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sábado, 20 de dezembro de 2025

NILA CARNEIRO E SEU MURALISMO CONTEMPORÂNEO

Nila Carneiro trabalhando no mural da mãe 
de santo Stella de Oxóssi, 2017.
A muralista baiana Nila Carneiro é dessas mulheres que aceitam desafios de subir em andaimes com mais de dez metros acima do solo e ficar horas e horas manejando o pincel e outras ferramentas para deixar numa parede de grandes dimensões a sua arte. Esta feirense vem se destacando como uma das principais artistas da arte urbana contemporânea não somente na Bahia, mas porque não dizer,  breve em todo o nosso país. Iniciou fazendo desenhos dos rostos dos parentes, vizinhos e amigos, e assim foi fortalecendo o seu dom de criar imagens que nos encantam pelo traço e as tonalidades que usa. Gosta também de pintar as flores e plantas porque segundo ela é a sua busca por representar “o feminino associado ao selvagem e conectado com os símbolos da natureza”. Nila é intensa e tem murais em ruas, lojas, creches, hospitais e muitas outras instituições com temas os mais diversos. O seu traço serve como um condutor de comunicação imediata com as pessoas que se deparam com um desses murais e param alguns segundos para olhar e examinar suas formas, suas cores e as mensagens que a artista deixou ali para serem decodificadas.

 Mural em homenagem a São Jorge no
Ogunjá com 1.800 metros , em 2021.
A artista é graduada em Design Industrial pela Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia, e além de muralista atua como designer e ilustradora. Sua arte é livre e carregada de significados o que podemos constatar em pequenos recortes onde ela se expressa nas redes sociais. Num deles escreveu:
“Há muitos anos deixei o teto da violência. Lembro da primeira vez que vi o mar aos dezenove  anos e respirei a leveza do que seria a minha desesperada liberdade. Chorei muito sem perceber que já́ era livre o suficiente pra demonstrar alguma fragilidade e foi um lindo encontro entre o mar de dentro e o mar de fora. Um lindo encontro de almas / águas salgadas.” Esta intensidade de sentimentos serve de energia para preencher grandes espaços com suas formas e criações fundamentadas na sua realidade feminina. Nila Carneiro faz uma arte livre e impregnada desses significados particulares com a sua aguçada percepção de mulher. Após pintar um mural representando a pele, que é o maior órgão do corpo humano, assim se expressou:Representar graficamente o maior órgão do nosso corpo é um desafio afetuoso. Olhar pra si mesmo e para o outro. Perceber e significar nossas diferenças, cicatrizes, variações de cor, a beleza de cada detalhe presas neste tempo/espaço. Significar esse invólucro intermediário entre o interno e o lado de fora e seus atravessamentos nos permite sentir o mundo e pertencer a ele.”
Conciliou sua carreira artística com a profissão de designer no Teatro Castro Alves, Funceb até recentemente . Foi de 2010 a 2019 Designer e Coordenadora de Design na Sede da Fundação Cultural do Estado da Bahia, Funceb, entidade vinculada à Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, SecultBa, onde já produziu inúmeras peças gráficas, publicações, catálogos e ilustrações, marcando também sua trajetória no campo das artes da Bahia. Foi responsável, de 2013 a 2015, pela identidade visual e direção de arte do Lalá Multiespaço, espaço cultural multilinguagem localizado no Rio Vermelho, em Salvador.
Uma bela ilustração de Nila Carneiro.
 Em 2024, pintou um mural no prédio da Secretaria de Sustentabilidade e Resiliência de Salvador, Secis e criou a arte base do Festival Literário e Cultural de Feira de Santana, Flifs, sendo uma das homenageadas do evento. Foi convidada pela Brahma para criar um mural em homenagem ao Bar da Curva, em referência ao lançamento do filme O Auto da Compadecida II, em Campina Grande - PB. Também desenvolveu duas artes exclusivas para a Danone, indústria alimentícia em uma ativação de marca na Praia do Forte, na Bahia. Participou da campanha Só Havaianas  com o mural Caminho se Abre Andando, na Igreja da Penha, bairro da Ribeira, em Salvador. Em 2023, retratou Maria Odília — a primeira médica negra do Brasil — em quatro pinturas e um mural para a Escola de Saúde Pública da Bahia. Foi a primeira artista a ocupar o monumento Caixa D’água do Tomba, ícone de Feira de Santana, como parte do projeto Narrativas Visuais do SESC-BA, em uma residência artística. Integrou a comissão de Seleção dos Salões de Artes Visuais da Bahia e criou os murais KAO, para o fashion Film Cor de Pele / SPFW da marca Dendezeiro, e Mãe, uma pintura no apartamento onde moraram os pais do ator Lázaro Ramos, hoje o imóvel foi transformado numa ONG para acolher pessoas resgatadas do trabalho análogo à escravidão. Em 2022, participou da campanha Pinta a Rua, promovida pela Vivo, com ilustrações que viraram filtros interativos para celular. Em 2021, criou uma arte exclusiva para o YouTube Shorts, participou de uma ação mural para o Nubank durante o Afropunk Bahia e colaborou com a Adidas em uma intervenção artística na camisa Pride do Flamengo. Seu trabalho também teve projeção internacional: em 2019, foi convidada pela marca Ipanema para compor a coleção Ipanema Graffiti
Mulher entre as ervas na SECIS,
no Comércio
.
Entre suas grandes obras em Salvador, destacam-se: Larissa Luz, no Dique do Tororó, parte do projeto City Forests da Converse All Star; em 2020 o mural São Jorge Protetor na Av. Ogunjá – maior mural do Nordeste, com 1.800m2. Em 2019 - Mulher Selvagem e Resiliente, no Comércio – para a Secretaria Municipal de Sustentabilidade, Inovação e Resiliência. Em 2018 o mural - Mãe Baía , no Baêa Sauipe Resorts, Costa do Sauipe;  Em 2017 - Grande Mãe na Creche Mãe Nildete, Alto de Coutos – campanha O Bem Inspira da Rede Bahia;  Mãe Stella de Oxóssi – O Nosso Tempo é Agora, no  Conselho Regional de Enfermagem da Bahia, Barris ; Em 2016 - Mulher - Natureza Selvagem, no Hospital da Mulher, Largo de Roma,  em parceria com Sista Katia;  Projeto Mural da Receita Federal, Salvador-BA; Mural Águas Fluviais na Nova Concha Acústica, do Teatro Castro Alves, Campo Grande, em parceria com Sista Kátia;  Oxum e a Cidade das Mulheres , no  prédio da Receita Federal, Comércio – parte do Projeto Mural. Em 2015, expôs no projeto Eyes of The Street em Londres. Em 2013, teve uma ilustração publicada no Calendar of Tales, uma parceria entre Neil Gaiman e Blackberry, e na revista Latidos Visuales – Las Mejores Ilustraciones Latinoamericanas 2013, sendo finalista do Prêmio de Ilustração Latino-Americana, em Palermo. Participou das edições do Circuito das Artes em 2013-2016, em Salvador e publicou ilustrações na editoria Mestres da Cultura do periódico Agenda Cultural Bahia entre 2010 e 2013. Ilustrou o livro Na Nossa Pele, Continuando a Conversa, autoria de Lázaro Ramos. Festa Oferendas do LáLá Multiespaço -2014 e 2013, Salvador-BA. Fez poucas exposições porque sua atividade  de muralista não lhe permitiu tempo disponível para realizá-las. Porém, algumas coletivas  marcam até o momento sua trajetória: Exposição Rítmos Visuais: uma jornada pela História da Micareme, no Sesc de Feira de Santana-Bahia e a Exposição Josephine Baker 50: Uma História de Ativismo, Engajamento e Resiliência por Nila Carneiro. Em 2013 - Expo Inverno Astral no Espaço Xisto Bahia-Salvador-BA. Em 2012 - Boutique Jezebel, Salvador-BA; Expo Súbita no Lalá Multiespaço Salvador-BA; Festival Internacional Vivadança, no Teatro Vila Velha, Salvador-BA.

                                              HISTÓRIA

Mural em Lauro de Freitas-BA , 2017.
A artista Nila Carneiro Almeida, este é o seu nome de batismo, nasceu em vinte e um de junho de 1983 na cidade de Feira de Santana, interior da Bahia, seu pai Wilson da Conceição Almeida e d. Alana Mabel Carneiro Almeida. Moravam no bairro de Sobradinho, próximo ao estádio de futebol Joia da Princesa. Estudou o primário da Escola Sítio do Pica-pau Amarelo, era uma escolinha de bairro, e o ginásio na Escola Cooperativa onde permaneceu durante um ano, e daí foi para o Colégio Visão, onde terminou os cursos ginasial e colegial. Sempre estudou em instituições particulares. Sua mãe além de cuidar da casa é bordadeira e trabalha fazendo peças da indumentária das pessoas ligadas ao candomblé. Ela borda Richelieu que é uma técnica “clássica e sofisticada de bordado vazado, originária da França, que cria desenhos recortando pedaços do tecido e contornando as bordas vazadas com pontos delicados, como o ponto caseado (picots), para formar desenhos de flores, folhas ou geométricos, resultando em um efeito de renda, tradicionalmente feito em branco sobre tecidos claros como linho e algodão.”  Lembrou que a mãe faz bordados de panos da Costa, chales, saias, blusas, roupas dos Orixás e toalhas de mesa. Desde criança ficava curiosa com a paciência dela de levar alguns meses para concluir o bordado de uma colcha ou de uma toalha de mesa. A d. Alana é uma exímia bordadeira a ponto de seus bordados serem usados por filhas , mães e pais de santo de Cachoeira, Salvador e Feira de Santana. Observando o trabalho minucioso de sua mãe a Lina Carneiro sempre procurava fazer seus desenhos e foi assim que passou a desenhar rostos de parentes e amigos. Foi tomando gosto e decidiu em 2002 prestar vestibular para Desenho Industrial, 
Mural em preto e branco, e sua expressividade
continua firme!
na Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia, e na EBA teve uma relação muito proveitosa com colegas  de outros cursos. Disse que passou a trocar ideias e até às vezes  assistir aulas de  disciplinas  e foi percebendo que era muito mais feliz desenvolvendo a sua arte do que trabalhando como design. Depois de formada ainda passou mais de uma década atuando como design gráfico fazendo catálogos de arte, avaliava marcas e todos os materiais gráficos eram feitos ou avaliados por ela. Durante esses treze anos ela disse que chegou um momento que  não mais  se adaptou às mudanças de gestão e foi obrigada a fazer exclusivamente a sua arte. Atualmente está dividida entre seu ateliê em Feira de Santana, onde tem mais espaço, para trabalhar com telas maiores, além da convivência com seus familiares. Aqui ela reside num apartamento no bairro de Amaralina. Está preparando sua primeira exposição individual. Informou  que a razão de ter até agora realizado poucas exposições coletiva e nenhuma individual  é porque esteve estes anos  trabalhando regularmente, cumprindo horários e que agora chegou a hora. Hoje considera que  já tem um repertório individual para realizar sua exposição com obras que lhe satisfaçam. Já pintou algumas telas em grandes formatos e está entusiasmada com o resultado.

Mural da Coleção Cor de Pele , 2023.
Os murais quase  sempre são  encomendados por pessoas ou instituições e geralmente fazem
homenagens a grandes nomes da nossa cultura. Agora se acha pronta para galgar mais este degrau e vem trabalhando com intensidade e satisfação. . Revelou estar se "empenhando muito, estou pronta para me expor.” Quando pronunciou esta frase que agora está pronta para se expor eu retruquei. Ora, você para mim está pronta desde que fez o primeiro mural numa rua e se expôs no momento em que começou a pintar esse mural, e também durante vinte e quatro horas   sua obra está ali exposta ao público. Nila Carneiro riu e respondeu dizendo que “os murais são encomendas de pessoas ou instituições, muitas vezes são retratos de orixás e outros personagens ligados à nossa cultura. Sei que a criação é minha, é verdade, mas tem alguns limites. Enquanto  pinto as telas eu me sinto mais livre porque todo o processo está em minhas mãos, não se trata de uma encomenda.” Ela fez seu primeiro mural numa casa de Ricardo Dantas, que residia no bairro do Rio Vermelho em Salvador-BA e foi uma Iemanjá.
Mural no resort na Costa do Sauipe,
 Mata de São João, Bahia.
Como acontece com muitos murais este também de autoria de Nila Carneiro desapareceu, porque o seu amigo meses depois mudou para um novo  endereço. Gosta de pintar mais as mulheres, e sempre conhecidas da nossa cultura e também do seu imaginário. "São pessoas que não existem e são mulheres em lugares de poder. Como sou do interior passei algum tempo tendo dificuldade de conseguir os conhecimentos que procurava.” Ela acha que está trabalhando dentro desta sua visão. 
 Disse  quando ela e outras mulheres saem às ruas parece que os homens acham que  não deveriam estar ali e que sofre de quando em vez algum assédio. Suas obras discutem estas questões. "Meus trabalhos que estou pintando  agora são mais abstratos e trago estas mulheres para todos estes lugares, tentando quebrar paradigmas. Ainda estou em processo de criar minhas obras da exposição e também vou expor meus bordados. São telas de 2m x1m e de 1m x 1m. Faço também obras em mini telas". Portanto, ela vai da mini tela a murais de dezenas de metros. Vai expor primeiro no Museu de Arte Contemporânea de Feira de Santana, a terra onde nasceu, e depois pretende expor em Salvador. Quando falei do mercado Nila Carneiro  respondeu que é "galerista de si mesma, e que não lhe desperta muito interesse pelo mercado de arte e porque não se imagina inserida nele". Recebe as propostas para realizar os murais através de indicações ou mesmo porque o cliente viu algum mural de sua autoria e gostou, e entra em contato através as redes sociais. Recebe a maioria das propostas por e-mail e por mensagens de WhatsApp . Ultimamente disse que tem procurado de quando em vez pesquisar, questionando como funciona e se algum dia vai ou não se inserir neste mercado muito competitivo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



 

 

 

 

 

 

 

 

 



 

 

 

 

 

 

 

 



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