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sábado, 7 de dezembro de 2024

NEIDE CORTIZO E SUA ARTE DE JUNTAR PALAVRAS E IMAGENS

Neide Cortizo e sua caixa giratória com
imagens e poemas.

 A artista Neide Cortizo é uma coletora de palavras e pequenos fragmentos que vão se juntando com leveza surgindo imagens e poesias. Tem o espírito dos criadores que não se conformam com o normal e procura com sua sensibilidade aguçada encontrar beleza e razão para se expressar através de coisas simples que se depara na sua caminhada por este mundo conturbado. É uma folha seca que se desprendeu de uma árvore no caminho de sua casa, são pedacinhos de antigos azulejos que foram quebrados numa demolição de mais um casarão antigo, são hastes de metal desprezadas e até os retalhos de panos pequeninos que ela cuidadosamente os recolhe e guarda com a intenção que um dia vão lhes servir na construção do seu mundo pictórico. Os tons de suas obras quase sempre são suaves e as linhas finas acompanhando o espírito feminino nas curvas da sensualidade. Numa de suas exposições no convite ela escreveu:” Gosto do fazer humano: a forma, a substância, o desejo. Buscar no feito as marcas de quem o fez, ou com o olhar mais longe, adivinhar premissas, me faz sentir parte dessa sequência, que é, para mim, o espírito do homem. Espírito que imagino ser uma escrita antiga, da qual cada um, em exercício de herdar e legar, se apropria, acresce e passa. O que nos possibilita – e assim seja – acrescentar novos sinais, marcas da passagem pela vida”. Foi premiada na Flip de Literatura, em Parati, Rio de Janeiro, em 2009, na Categoria de Poesia, Nacional/Exterior; no Concurso do Banco Capital, em 2004 ; Prêmio Copene de Cultura e Arte, em 1977, além do Charge/Cartaz - Prêmio Humor Gráfico, nacional, da Fundação Cultural do Estado da Bahia, em 2011.

Obra que lembra um lar sendo desfeito pelo vento.
A Neide Cortizo é graduada em Artes Plásticas e Mestre em Letras pela Universidade Federal da Bahia. Estudou Psicologia durante dois anos, mas resolveu abandonar o curso e optar pelas Artes Plásticas. Tem alguns livros de poemas e de literatura infantil publicados e sempre está misturando as suas poesias com as imagens plásticas de suas obras. Certamente ela foge do padrão dos artistas que já entrevistei falando de suas trajetórias porque divide o seu tempo entre o fazer artes plásticas e a literatura. Este seu trabalho intelectual se manifestou desde a juventude quando estudava no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, da professora Anfrísia Santiago . Juntamente com mais três colegas fundou um jornal onde questionavam muitos valores que eram defendidos pela educadora baiana. Dois quadros na parede de seu apartamento, no bairro da Barra, me chamaram a atenção. Um inspirado no sonhador Dom Quixote, de Cervantes empunhando sua longa lança, e o outro o personagem 
Um díptico do Riobaldo percorrendo as
terras áridas do sertão.
Riobaldo, de Grande Sertão: Veredas, romance modernista experimental de 1956 escrito pelo mineiro João Guimarães Rosa. Ela pintou o Riobaldo com seu porte altivo e durante a trama ele também é chamado de Tatarana ou Urutu-Branco. É um ex-jagunço letrado e inteligente que procura respostas para questões filosóficas, entre elas a existência do diabo. Ambas as obras foram pintadas por Neide Cortizo num tom azul suave dentro de um clima de sonhos. Portanto, vemos novamente que o sonho e personagens sonhadores são de alguma forma presentes no seu imaginário. Quando conversamos ela falou que seu pai era piloto de teco-teco e que vivia viajando nas nuvens em busca de seus sonhos. Talvez aí esteja um pouco desta influência da artista perseguir os seus sonhos e se expressar através de suas obras plásticas e da poesia, segmentos onde o ser humano encontra espaço e ambiente para revelar os seus desejos. A propósito ela fez um poema sobre os seus pais que é revelador.Vejamos : "Era uma vez /um alheio moço Azul /apaixonado/por esquiva, linda Senhora./Ele loucamente a queria / e vivia de ares./ Ela colhia raízes e o desejou./Ele andava em nuvens/no chão perdia a passada/ a ela, de memórias plantadas/qualquer brisa assustava./Um, o outro não alcançava, /se amavam e eram infelizes."

Neide ao lado da obra com imagem
e poema sobre seus pais.
Falando sobre seu trabalho artístico disse: “Em momentos e situações diferentes – em casa, na rua, sozinha ou em grupo – gosto do olhar que divaga e associa. Um olhar que conecta pessoas, lugares, fatos de inúmeras formas/ possibilidades. E soma-se ao olhar, o desejo de dividir essa percepção, estimular outras (inquietar, tocar o outro, um outro, outros mais). A meu ver, assim é a minha lida com a Arte em suas diversas formas. Fragmentos de objetos, de conversas escutadas podem nos provocar, convocar a imaginação – (O que, como, de quem?). Cada um deles, me parece trazer em si chances de continuidades, de histórias e eu, penso em hipóteses e possibilidades – subjetividades anônimas.  Pequenas partes vistas, ouvidas a nos trazer ideias, desejos de possíveis e impossíveis sequências, novos objetos e/ou utopias... Embarco. São imagens que levo e trago comigo, que risco, rabisco... Do convívio e das tantas intersecções surgem os trabalhos. E esse amálgama, o mesclar de percepções prossegue nas decisões sobre técnicas para apresentá-las. Talvez por isso, quase sempre, a escolha da expressão plástica (quadros, esculturas, objetos, livros, outros) inclua recortes, colagens, pinturas, textos. Por vezes divergem entre si, mas isso também faz parte.

                                                                 QUEM É

Neide falando de seus livros de
poemas.
O seu nome de batismo é Neide Cortizo Andion nasceu em Salvador no dia vinte de julho de 1950. Filha de Manoel Cortizo Barrero e Carmen Andion Cortizo. Moravam no quarto andar do mesmo prédio onde funcionava a Loja Marconi, vizinha à Sorveteria Primavera, no Relógio de São Pedro. A loja era de seu avô materno Eugênio Andion Camiña e depois foi tocada por seus tios. Lembrei que a loja vendia máquinas de costura Singer e as bicicletas Monark, que eram tidas como um desejo de consumo dos jovens daquela época. Quando casou passou a assinar Neide Cortizo Andion Bellintani, ficou viúva e está no seu segundo relacionamento.

Com uma boa memória Neide Cortizo disse que próximo de sua residência existia a Livraria Santa Cruz, onde comprou os primeiros livros. A família ocupava apenas o quarto andar e o térreo com a loja Marconi no prédio onde moravam e que os demais andares eram alugados a terceiros. Depois foram morar numa casa no bairro da Graça, na Avenida Euclides da Cunha, vizinha a casa de seus tios. Disse que teve uma infância rodeada de tios, primos e primas e que para facilitar a comunicação entre os familiares foi aberta uma porta lateral ligando as duas casas.

Neide Cortizo faz  ilustrações dos seus 
livros de poemas e os infantis.
Fez o curso primário na Escola Nossa Senhora de Brotas. A escola antes funcionava no bairro de Brotas, e foi transferida para o bairro da Graça, mas que a proprietária conservou o mesmo nome. Já o curso ginasial concluiu no Instituto Feminino da Bahia, no bairro de Politeama. Foi em seguida fazer o magistério no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, no bairro de Nazaré. Foi quando fundou um jornal com mais três colegas e as publicações começaram a incomodar professores e a diretoria do colégio culminando que ela e suas colegas do jornal da escola na hora da formatura ficaram de fora e não usaram a indumentária da solenidade. Depois os pais foram ao colégio receber o diploma de formatura.

Quatro livros infantis de
sua autoria.
Logo que terminou o magistério fez vestibular em 1968 para Psicologia, na Universidade Federal da Bahia. Cursou apenas uns dois anos e já adulta decidiu ir morar em São Paulo. Lá trabalhou ensinando Espanhol. Disse que enquanto fazia o colegial e magistério em Salvador  também estudou Espanhol e Francês, línguas que fala até hoje. Na capital paulista passou a ensinar Espanhol para jovens que iam fazer vestibular e dava banca de reforço escolar para outros estudantes. Lá casou com Milton Bellintani e teve seus filhos. Três anos depois em 1972 decidiram voltar para Salvador. Nesta época não tinha jubilamento e poderia ter retomado seu curso de Psicologia, mas resolveu fazer vestibular no ano seguinte para a Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia. Trabalhou durante vinte e seis anos no IRDEB.

Obra a Iemanjá guiando os Descobridores.
Lembra que fez sua primeira exposição  na Galeria do Aluno, na Escola de Belas Artes, e que o cartaz que anunciava a coletiva dos alunos foi feito por ela. Em 1998 finalmente fez sua primeira mostra numa galeria fora dos muros da Escola de Belas Artes, desta vez na Galeria ACBEU. Ainda nesta época Neide Cortizo disse que curtia muito o básico e assim não fazia catálogos de suas exposições, e sim convites no formato de um cartão, com apenas uma folha.

Em 2001 começou a misturar suas obras plásticas com poemas e imaginou que queria fazer uma apresentação tridimensional. A solução foi a criação de caixas de acrílico ou vidro com uma base de madeira giratória. Assim, o apreciador de suas obras vai girando e vendo suas pinturas, desenhos e os poemas. Numa mesma caixa giratória ela pode colocar três ou quatro lados e cada lado com uma ou mais pinturas e poemas.  Tem ainda as caixas fixas com apenas uma pintura e poema. Ela me mostrou uma dessa caixas giratórias com pequenas aquarelas feitas pelo pintor argentino Alejandro Kanterminof entremeadas por  poemas de sua autoria. Neide Cortizo disse que o argentino é um grande aquarelista, e que já retornou à sua terra natal.

                               EXPOSIÇÕES E OUTRAS ATIVIDADES

Convites de exposições de Neide Cortizo.
INDIVIDUAIS: 1997 – Instituto Cultural Brasil-Alemanha ICBA, hoje Instituto Goethe ; Restaurante Noigandres , no bairro do Rio Vermelho, Salvador-Ba. Este restaurante era de uns paulistas ligados ao movimento de poesia concreta; 1998 - Galeria da Associação Cultural Brasil- Estados Unidos, ACBEU, Salvador-Bahia; em 2001 na Mage Decorações, Salvador – Ba.

COLETIVAS – Oficinas de Expressão Plástica , no Museu de Arte Moderna da Bahia; Exposição Galeria Abaporu -Arte Contemporânea; Bienal do Recôncavo em São Félix-Ba; I Mostra do Design Gráfico da Bahia, no Desenbanco; Exposição Comemorativa do Dia Internacional da Mulher, no Teatro Gregório de Matos; Exposição Artistas Pintam a Primavera, na Galeria Abaporu; Exposição Diverso ; Leilão do GACC, no Museu de Arte Moderna da Bahia; Exposição na Galeria Acbeu de Alejandro Kantemirof, participação especial. Este artista argentino confessa ser apaixonado por pequenos formatos ; Exposição Comemorativa dos 30 Anos da Galeria ACBEU; Exposição Comemorativa do Aniversário do Teatro Vila Velha; Exposição Mercado Cultural, na Galeria da Caixa Econômica Federal , com trabalhos conjugando imagem/texto e imagem plástica; Exposição Nós Mulheres na  Galeria do EBEC ; Exposição Acervo de Matilde Mattos, no Palacete das Artes, Museu Rodin.

43 comentários:

  1. Tania Risério d'Almeida Gandon
    Fico sempre encantada com sua forma de sentir, de fazer e de dizer. Parabéns, amiga.

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  2. Maria Das Graças Santana
    Parabéns, lindos trabalhos artísticos. Sucesso

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  3. Carmen Carvalho
    Belo trabalho Neide Cortizo ! Parabéns.

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  4. Elizabete Lopes Johansen
    Bom ver mais e mais talentos ! Parabéns ai a artista Reynivaldo vc sempre nus dando esse prazer!!

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  5. Lígia Aguiar
    Belo trabalho de Neidinha como a chamamos. Colega da EBA, do IRDEB e parceiras na exposição Lígia&Neide, na Arte Abaporu, nos anos 90. Eu com os símbolos Afros e Neide com caixas de vidro em que mostrava uma figuração refinada da mitologia grega e se lembro bem, a poesia já marcava presença nas suas composições. Bela mostra.
    A artista segue criando com um fazer bem autoral, compondo belos e delicados trabalhos. Suas ilustrações para livros infantis são tão incríveis que eu adquiri para mim e dei de presente também para amigos. Adoro... É uma grande artista e poeta, que o Reynivaldo nos mostra agora num texto ágil e prazeroso.

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  6. Maria Maxixe
    Arte é arte tem para todos os gostos .
    Bom dia querido Rey !

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  7. Armando Correa Ribeiro
    Você é um grande biógrafo com alto poder de síntese. Parabéns amigo

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  8. Florival Oliveira
    Lindo o seu trabalho!
    Tempos longos e criativos!
    Felicidades!
    Meu grande abraço e alegria de te ver!

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  9. Guache Marques
    Feliz com essa reportagem sobre a amiga artista e poeta Neide Cortizo num texto leve e abrangente de Reynivaldo Brito que segue documentando as artes plásticas na Bahia.

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  10. Oliveira Brown
    São bem interessantes os trabalhos de Neide Cortizo. Uma vertente diferente.

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  11. Jorge Nascimento Silva Nascimento
    Mestre Reynivaldo Brito ler um texto desses é viajar no reco reco entre as nuvens, em formas de letras, de mãos dadas com a artista e o criticomde.artes, pairando sobre nuvens, montanhas ,cumes e florestas...não tem como rapaz... Caramba... Parabéns pelo texto poesia Mestre. Vou reler!!!!

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  12. Elisa Romano Galeffi
    Parabéns Neyde pelo seu lindo trabalho visual e literário!! 👏👏👏👏👏👏
    Reynivaldo contou lindamente sua trajetória!👏👏👏👏

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