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O artista Littusilva pintando em seu ateliê. |
Vamos conhecer mais um pouco da obra e a trajetória do artista Littusilva, residente na cidade de
Alagoinhas-BA. Ele vem quase diariamente postando uma nova obra no Instagram
para deleite de seus seguidores. É um artista visual criativo e de muitas
habilidades. Já projetou e até construiu casas residenciais, clínicas médicas,
igrejas e móveis. É pintor, desenhista, escultor, e ativista cultural há mais
de cinquenta anos integrado com a cultura da cidade onde nasceu e vive até
hoje. Desde 2001 vem questionando a identidade sociocultural de sua cidade
enaltecendo a herança antropológica e cultural deixada pelos índios tupis e
falando da miscigenação das culturas indígenas e africanas. Para ele muitos dos
elementos culturais atribuídos aos africanos em sua região são na realidade de
origem indígenas. O Littusilva escreveu um livro chamado África Tupi que
publicará em breve defendendo esta tese.
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Quatro obras com a temática indígena feitas em técnica mista sobre papel. |
Sua produção artística atual
reflete esta preocupação com as culturas indígena e africana e ele vem criando
uma série de obras trazendo nos seus traços livres e em cores muitas vezes de
tonalidades fortes figuras dessa iconografia. São homens e mulheres em seus
afazeres, principalmente indígenas com suas ferramentas e símbolos sagrados dentro da visão
contemporânea do artista. Tomei conhecimento da sua obra através dessas postagens
que me chamaram a atenção pela qualidade e temática. Ao manter contato com Littusilva
imediatamente se estabeleceu uma empatia e conversamos sobre sua rica
trajetória de um artista que vem lutando para sobreviver de sua arte com
dignidade numa cidade do interior baiano. Sou do interior e sei que não é fácil
viver de arte, porque as demandas são limitadas, e o artista precisa se prover
de recursos para continuar criando. Hoje as redes sociais, com a sua
visibilidade e abrangência ajudam, mas nem tanto. Muitas vezes a contemplação e
o gostar de uma obra de arte postada nas redes sociais para por ali mesmo, não
avança para uma negociação.
LEMBRANÇAS
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"Mulheres de Lagoinha", obras de Littusilva. |
O Littusilva desde criança está
envolvido com a arte e este despertar se fortaleceu quando no curso ginasial
num trabalho de escola desenhou uma versão do Homem Universal, de Leonardo Da
Vinci, acrescentando elementos sensuais. Isto despertou o interesse de
professores e alunos de sua escola. Aos treze anos de idade seu pai que era
maçom comprou um cavalete, papeis, telas e tintas, e lhe presenteou. Também lhe
deu uma tarefa que foi pintar símbolos da maçonaria para serem colocados nas
paredes da loja maçônica que fundou em Alagoinhas.
Seu pai José Cornélio Ramos era
um artesão que fabricava sapatos sob encomenda para seus conterrâneos. Naquela
época muitos dos sapatos usados no interior eram fabricados nas próprias
comunidades por hábeis artesãos. E o Cornélio fazia além de sapatos, sandálias,
chinelos, cinturões e outros objetos de couro. Já sua mãe Maria José da Silva
Ramos era dona de casa e quando jovem pertenceu a juventude do Partido
Comunista da Cidade de Alagoinhas. Naquela época as ferrovias estavam em pleno
desenvolvimento no Brasil e por lá transitavam vários trens e haviam muitos
ferroviários. É possível que esta militância seja resultado da atividade
sindical na região. Brincando o Littusilva disse que sua mãe “era a único xamã
comunista que conheci”. Isto porque a d. Maria José colocava cartas de Tarô e
praticava outras atividades ligadas à espiritualidade.
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Foto I - Casa residencial. Foto 2 - Clínica médica ; Foto 3 - Catedral de Santo Antônio, com a fachada projetada por Littus . No ano passado foi reformada perdendo sua identidade cultural. |
O Littusilva é autodidata nas
artes visuais, porém concluiu o curso de Técnico em Arquitetura, no Centro
Integrado Luiz Navarro de Brito, em Alagoinhas, que funcionou de 1968 a 1979.
Foi o primeiro curso secundário da cidade e sua turma de Técnica em Arquitetura
foi a primeira e única. Neste Centro foram implantados os cursos ginasial e colegial,
além dos cursos técnicos. Seu objetivo era ser um arquiteto, mas este sonho se
realizou posteriormente com a formatura de uma filha que é arquiteta. Devido ao curso de Técnico em Arquitetura foi trabalhar no escritório do
arquiteto Gildo Improta, que projetou muitos imóveis em Alagoinhas, e depois se
transferiu para outra cidade. O Littusilva se
destacou desenhando projetos no escritória do professor Gildo Improta e na ausência do seu empregador passou a fazer
seus próprios projetos. Fez também o curso de design na EBADE – Escola Baiana
de Arte e Decoração. Aos vinte e cinco anos criou uma construtora e passou a
projetar e construir casas residenciais, clínicas e até reforma de igrejas. Disse que até
a catedral de Santo Antônio, de Alagoinhas, ganhou uma identidade arquitetônica própria
e lá fez um grande painel de concreto. Mas, o atual bispo resolveu reformular e
a identidade sumiu, ficando apenas o painel que representa o santo casamenteiro
conduzindo a comunidade. Nesta catedral tem também um grande galo feito de
bronze de autoria de Mário Cravo Júnior. Littusilva disse que o galo está voltado
para a antiga casa dos pais do escultor. Segundo ele o pai de Mário Cravo foi
prefeito da Cidade, e Mário teria ficado por lá parte da sua infância. O Mário Cravo Júnior o presenteou com um livro
alemão de arquitetura, que foi importante para fazer seus projetos
arquitetônicos, e guarda até hoje. Quando projetava e construía casas e outros
imóveis notou que havia dificuldade em mobiliar as casas e outras construções
modernas por falta de móveis compatíveis.
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Móveis projetados e feitos na marcenaria de Littusilva. |
Aconteceu que diante das constantes crises da economia brasileira
sua construtora foi afetada e decidiu fechar e se dedicar inicialmente a desenhar
móveis. Em seguida montou uma marcenaria especializada na fabricação de móveis
modernos e chegou a ter mais de quarenta funcionários. A clientela era das
classes média e alta e muito exigentes, e ele procurava cada vez mais aprimorar
seus móveis. Porém, sabem que o empreendedorismo não é o forte dos artistas.
Foi se chateando com fornecedores, clientes e com a burocracia estatal terminando por fechar sua marcenaria. O Littusilva confessa que formou muitos mestres de
marcenaria que hoje estão trabalhando em suas oficinas atendendo sua clientela.
Nesta época da marcenaria havia ainda em Alagoinhas muitos bons funileiros e
outros profissionais que trabalhavam na estrada de ferro. Ele afirmou também
que este período coincidiu com seu divórcio da mãe dos seus três filhos, e que hoje
sua ex-mulher e filhos residem em Minas Gerais onde são instrutores de yoga. Declarou
que também chegou a praticar e ensinar yoga. Diante desses fatos aos quarenta e sete anos desistiu
definitivamente de ser empresário e passou a se dedicar à sua arte. Disse que foi
e ainda é um grande desafio para ele. Atualmente pinta e desenha diariamente em
seu ateliê e que também é um militante cultural muito ativo. Nesta sua
militância confessa que após realizar o movimento etnoarqueológico na sua
região conseguiu catalogar vários objetos materiais e imateriais marcantes do
modo de sentir e pensar dos povos tradicionais caiçaras.
PINTURA
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Observem a leveza do traço e a composição equilibrada nas figuras que ele pinta. |
Sua pintura tem uma figuração,composição e colorido diferenciados. Seus traços são livres e cntornam parcialmente as figuras que desenha e pinta. Reconhece que pode ter sido influenciado por importantes pintores inclusive Carybé, o próprio Mário Cravo Júnior, com quem teve uma boa aproximação, mas que atualmente gosta muito do trabalho do pintor paulista Paulo Sayeg. Ele se refere ao Paulo Eduardo Sayeg, nascido em 1960, em São Paulo, e é pintor e desenhista. Porém, enfatiza que hoje tem sua própria linguagem artística e que “não quero desenhar simplesmente o ser humano. Desenho dentro de uma visão e todo o conjunto cultural de uma ancestralidade e conto histórias através dos meus desenhos e pinturas. Extraio da minha memória as figuras dos índios tupinambás, dos vaqueiros que rompem a caatinga em busca de uma rês perdida, e assim vou celebrando e homenageando a nossa gente. Este imaginário e símbolos precisam ser preservados e sempre lembrados porque nós descendemos e também dependemos deles.” E continuou: “Pra mim a arte é o silêncio visível. Procuro trazer para o campo da observação com poesia. Minha arte é uma expressão do silêncio fora das gavetas, algo que provoca no outro uma inquietação."
QUEM É
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Totens que criou nas ruas de Alagoinhas. |
Seu nome de batismo
é Joselito
da Silva Ramos, nasceu em treze de fevereiro de 1953, na cidade de
Alagoinhas, interior da Bahia. É filho de José Cornélio Ramos e Maria José da
Silva Ramos. Poetizando disse que enquanto nascia “o apito longo do trem
anunciava partida. E o caboclo de olhos azuis, o sapateiro poeta,
partia. Deixava esperança e medo na futura Casa Deyse, senti o cheiro da alfazema
e ouvi o som do acordeon. Um grito sussurrado: É Homem! Nasci na oficina do
sapateiro poeta, na cama do belo xamã comunista.”
Conta que sua infância “foi numa
rua de areia branca, perto de tudo: das dores, ao lado da Delegacia; dos
prazeres, à direita, com as doces mulheres da vida; das fantasias, na esquina,
o Parque de diversões; e da sobrevivência, em frente, o Mercado das Carnes.
Aprendi a acreditar em cegonhas, Papai Noel e em Homens Santos. Pintei o belo,
desenhei sonhos. Vi a morte e seus mistérios, vi o som e a cor do tempo… Só não
vi a cegonha, nem o Papai Noel e nem os Homens Santos. Hoje, escrevo, desenho,
pinto e modelo peças mensageiras da minha África Tupi, como Littusilva.” Hoje
ocupa uma cadeira na Academia de Artes e Letras de Alagoinhas.
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Escolhendo objetos de fibras para a Feira de Arte Popular que criou na sua cidade. |
Criou uma Feira de Arte Popular,
em Alagoinhas, para expor os trabalhos dos artesãos locais. Afirmou que foi
muito difícil porque tanto o Instituto Mauá e o SEBRAE não lhes ajudaram nesta
empreitada respondendo que Alagoinhas não tinha uma identidade cultural
peculiar. Foi diante desta negativa que decidiu pesquisar nas feiras livres e
na zona rural do município e recolher os objetos que fabricavam, os costumes, os
símbolos culturais e religiosos. Com ajuda do Laguna Shopping conseguiu reunir
objetos e informações e montou a Feira de Arte Popular. Dai em diante não parou de estudar essas
manifestações procurando mostrar que Alagoinhas tem sim, sua identidade
cultural. Expôs muitos objetos, culinária e informações que hoje lhe permitem
destacar a presença indígena nesses objetos e simbologias resistentes, muitos
dos quais atribuídos de origem africana, quando na realidade são indígenas que
se miscigenaram com a cultura dos africanos que aqui aportaram e se espalharam
por todo interior do país.
ATIVIDADES E EXPOSIÇÕES
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Instalações em cerâmica e um caçuá feito de cipós. |
Em 1972 - Conclui
Curso Técnico de Arquitetura, No Centro Integrado Estadual Luiz Navarro de Brito – ALAGOINHAS; 1973
- FEIRAM- Feira dos Municípios - Primeira exposição individual: Alagoinhas –
Bahia – Brasil; 1983 - Conclui Curso de Design de Interiores na
Escola Baiana de Decoração - EBADE- Salvador; 1985 a 1996 - Torna
responsável do Asilo de Velhos Bezerra de Meneses como voluntário em Alagoinhas ;
1988 - Participa do curso de Yoga - extensão - Universidade
Católica da Bahia; 1989 - Funda em Alagoinhas primeiro Núcleo de
Yôga; 1999 - Coordena a
primeira Campanha da Caminha da Paz em Alagoinhas a convite da Câmara de
Vereadores; 2001 –
Participa da coordenação de implantação da Escola de Pais do Brasil – EPB- em
Alagoinhas; 2015 - Publicações na revista Ponto de Mutação do
curso, Pós Critica de Cultura- Uneb ; 1978 a 80 - Coordena os
primeiros Salões de Artes Plásticas de Alagoinhas - Na Faculdade de Professores
de Alagoinhas.( Semana de Arte e cultura de Alagoinhas); 2001 – Torna-se
membro da Academia de Letras e Arte de Alagoinhas - Funda o Ateliê Coletivo
Waka, no Centro de Cultura de Alagoinhas. – Núcleo de Pesquisa da Identidade Cultural
De Alagoinhas; 2006 - Participa do Salão Regional de Artes Visuais– Alagoinhas
e Ganha o Prêmio de Destaque; 2008 - Participa do Salão Regional
de Artes Visuais do Interior da Bahia como homenageado pelas pesquisas
realizadas e pelo conjunto das obras. -Um dos trabalhos é a identidade Visual
de 2009 dos Salões Regionais de Artes Visuais da Bahia; Participa da Bienal do
Recôncavo da Bahia em S. Félix ; Curador e Organizador da exposição Coletiva de
Artes Visuais na inauguração da Galeria de Arte Mário Cravo, na sede da FIGAM, em Alagoinhas; 2012 - Curador e Organizador do Encontro Mítico -
Coletiva de Artes Visuais no Centro de Cultura de Alagoinhas; 2014- Coordena o Movimento dos Artistas
Plásticos de Alagoinhas - MAPA ; Curador e Organizador da Exposição Coletiva de
Artes Visuais - o Meu Quintal, no Centro de Cultura de Alagoinhas; Curador e
Coordenador da |
Littusilva durante a nossa conversa sobre sua trajetória. |
Intervenção Artística do MAPA no CCA : Os Saberes do Meu Quintal;
Coordenador e Curador da Ocupação Artística no Antigo Matadouro, Anexo do
Centro de Cultura de Alagoinhas, com a denominação de Casa do Boi Encantado, em
parceria com o MAM na Terceira Bienal da Bahia; 2015 – Através a Galeria d’Arte Associazione Culturale da
Itália, participa da Biennale dei Castelli dela Gera d’Adda; 2016 –
Na Casa do Comércio em Salvador expõe na Coletiva de Artes Visuais “Outubro
Rosa”; 2017 - Participa na Anjos Art. Gallery da exposição
coletiva “Encontro de Tons ”; 2018 -
passa a assinar como Littusilva e participa do Le Carrousel Du Louvre; 2019 -
Exposição individual - Galeria Gotelib, Shopping Cassino Atlântico, Rio de
Janeiro; Expõe no Salão de Arte Contemporânea Internacional em Maceió
- AL, como convidado especial; 2022 – Recebe o Titulo Doutor Honoris
Causa – Faculdade de Formação Brasileira e Internacional de Capelania. Este curso de Capelania prepara profissionais para oferecer assistência
espiritual, conforto emocional e suporte moral às pessoas.
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