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segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

MAIS UMA CRISE ABALA O MAM - BAHIA

Localizado num majestoso sítio, que é o
Solar do Unhão, o MAM-Ba vem enfrentando
uma série de crises e má gestões.
Mais uma crise se abate sobre o Museu de Arte Moderna da Bahia, que está acéfalo sem direção. Uma série sucessivas de crises vem contribuindo para que esta relevante instituição e espaço para os artistas baianos venha perdendo sua importância. Tudo isto é resultado  de uma política cultural retrógrada que se abateu sobre a Bahia nos últimos vinte anos. Lembro que numa determinada gestão sumiu o Livro de Tombo, onde deveriam estar registradas todas as obras do acervo; acabaram com o Centro de Cultura Popular, que funcionava num galpão do conjunto arquitetônico do Solar do Unhão, cujo acervo foi organizado por Lina Bo Bardi; noutra gestão nem papel tinha para fazer um ofício; o pier permaneceu interditado por anos; fecharam o restaurante; realizaram bailes carnavalescos em seu pátio e uma reforma do sistema elétrico levou anos,nem sei se já concluiram. Enfim, o Mam quase sempre foi e continua sendo maltratado por governos e gestores colocados lá politicamente. Não basta gostar de arte, ser artista , crítico de arte ou museólogo.É  preciso saber se o diretor é um bom gestor, se tem capacidade de gerir, de atrair colaboradores e público com suas ações para inserir o museu envolvendo os artistas baianos.
A bela escada idealizada por Lina Bo Bardi
foi inspirada no carro de bois. Não tem
pregos, tudo é encaixado.

Antes o MAM-Bahia era vinculado diretamente à  Fundação Cultural da Bahia. Hoje, juntamente com os demais 11 museus está vinculado ao IPAC , que não tem qualquer expertise como gestor ou coordenador de museus. Este órgão já mostra total incapacidade de cuidar do nosso Patrimônio Histórico ,Artístico e Cultural que está visivelmente caindo aos pedaços. Centenas de casarões do Centro Histórico e seu entorno  estão em péssimas condições, e para complicar transferiram para o IPAC a coordenação dos museus. 

O museu chegou a atrair quase 200 mil pessoas por ano para sua sala de cinema, sua galeria ao ar livre, além da galeria na capela e os dois salões principais. Era um museu-escola respeitável e ajudou na formação de muitos artistas que estão ai no mercado de arte. Mesmo antes de fechar suas oficinas já mostravam fraqueza por falta de gestão, incentivos e verbas. Mas, na verdade o museu nunca integrou e prestigiou os artistas baianos depois da sua primeira década de fundado. Sempre teve um olhar para fora e não conseguiu criar um pertencimento, uma relação forte com a grande maioria dos artistas baianos. Sempre pequenos grupos foram beneficiados e conduziram o seu destino ajudados por gestores incompetentes.

As Oficinas de arte sempre interrompidas.
Fundado em 1960 pela arquiteta Lina Bo Bardi que a convite do então governador  Juracy Magalhães  foi convidada para criar um museu-escola, trazendo sua experiência após a construção do Museu de Arte Moderna de São Paulo, juntamente com seu esposo Pietro Maria Bardi.Inicialmente o museu foi instalado no foyer do Teatro Castro Alves , e já em 1963 foi definitivamente transferido para o conjunto arquitetônico do Solar do Unhão, datado do século XVIII. O casal tinha esta concepção de um museu escola em movimento dai a realização de cursos e estratégias para a construção de público e abrir o museu para a comunidade.  Expõe na Exposição Nordeste  no Ibirapuera, em São Paulo ,várias peças coletadas em várias regiões do Nordeste Brasileiro como em Pernambuco,Ceará, Bahia , dentre outros estados. Foi dai que surgiu a oportunidade dela vir criar o MAM aqui. Estas peças iriam  participar de uma exposição numa feira de designe em Milão, na Itália, mas houveram uns contratempos  e ficaram encaixotadas por anos no porão do MASP.

Lembra o artista Justino Marinho que " a direção do MASP ,onde as peças estavam num porão , conseguiu que o Governo da Bahia através do Diretor da Fundação Cultural, Geraldo Machado trouxesse as peças. Durante muitos anos estas peças ficaram encaixotadas num depósito da entidade e muitas se perderam. A  maioria foi restaurada pela museóloga Mary do Rio e estão expostas no Museu do Solar do Ferrão."

Peças de cerâmica nordestina. Ilustração do
Museu do Ferrão.
A arquiteta italiana conseguiu imprimir muitas atividades e o MAM era realmente um centro vivo de cultura com várias exposições importantes e formando um acervo considerável com obras de grandes artistas. Ela inclusive fez algumas viagens ao interior do Nordeste documentando e adquirindo peças do artesanato popular que foram expostos em São Paulo durante a V Bienal Internacional . Depois as peças vieram para o MAM, e ela  montou num galpão do mesmo conjunto arquitetônico o Centro  de Cultura Popular com inúmeras peças utilitárias e até mesmo do vestuário nordestino coletadas nos anos 50 e 60. Sua origem foi a coleção de Martim Gonçalves, que dirigiu a Escola de Teatro da Ufba, e posteriormente ampliado por Lina . Com seu olhar atento ela conseguiu reunir um acervo considerável deste material com peças utilitárias e figurativas,carrancas,ex-votos,imaginária, esculturas em cerâmica, fifós, panelas de barro,brinquedos,dentre outros. Fez uma pesquisa de caráter etnográfico. No início deste ano as peças reapareceram, e estão agora em exposição permanente no Solar do Ferrão.

Museu Escola Comunidade o seu programa cultural foi diversificado com cursos de artes plásticas, xilogravura , litogravura, serigrafia,escultura em madeira, cerâmica, na opinião de Juarez Paraíso. Os alunos tinham assistência individual sem interferir no criativo de cada um.  De 1980 a 1988 segundo ele não houve até que chega a Solange Farkas, de São Paulo,  e fecha as oficinas e acabou com o único salão de artes plásticas que tinha e que fora criado pelo ex-diretor Heitor Reis. 

As oficinas voltaram tempos depois, porém nunca mais tiveram aquele caráter criativo e educativo , e não atriaram tantos talentos como na sua primeira fase. Hoje, estão fechadas como também o próprio museu.

                                                   MOVIMENTO

Pátio do Solar do Ferrão, usado para 
apresentações musicais , teatrais e exposições
ao ar livre.
Cheguei a enviar várias mensagens para os artistas baianos no sentido de nos movimentarmos com vistas a abertura e revitalização do Museu de Arte Moderna da Bahia . É inadmissível que o MAM fique fechado .Acho que tem que ser um movimento em prol do museu que vem sofrendo nas últimas décadas um esvaziamento e  descaso do Governo. Este movimento deve ser  apartidário,  e o seu objetivo  deveria ser  o fortalecimento do MAM e a volta de suas oficinas, que tantos talentos incentivou. 

A pandemia não é motivo para esta leniência dos responsáveis pela produção das artes visuais em nosso Estado. Entendo que todos nós temos responsabilidades para com esta instituição e podemos através de ações , divulgação e critica a este descaso conseguir a sua abertura , e principalmente exigir a sua revitalização. Não adianta só abrir e ficar na letargia que vem há quase duas décadas.

As reações e respostas foram diversas. Uns alegaram a dificuldade de uma ação devido a pandemia, outros que tinham solicitações junto à Secretaria de Cultura e isto poderia prejudicá-los, outros que o museu sempre esteve distante dos artistas baianos e que beneficia apenas grupos específicos. Alguns mais afoitos falaram em ocupação . Enfim, a ideia está posta. Não quero liderar nada. Quero participar, ajudar . Falei que no primeiro momento criaríamos uma comissão e marcaríamos uma entrevista denunciando o absurdo; faríamos um documento assinado por um grande número de artistas , e a terceira etapa seria uma manifestação na frente do Solar do Unhão denunciando o descaso para com o MAM.






terça-feira, 15 de dezembro de 2020

ALBERTO VALENÇA UM MESTRE DA PINTURA BAIANA


Nunca é demais para se falar e enaltecer um grande artista. Àqueles que nos brindaram com sua sensibilidade e sua arte merecem sempre ser lembrados, e é com muita alegria que vejo a professora Vera Spínola escrever um livro dedicado ao pintor  Alberto Valença, um dos mais respeitados e reconhecidos mestres da pintura baiana. Se vivo estivesse estaria completando 131 anos . Chamado de "O Poeta das Cores" e "Mago dos Acadêmicos Baianos"  Alberto Valença foi discípulo de Manuel Lopes Rodrigues. Introspectivo e exigente no seu ofício foi contemporâneo dos mestres Presciliano Silva e Mendonça Filho.
Ao lado seu autorretrato pintado em 1942 com 48cm x 40cm. Nesta obra tem uma dedicatória dele para seu filho Antônio Alberto Valença como se o autorretrato foi pintado em 1922, mas a data certa é 1942.

Vera Spinola e seu esposo o
Antônio Alberto Valença.
Nasceu na cidade de Alagoinhas em 7 de junho de 1890 e foi batizado com o nome de Alberto de Aguiar Pires Valença . Para escrever o seu livro Conversando com a  Pintura de Alberto Valença - Um Romance Biográfico a professora Vera Spínola percorreu um longo caminho partindo da intimidade de sua casa, onde importantes obras de Alberto Valença estão nas suas paredes presenciando o dia a dia da autora e a convivência como o único filho homem do pintor o economista Antônio Alberto Valença. Portanto, além das suas pesquisas em museus, institutos culturais e fontes bibliográficas ela dispôs  em sua própria casa de uma fonte primária de importância relevante que é o filho do homenageado , seu esposo.

Breviário - Sacristia do Convento de
São Francisco,1929 com 65 x 55 cm
O pintor Alberto Valença era considerado muito meticuloso e consta que mandou queimar em momentos diferentes várias obras que fez e não gostou. Este rigor  carregou por toda a vida e isto talvez tenha influenciado em não ser mais conhecido como deveria entre o grande público. Aos 35 anos de idade ganhou o Prêmio Caminhoá e foi estudar na França na famosa Academia Julian, onde manteve contatos com grandes mestres do impressionismo e do expressionismo francês e de outros países que lá ensinavam e estudavam. Passou uma temporada na cidade de Concarneau, na região da Bretanha, onde pintou a paisagem e também moradores , especialmente pescadores .

 Não era muito chegado a trabalhar em atelier. Gostava de pegar seu material de pintura e se postar diante da natureza para captar a luz e os elementos que compunham determinada paisagem. Muitas vezes voltava no mesmo horário para continuar a sua obra. E, se lá chegasse o tempo estivesse muito diferente do dia anterior ele voltava para casa e retornava ao local no dia seguinte. Gostava de pintar pela manhã e quando o tempo esquentava muito suspendia seu trabalho. 

Retrato d. Ana 
Cerqueira Lima,
de 1932
.
 Quando fazia retratos, pois ele foi um grande retratista, os seus retratados passavam muito tempo posando para que ele pudesse captar toda a expressão. Não gostava de pintar olhando a foto do retratado. Tem um episódio que ocorreu quando ele pintava d. Romana Calmon, , mãe do saudoso jornalista Jorge Calmon . Ela cansou de tanto posar para o pintor. Ai combinaram que ele  terminaria o rosto, e o traje seria  pintado olhando uma fotografia. Dizem que ele não teria ficado confortável com esta opção. 

Em 1925  faz sua segunda exposição individual em Salvador e ganha o prêmio para ir estudar na França, na famosa Academia Julian. No ano seguinte vai para a região da Bretanha , onde , segundo o saudoso professor Clarival do Prado Valadares, realiza inúmeros estudos , manchas e telas , sobretudo em Concarneau, Finistère ,Pont-Aven e outras localidades, entre pinturas ao ar livre e retratos de modelos locais.  Já em 1928 chega a Salvador e retornar suas idas de bonde para pintar as paisagens baianas. Sua produção passa anos depois a ser comercializada através a Galeria Georges Petit, que ficava na Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro. Isto no ano de 1932 quando participa do Salão Nacional de Belas Artes e apresentou um único 

Paisagem Manhã na Praia de Ubarana, Amaralina -
 1920- Acervo Museu Nacional de Belas Artes , R
J
 trabalho o retrato de d. Ana Cerqueira Lima, que era esposa do almirante Cerqueira Lima que construiu os faróis que orientam os navegadores na Baía de Todos os Santos.  Inscreveu este trabalho no segundo prêmio e obteve a premiação Medalha de Prata. Talvez se tivesse inscrito para concorrer ao primeiro prêmio, poderia ter conquistado.Com o falecimento de sua esposa Lectícia aos 34 anos ele fica muito abalado . Porém continuou pintando e foi ensinar na Escola de Belas Artes .Lembra Vera Spinola que em 1949 ele participou do 1º Salão Baiano de Belas Artes quando ganhou a Medalha de Ouro  com a tela Retrato de Dona Ana , neste mesmo salão a pintora Lygia Sampaio foi premiada também. Casou aos 48 anos de idade com Lecticia Machado ,de apenas 28 anos de idade que era sua aluna na Escola de Belas Artes. Aos 55 anos estava viúvo e com um filho o Antônio Alberto Valença , esposo de Vera Spinola, autora do livro que será lançado no Museu de Arte da Bahia, com uma exposição ainda a ser anunciada. Dai em diante assumiu uma postura ainda mais introspectiva, andava sempre com roupas escuras . Tem um segundo relacionamento com a jovem Joana Amélia  nascendo em 1951 Maria Amélia Valença.

Por do sol do convento do Desterro, 1929-1930 - 
Acervo Museu Costa Pinto.
Ele costumava pegar o bonde dos Aflitos,onde morava,  e seguia para a península itapagipana porque gostava de pintar as paisagens, a praia do Bogari e outros locais. Sempre pela manhã . Levava muito tempo para concluir as suas obras, embora  olhando e guardando a distância e o tempo alguns podem chegar a conclusão apressada que foram feitas rapidamente , sem ocupar muito tempo, porque algumas delas não são muito detalhadas. Manchas que se juntam para formar uma obra de alta qualidade. 
Em 1961 , aos 70 anos de idade escolhe o Convento do Carmo, no Centro Histórico de Salvador, como local para pintar. Era uma espécie de refúgio porque a cidade já estava diferente com a presença de moleques nas praias onde ele antes gostava de pintar. Mesmo no interior do convento suas pinturas sempre mostram uma réstia de luz. Valença era um observador atento da luminosidade que embeleza e clareia as belezas das paisagens e casarios nos trópicos.  Nada menos que vinte e sete importantes obras do pintor estão desde 1969 no acervo do Museu Carlos Costa |Pinto, que fica no Corredor da Vitória, em Salvador. Vale a pena aprecia-las. 

Em 1970 já estava com a visão comprometida dificultando sua capacidade de pintar, e foi neste ano que foi organizada uma exposição retrospectiva no Museu de Arte Sacra da Bahia, que fica na Ladeira da Preguiça, com sessenta e uma obras dos acervos de museus e particulares.

Em 1979 Clarival do Prado Valadares já tinha documentado cerca de 200 obras de Alberto Valença, e 

 Obra Cais de Concarneau - Bretanha- França 1927
34cm x 41 cm. Acervo Museu Costa Pinto.
Vera Spínola acredita que chegam perto de umas 500 obras pintadas durante sua existência , porque ele pintou  até os 83 anos de idade, e deixou algumas obras inconclusas devido a dificuldade visual. O esperado livro de Vera Spínola será uma excepcional oportunidade de conhecermos melhor o mestre Antônio Valença não apenas como o pintor de grande talento que foi, mas também sua intimidade, o homem através de depoimentos de pessoas da própria família, especialmente seus dois filhos Antônio e Maria Amélia que conviveram muito com ele e conheceram a sua essência. Vera portanto é uma escritora privilegiada por ter estas fontes primárias e ainda a expertise de pesquisar . Devido a pandemia o livro Conversando com a  Pintura de Alberto Valença - Um Romance Biográfico possivelmente será lançado no Museu de Arte da Bahia em junho do próximo ano, quando o pintor completaria 131 anos de existência. Vamos aguardar .