JORNAL A TARDE - SALVADOR,
TERÇA-FEIRA, 19 DE JULHO DE 1982.
SONHO E A REALIDADE DA COR
INEXISTENTE
A exposição de Israel Pedrosa é
composta de quarenta e dois trabalhos, sendo 13 serigrafias e 29 originais e
fica aberta ao público no Museu de Arte Moderna até o próximo dia oito de
agosto.
Lá você tem uma idéia perfeita da
importância dos estudos teóricos deste artista que vive mergulhado nas
variações da cor. Pude ver de perto, de lado e guardando uma distância
significativa o que ele chama de A cor
inexistente e que para alguns pode parecer apenas uma ilusão ótica.
Sobre a exposição, confesso que fiquei
entusiasmado por ver ali representada a tese porque tanto se bate Israel
Pedrosa.
Sua pintura é complexa porque
traz em seu significado um fenômeno físico que precisa ser entendido através
das tramas. Tive oportunidade de perceber os volumes, as fitas em movimento,
tudo fruto de combinações, de figuras geométricas que seguem linhas retas, embora
pareçam composições semicirculares. Israel Pedrosa brinca com a cor inexistente
no seu mundo de sonhos e nos brinda com imagens multicoloridas através de suas
figuras geométricas que dançam em nossos olhos como figuras cheias de vida. São
mutações, vibrações e refrações numa combinação de luz e cor que enchem a visão
de qualquer espectador. Noutros, as linhas retas multicoloridas parecem emitir
harmoniosamente sons musicais que deleitam nossos ouvidos.
O artista vive assim mergulhado
num universo de sons, luzes e cores que estão combinados numa linguagem
perfeita. E, o poeta baiano Telmo Padilha quando em seu poema “Três motivos de
Israel Pedrosa”, diz “porque o tom hesita / entre o negro e o verde / não é uma
árvore que vejo”. Sim, não é uma árvore de verdade, daquelas que você pode
descansar em sua sombra. Mas é uma árvore que dança e que tem vida. É exatamente
nesta hesitação dos tons que Israel Pedrosa vive o seu sonho e concebe.
Com uma cor, por exemplo, o
vermelho, Israel é capaz de criar um quadro com várias tonalidades de vermelho.
Basta olhar de vários ângulos e
distâncias. Você é capaz de ficar horas a fio andando de um lado para outro, se
aproximando e se afastando em busca de novas sensações. E neste exercício e
neste sonho você fica feliz quando acorda e encontra a cor inexistente, que é a razão maior do trabalho de Israel
Pedrosa.
O homem sempre sentiu uma grande
atração pela cor. Nos momentos mais importantes de sua vida a cor está
presente. Coloriu o corpo nu e quando resolveu protegê-lo também coloriu as
vestes. Nas horas de alegria, euforia ou tristeza e cor tem excepcional
distinção.
As festas e as danças sempre
foram momentos para a presença das cores fortes.
Quando vai caçar ou guerrear e
até mesmo a uma cerimônia fúnebre escolhe as cores de acordo com a ocasião. O
branco que significa paz e o preto luto.
São elementos da linguagem simbólica
universal. E, esta linguagem colorida está impregnada em tudo que o homem faz.
Se duvidar, destas afirmações
lembre, dos sinais luminosos do trânsito, dos multicoloridos carros que correm
pelas avenidas e das vitrines das lojas. E, neste festival de cores o homem
sempre tem uma preferida. Uns gostam e se identificam com o vermelho, outros
com o verde e existe até “quem goste do amarelo”. O processo de colorir se
desenvolveu de tal sorte que existem milhares de cores. Foi por essa razão que
as cores passaram a ser identificadas pelo cumprimento de suas ondas. Para
falar de cor esteve em Salvador um estudioso do assunto que é o professor e
pintor Israel Pedrosa. Ele realizou um curso e tem uma exposição no Museu de
Arte Moderna da Bahia sobre “A cor inexistente”. Segundo ele, a cor inexistente
é uma janela aberta para o sonho.
Ora, como vivemos num mundo que
necessita cada vez mais de sonhos convido-os a sonhar.
Fiquei sabendo que Israel Pedrosa
pinta desde os 10 anos e que seu contato com Cândido Portinari foi definitivo
para que se apaixonasse pelo estudo da cor.
Esteve na França estudando e
pintou muitos quadros históricos. Até 1963 foi figurativo e sempre saía para os
subúrbios do Rio de Janeiro em busca de paisagens simples para retratá-las. Um
caminho inclusive seguido por muitos pintores famosos e semelhante até ao caso
do velho e sempre criativo Volpi, apaixonado pelos arredores de São Paulo.
Foi numa dessas andanças pelo subúrbio
do Rio que num certo momento percebeu que uma lavadeira ao estender seus
lençóis brancos na relva resultava num fenômeno que não era uma ilusão ótica.
Os tons brancos, terras e amarelos queimados, que surgiram lhe impressionaram.
Foi o acaso que gerou o início de
seu trabalho que já consumiu quase duas dezenas de sua existência. Um caminho
que teve início com a simples observação espontânea e que depois,
transformou-se em científica com um trabalho cuidadoso de laboratório com toda
uma sustentação teórica. Para ele isto é um fenômeno físico que conseguiu
reproduzi-lo em 1966 com a variação de muitas cores.
Pedrosa observa que muitos
pintores têm intuitivamente uma harmonia cromática muito grande e que isto
ajuda muito na hora da criação. Mas ressalva que mesmo a pessoa que tem um
conhecimento técnico da harmonia cromática não quer dizer que forçosamente seja
um pintor de categoria.
Lembra a seguir que os nossos
índios demonstram em suas indumentárias um conhecimento intuitivo muito
profundo da harmonia cromática, e que pessoalmente, visitando um museu no
exterior encontrou uma harmonia significativa em cocares feitos na cor amarela,
em várias tonalidades, de uma tribo do Amazonas.
Quando indaguei sobre as
aplicações práticas de seus estudos sobre A Cor Inexistente Israel Pedrosa
revelou que seu estudos serviram até para corrigir e selecionar imagens em
busca de um padrão. Disse ter trabalhado com o pessoal da Globo num projeto
visando melhorar o padrão da imagem da televisão evitando as misturas de cores
que sempre resultavam em imagens distorcidas. “Hoje a Globo tem uma pureza
cromática muito boa e até já faz parte do seu padrão que conhecemos por padrão
global”. Também como pintor tenho usado esses efeitos que vão surgindo em sua
preocupação cromática. E, para enriquecer seus conhecimentos sobre a cor sempre
teve a ajuda e colaboração efetiva de seus colegas artistas e amigos. “Tudo que
eles observavam me transmitiam e eu ia anotando e refletindo”.
Seus estudos tem muita aplicação
na feitura de logotipos, módulos e num certo ano até na decoração do carnaval
carioca. Mas, seus estudos ganharam tal presença em vários segmentos das artes,
que hoje quase muita gente não percebe que é fruto do trabalho de Israel
Pedrosa. Passou para o domínio público, que em sua opinião é exatamente este
reconhecimento que mais enaltece o trabalho de qualquer pessoa. Tenho refletido
sobre as coisas que passam para o domínio público, e a gente não sabe quem
descobriu. Basta dizer que o liquidificador, às vezes até usado por pintores
abstratos para misturar superficialmente as cores e depois lançá-las por sobre
o suporte e que tem múltiplas utilidades ninguém sabe quem o descobriu. Sabemos
que Santos Dumont inventou o avião. E a máquina de lavar? O fogão com raio
laser? O computador? Enfim vivemos num mundo de descobertas tecnológicas em grande
escala. A maioria desenvolvida em laboratórios das multinacionais por equipes,
muitas vezes até separadas geograficamente embora desenvolvendo o mesmo
projeto.
Outra aplicação importante da cor
está sendo desenvolvida atualmente em vários centros de pesquisa no tratamento
de doenças psicológicas. Consiste na utilização das cores em intensidade que
variam de acordo com a situação psicológica de cada indivíduo.
Os banhos de infra e ultra
vermelhos ou violetas usados agora mais intensamente em tratamentos de
pacientes portadores de distorções psicológicas.
A Cromoterapia é utilizada
acompanhada de ruídos especiais de acordo com a destinação. Por exemplo, ruídos
quase imperceptíveis combinados com banhos de luz em azuis tênues levam o
paciente a um estado de descanso e posteriormente
de sono. Focos de luz fortes com muitos ruídos a um estado de excitação.
Também na indústria as cores têm
uma utilização importante. Os locais onde estão as máquinas que oferecem perigo
aos operários são pintados de vermelho ou laranja, assim condiciona os reflexos
de cuidado, de perigo. No resto do maquinário surgem as cores azuis e ou verde
musgo. Quando pensamos num hospital lembramos-nos do branco dos lençóis, dos
trajes do pessoal médico e paramédico. Além dos choques elétricos tão utilizados
no passado para tratamento psiquiátrico e hoje, os tão comuns banhos de luz.
Não custa salientar que luz é cor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário