas ruas da Cidade. Enfim, não está faltando nada a Aurelino, em seu mundo de simplicidade. A sua relação com dinheiro é muito limitada, não tem ambições e talvez nem saiba direito valorizar a sua obra e importância. Sabe apenas que as pessoas que chegam perto dele gostam do que  faz. O Aurelino não tem um dente sequer em sua boca. Já houveram tentativas de colocar uma dentadura, mas ele tem resistido. No encontro que tivemos falamos sobre o assunto e notei que já aceita a proposta de ir ao dentista para a realização deste protocolo. Acredito  que melhore sua autoestima e passe a mastigar melhor os alimentos.

                                                         JUVENTUDE DIFÍCIL

Veja o belo colorido desta obra .
 É difícil saber muitos detalhes da vida de Aurelino. Durante o   almoço que tivemos no restaurante popular Líder, no Largo Dois   de  Julho, em Salvador,  ele ficou mais à vontade e entre um gole   de cerveja e outro foi falando de sua vida. Disse que foi internado   na Escola de Menores, em Pitangueiras de Brotas, e que depois foi   transferido para a Escola de Menores, no subúrbio de Paripe, em   Salvador, e revelou que foi de trem. Disse  que permaneceu   cerca  de um ano e meio em cada local. Falou que quando criança   frequentava muito a praia onde jogava bola, nadava e na rua   brincava de bola de gude, empinava arraia nas imediações onde   reside até hoje . Também lembrou que várias vezes furou os pés   com os espinhos das pinaúnas, nas pedras na praia de Ondina..   Não  gostava de pescar. “nunca pesquei, porque não entrou na   ideia". Falou  que gosta de comer buchada e outras comidas   pesadas ,mas que detesta mocotó. Este foi um momento   descontraído onde ele sacou esta conversa que não gosta do tal do   mocotó. Estudou numa escola pública que funcionava perto do   local onde mora. "Foi na mais antiga!" Não lembra o nome.

Aí vão surgindo algumas lembranças esparsas e de repente me pergunta de chofre: "Conheceu Odorico Tavares? "Respondi que pessoalmente não, e retruca "eu vendi quadros a ele". Odorico Tavares era um jornalista, superintendente do grupo Diários Associados, que mantinha os jornais Diário de Notícias, Estado da Bahia, Rádio Sociedade da Bahia e Tv Itapoã pertencente ao icônico Assis Chateubriand. Odorico também era um colecionador e incentivador da arte na Bahia. 

Também lembrou que o tapeceiro “Genaro de Carvalho tinha um Aero Willys, de cor azul, chamado de "Tufão" que era muito bonito.” Nunca esteve com o tapeceiro, mas adiantou que de longe observava e o admirava. Frequentava os bares da época, inclusive lembra ter encontrado com o pintor feirense Raimundo Oliveira, também falecido há muitos anos, num dos botecos do Largo Dois de Julho onde ele frequentava para tomar suas bebidas preferidas.  Ainda falou de seu time. Disse ser “torcedor do Vitória e que em São Paulo torce pela Ponte Preta.”

Aurelino dos Santos concentrado escolhendo alguns pincéis.
Em suas caminhadas costuma ir para o Centro da Cidade cortar o cabelo e a barba com um barbeiro que tem sua barbearia defronte do velho prédio onde funcionou o Cine Liceu, na  Rua Saldanha da  Gama. O barbeiro chama-se Luís Santos e que a barbearia Passos Saldanha cobra R$30,00. Dizem que mesmo quando não tinha dinheiro para pagar o Luís nunca deixou de cortar o seu cabelo e fazer a barba quando precisava. Uma gratidão que fez questão de confirmar. Quando indaguei porque se hoje tem dinheiro e pode pegar um ônibus ou até mesmo um táxi para ir para onde desejar ou precisar ele anda a pé enfrentando o sol forte? A resposta foi dada com a mesma simplicidade em que vive: "É porque andando eu faço exercício e vejo a Cidade".

Aurelino com Wasghinton Sales que
 o encontrou andando na Praça 
Castro Alves no dia 10-4-2023
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Disse que tem um irmão que mora no Nordeste de Amaralina, em Salvador, mas não declinou o seu nome. E em seguida que esteve em São Paulo e a Lina Bo Bardi o instalou no anexo do Masp, onde ficou hospedado por uns dois meses. Lá conheceu talvez o amor da sua vida chamada de América, ninguém sabe se realmente houve ou não este romance. Mas, ele confidenciou que em seguida foi para o Rio de Janeiro de ônibus em companhia da América e lá ficou num hotel chamado de Minas Holtel na Praça Tiradentes perto do Teatro de Bibi Ferreira. Lembrou do Campo de Santana, e que pagou C$16,00 na passagem de ônibus doe São Paulo até o Rio de Janeiro e que pagava C$ 2,50 pela diária do hotel. A América era um tipo meio hyppie e da mesma forma que se aproximou de Aurelino também desapareceu.

Na exposição realizada no Museu Afro Brasil, em São Paulo, o diretor Emanoel Araújo, já falecido, que também foi o curador em março de 2012 editou um catálogo  de 40cm x 28cm com reproduções de várias obras de Aurelino e com alguns textos enfocando a obra, mas dando ênfase a sua loucura. Prefiri aqui enfocar o lado humano, o colorido de sua arte, a genialidade de suas composições, e sua capacidade de resistir durante todas as décadas que permaneceu à margem do mercado de arte, que teve momentos de florescimento na Bahia. Aurelino era um espectador de longe deste movimento, inclusive frequentava as galerias em dias e horários de pouco movimento, e ao pintar algumas telas era obrigado a sair do seu  barraco para procurar possíveis compradores. O seu comportamento fora do normal para muitos é loucura mesmo. Aliás, se formos por este caminho encontraremos muitos aurelinos mais ou menos afetados no ambiente artístico, cada um com suas manias e reações até esquisitas. Vamos celebrar a qualidade de sua obra!