JORNAL A TARDE, TERÇA-FEIRA, 27 DE SETEMBRO DE 1982.
RESCÁLA TEM EXPOSIÇÃO HOJE EM SUA HOMENAGEM
O mestre Rescála fundador do Núcleo Bernadelli e professor
da Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia está de volta com
uma importante exposição em sua homenagem que será aberta, hoje, às 21 horas,
No Bahia Othon Pálace Hotel. São setenta e dois anos de idade e cinqüenta e
dois anos dedicados à arte. Uma existência pacífica e rica em criatividade.
Ninguém pode escrever a história da arte no Brasil sem mencionar sua presença
ativa como membro do Núcleo Bernadelli, sem esquecer também que durante anos a
fio trabalhou na restauração de importantes obras como funcionário do antigo Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional – Iphan.
Quando completou setenta anos foi realizada uma exposição
retrospectiva, em junho de 1980, no Museu Nacional de Belas Artes, m no Rio de
Janeiro, a qual dedicou às seus companheiros do Núcleo Bernadelli, que era
composto por Milton Dacosta, Takaoka, Edson Mota, Ado Malogoli, Pancetti,
dentre outros. Ele se reuniam durante as noites e nos fins de semana nos porões
da Escola Nacional de Belas Artes.
A humildade e a coerência de linguagem pictórica são dois
fatores importantes para a compreensão de sua obra e de sua pessoa. O mestre
Rescála transborda humildade que contrasta com a grandiosidade daquilo que
produz. Tem uma linguagem plástica definida e inconfundível, principalmente
quando a temática gira em torno do casario e da gente baiana. Esta
individualidade estilística como afirma outro mestre e seu contemporâneo
Clarival Prado Valadares “é irrecusável reconhecer-se quando a paisagem nativa
e humana na Bahia dosaram a sua linguagem, quanto interferiram na formação do
seu vocabulário, desde o referencial da pintura de gênero, até as fugas
surrealistas, traduzíveis como arte do fantástico, quase sempre esteadas na
fabulação mística baiana”.
Na semana passada, numa cerimônia informal, realizada em seu
apartamento, no Campo Grande, com a presença de familiares e uns poucos
convidados, o mestre Rescála recebeu o título de Cidadão de Salvador, uma
homenagem justa e, a meu ver, até tardia, porque ele já deveria ter recebido há
muito mais tempo.
No livro Bahia de Todos os Santos, o escritor Jorge Amado
admirador de sua arte e de sua pessoa diz: ”Este pintor Rescála, filho de
levantinos, herdeiro da cultura do Mediterrâneo, amoroso das igrejas e das baianas
de torso e bata, é um benemérito da Cidade do Salvador, que um dia o acolheu e
ele se entregou, pois, entre os preferidos, a Bahia conta com os árabes, jamais
soube resistir ao Oriente. Não só porque a pintou mil vezes em seus quadros -
praias, barcos, velames, igrejas, mulatas, casario – sempre com a mesma emoção
e o mesmo amor profundo, mas porque salvou tesouros da arte num trabalho
silencioso, não, porém, menos importante”.
NÚBIA FAZ SUA PRIMEIRA INDIVIDUAL NO MÉRIDIEN
A artista Núbia Cerqueira está expondo vinte e cinco
trabalhos na Galeria do Hotel Méridien até o próximo dia 7 de outubro. É a sua
primeira exposição individual e ela brinda os baianos com seus casarios,
marinhas e paisagens campestres. Conheço Núbia há vários anos e estou
acostumado a vê-la sentada em frente à prancheta diagramando as páginas de A
Tarde. Muitas vezes trabalhamos juntos quando substituo o editor da primeira
página, José Curvelo. Portanto, é uma convivência de colegas. Fiquei feliz em
vê-la transportar para as telas suas emoções, seus sentimentos e visões de uma
atmosfera calma, bem longe das conturbações do mundo moderno. O seu mundo é
outro, certamente, Núbia é uma pessoa quase que ingênua, embora seja mãe. Seus
olhos como que estão fechados para as coisas que não nos agradam. E vemos e
constatamos isto, quando olhamos esta coleção de quadros onde a figura humana
não tem muita importância na composição plástica. Seus velhos casarões, os barcos
ancorados em portos desertos ou singrando mares imaginários e até mesmo as
paisagens campestres nos dão esta certeza. Esta tela que aparece na foto é uma
das poucas onde a figura humana se destaca e aparece em primeiro plano.
Repetindo o que escrevi no catálogo de sua exposição reafirmo que sua pintura
reflete a sua existência. Uma tranqüilidade muitas vezes não compreendida em
sua extensão e agora é revelada de público em toda a sua essência nos volumes e
cores de suas telas. Veja como as ruas são semi-desertas, os céus de fins de
tarde e o mar calmo!
É verdade que Núbia está iniciando os primeiros passos em
busca de uma linguagem plástica mais significativa e que dentro de alguns anos
quando olhar para trás verificará quantas etapas já foram consumidas em busca
de melhor qualidade e expressão. Tenho certeza que seu andar sem pressa, a sua
persistência e a criatividade tão peculiares em sua personalidade, lhes garantirão
a vitória!
FIGURAS DE RENATO DA SILVEIRA EM MOVIMENTO
Com o crayon e com afeto, o artista Renato da Silveira está
expondo seus últimos trabalhos até o dia 30 na Editora Currupio, que fica na
Rua Fraguer Fróes, 63, na Barra. Segundo ele o objetivo da mostra é manter um
contato com seus amigos e com o público para tomarem conhecimento do que está
produzindo atualmente. Depois de seis anos em Paris “a minha pintura foi se
modificando quase que imperceptivelmente, de modo que o que ora apresento na
Corrupio surpreende as pessoas que já me conhecem, e não tiveram oportunidade
de acompanhar de perto minha transição”.
Explicando as mudanças do rumo de sua arte Renato da
Silveira acha que em primeiro lugar, as proporções estão mais reduzidas, por corresponderem
melhor ao momento de intimismo que está vivendo. “Mas este – assegura – é também
um momento de grande saudade de minha terra, e talvez por isso meus personagens
tenham ficado menos africanos e mais brasileiros, baianos. São pessoas que a
gente encontra em toda parte, no Porto da Barra, na Liberdade, na Boca do
Rio... Em seguida, as figuras que eram estáticas ganharam movimentação e o gesto
se animou: os meninos e as meninas dançam, jogam e desabrocham”.
“E continua Renato: “Mas o gesto nunca é inteiramente
identificado: mesmo o menino que mata uma bola no peito pode estar” apenas”
voando, e a bola pode ser um Sol. Na verdade, o que me interessa não é o que
eles estão fazendo,mas a intensidade corresponde a uma alegria de estar aqui e
agora, a um prazer de viver o próprio corpo, a uma sexualidade e a uma
felicidade sensorial que raramente encontro entre os europeus.
Apesar de atualmente meus trabalhos serem minúsculos, de
técnica delicada, cheios de ternura, quase frágeis, eu continuo à procura de
uma potência de sentimento e de uma intensidade da expressão artística que vai
buscar sua razão de ser na existência descomplicada, na complexidade e na
beleza do gesto mais banal. Em uma palavra, na riqueza da vida interior.
Talvez por isso minha sensibilidade permaneça bem próxima do
tipo de sensibilidade forjada pela magia afro-brasileira. “Só que antes eu
fazia deuses que eram pessoas; agora talvez eu esteja fazendo pessoas que são
deuses”.
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