Translate

sexta-feira, 7 de abril de 2023

EDVON O ARTISTA ANDARILHO DO PELOURINHO

Edvon mostra sua  xilo .

 Os moradores e comerciantes do Centro Histórico, especialmente do Pelourinho e Terreiro de Jesus já se acostumaram com aquele senhor idoso e negro todo arrumado de roupa branca e chapéu Panamá ou com seu boné em estilo português andando lentamente pelas ruas com uma pasta nas mãos cheia de gravuras de sua autoria. Ao avistar um turista que acredita poder mostrar a sua arte se aproxima e tenta dialogar. Alguns evitam e saem apressados, pois foram avisados pelos agentes de turismo de seus países e mesmo daqui sobre o perigo que correm durante essas abordagens. Outros procuram ouvir atentamente e quando Edvon descobre a sua origem se é americano, francês , inglês, italiano ou de outro país europeu, oriental ou  latino ele arranha algumas palavras na sua tentativa de se comunicar. Não fala língua estrangeira, mas pronuncia algumas poucas palavras e frases curtas em inglês, italiano e espanhol , e assim tenta vender suas gravuras. Recebe uma parca aposentadoria de pouco mais de um mil reais e para pagar as despesas de suas "netas", como ele chama em tom jocoso as empresas de luz, água, telefone e internet, além das de alimentação. Tem que vender as suas gravuras para sobreviver com o mínimo de dignidade , onde retrata os velhos casarões e tipos populares que habitam a região. Seu nome é Edmundo Oliveira Santos , nasceu em 7 de julho de 1935 nas imediações da Usina Terra Nova, município do mesmo nome, onde moravam seu pai Manoel Elesbão Ferreira e sua mãe Maria de São Pedro Oliveira. Reside atualmente na Rua Guedes de Brito, numa casa colonial de moradia coletiva fornecida pelo Estado.

Lembra que seu pai Manoel Elesbão era um dos mecânicos da Usina Terra Nova, de propriedade da família Magalhães e o líder era Raimundo Magalhães , que está  em ruínas só restando de pé, uma imensa chaminé furando o horizonte, localizada no município de Terra Nova. Quando nasceu os pais não o registraram imediatamente. Antigamente iam registrar os filhos dias depois, muitas vezes por falta de tempo e dinheiro para pagar o cartório. Foi assim que aconteceu com o casal Manoel Elesbão e Maria de São Pedro quando foram registrar o Edvon no município de Santo Amaro. Alguns anos depois

Edvon com uma cerâmica de sua autoria .
perdeu seus documentos e ao solicitar  uma cópia do seu Registro de Nascimento  foi informado que o livro onde estava anotado o seu registro e de várias outras pessoas foi completamente danificado pelas águas, talvez durante uma enchente ou mesmo devido a uma goteira. Portanto, teve que fazer um novo Registro de Nascimento e foi aí que embora tenha nascido no mês de julho o Tabelião de Notas e Registro Civil trocou o mês para junho. Mas, ele preserva o seu aniversário em 7 de julho quando vai completar,  na data em que nasceu, seus 88 anos de idade. Algumas características do artista é que tem consciência do seu trabalho, muito educado e articulado. Fala com desenvoltura e tem uma boa memória apesar da idade avançada. Sobe e desce as ladeiras do Centro Histórico de Salvador com desenvoltura e se mostra solícito. É metódico, não bebe, não fuma e disse já ter criado uns quatro filhos. Não teve filhos biológicos e que frequentou muito as bregas quando jovem. Hoje é Testemunha de Jeová e acrescenta   "estou abstêmio de sexo".

                                                                    SUA TRAJETÓRIA

Edvon o artista que vende suas
 obras nas ruas do Centro Histórico.
Conversando com Edvon ele relembrou que seu pai que era mecânico do setor de Ferragens, da Usina Terra Nova  sempre dizia a ele e a seus cinco irmãos, dois não chegou a conhecer, porque morreram cedo, que todos tinham que "aprender um ofício de mecânico, carpinteiro, pedreiro, encanador , etc. Não quero malandro dentro de casa". Diante desta determinação paterna resolveu escolher um ofício, e assim foi ser ajudante de alfaiate em Terra Nova, profissão que foi lhe servir muitos anos depois quando trabalhou fazendo roupas africanas para vender no Pelourinho. Estudou no Ginásio Domingos Filho, no Pelourinho, na Escola Técnica e no Ginásio Firmino Alves, com o professor Plínio de Almeida, em Itabuna, e lá aprendeu a fotografar. Os irmãos se mudaram agora para São Sebastião do Passé e o levaram onde decidiu ser fotógrafo, profissão que exerceu durante muitos anos. Ele mesmo fotografava e revelava as fotos dos clientes. Eram fotografias analógicas, que necessitavam de conhecimento rudimentares de química para misturar os produtos para fazer a revelação. Depois as coisas evoluíram e começaram a fabricar o revelador e o fixador.

Sempre buscando terminar seus estudos quando veio para Salvador estudou no Ginásio Domingos Silva, no Pelourinho,  e no Colégio Severino Vieira, no bairro de Nazaré, fez um Curso de Turismo durante três anos seguidos. Frequentou vários cursos de arte realizados pelo Museu de Arte Moderna, o MAM, as conhecidas Oficinas do MAM onde eram ministradas aulas de várias técnicas como pintura a óleo, aquarela e pastel; gravura em metal, litografia e xilo; escultura; cerâmica. Enfim, as Oficinas realmente incentivaram e ensinaram a muitos artistas várias técnicas de arte.

                                                       LUTA PELA VIDA 

Casario e tipos populares do Centro
Histórico de Salvador, de Edvon.
Tinha uma pequena banca na Feira de Artesanato , que era coordenada pela Bahiatursa, a qual ajudava no seu sustento que funcionava no Terreiro de Jesus, mas  foi proibida  pelo Governo  estadual "porque segundo os técnicos a Feira estava enfeiando o local". Em troca recebeu uma carteira de vendedor ambulante, que ele não utiliza. Quando insisto em saber sua vida no Centro Histórico de Salvador, que na década de 60 era de predominância de moradores de baixíssima renda e de prostituição o Edvon com seu jeito contido revela. "Minha vida amorosa foi uma droga. Nesta época costumava me homiziar e depois terminava separando. Não ligava para casamento. Hoje valorizo muito o casamento, inclusive é um dos preceitos da religião que pratico Testemunha de Jeová. "

Lembra que morava numa pequena invasão aos fundos da antiga Faculdade de Medicina numa localidade chamada de Rocinha do Pelourinho, porque ali antes da ocupação os malandros iam fumar maconha. Porém, ele trabalhava com um pequeno comerciante de artigos de artesanato chamado Sergio Leão, já falecido,  que tinha feito uma construção no local e como estava em dificuldades para pagar o aluguel o patrão cedeu para que pudesse morar. Foi aí que morou por bom tempo e cultivou muitas flores e outras plantas até que a Conder e o IPAC resolveram realocar ele e os

demais moradores da Rocinha em outros imóveis do Centro Histórico e está construindo umas casas e rebatizaram o local como Vila Nova Esperança. Veio para onde hoje está na Rua Guedes de Brito, número 15. É uma casa em estilo colonial que foi dividida em apartamentos.

Disse que chegou a Salvador em 1944 em plena Segunda Guerra Mundial e lembra que assistiu da balaustrada do Elevador Lacerda os recrutas tomando o elevador para embarcarem em navios que o esperavam no porto.  Edvon contou que eles partiam com muita esperança e patriotismo cantando o Hino Nacional, o Hino da Bahia, da Independência , o de homenagem a Getúlio Vargas, e também o Cisne Branco. “Foi uma cena inesquecível e emocionante!” Ao lado uma gravura em metal de sua autoria retratando A Mulher de Roxo.

 

 

 

19 comentários:

  1. Domingos Dantas Brito
    Um homem simples que fez sua história de vida.

    ResponderExcluir
  2. Maria Helena Morais Barreto
    Obrigada amigo, sempre é maravilhoso ler seus textos e suas matérias.

    ResponderExcluir
  3. Liane Katsuki
    Muito obrigada. Sempre por seus maravilhosos texto..que nos ensinam tantas coisas!!!!

    ResponderExcluir
  4. Coleção de cédulas e moedas do Ivo Neto
    ·
    Parabéns amigo Reynivaldo Brito pelo belíssimo trabalho de divulgar os artistas plásticos do nosso estado da Bahia 👏🏽👏🏽

    ResponderExcluir
  5. InterAtléticas
    ·
    Poeticamente eleva arte

    ResponderExcluir
  6. Salomão Zalcbergas
    Muito legal ..a história de um artista q vive Pelourinho!

    ResponderExcluir
  7. Edicarlos Santana
    Parabéns seu Reinivaldo pelo Belo trabalho

    ResponderExcluir
  8. Elisandro Lima
    Mais uma bela homenagem através da escrita de um excelente ser humano e profissional do jornalismo respeitável. Gratidão pelo conteúdo, Sr. Reynivaldo Brito . Abs

    ResponderExcluir
  9. Graça Gama
    Mais uma bela descoberta. Parabéns 🙌🙌👏👏

    ResponderExcluir
  10. Félix Sampaio
    Uma história que relata o passado e o presente enriquecendo ainda mais nossa cultura. Parabéns Sr. Edvon e a Reynivaldo Brito por nos presentear com esse belo texto.👏👏👏👏

    ResponderExcluir
  11. Maria Das Graças Santana
    História linda de vida da vontade de vencer pelas as artes . Parabéns e sucesso

    ResponderExcluir
  12. Angela Lisboa Dabush
    Parabéns Reynivaldo Brito . Você é nota dez

    ResponderExcluir
  13. Berenice Carvalho
    Parabéns Rey pelo seu trabalho!
    Você trás felicidade para os artistas!

    ResponderExcluir
  14. Lucia Bacelar
    Você é o Cara! parabéns pelo seu grande e belo trabalho.

    ResponderExcluir
  15. Lurdes Jacobina
    Parabéns pelo trabalho!!Li com Roberto e êle gosto muito.

    ResponderExcluir
  16. Este sim, um verdadeiro artista. Ama a arte. E o texto é maravilhoso. Parabéns, Professor!

    ResponderExcluir