JORNAL A TARDE, SALVADOR, 02 DE
JUNHO DE 1979
A PRIMEIRA DAMA DA PINTURA NO
BRASIL
Menina com Flores,Djanira, pertencente ao MAM-BA |
Djanira,
que na mocidade foi tuberculosa, era diabética, sofrera cerca de vinte
operações, duas delas do coração em 1975, há quarenta anos vinha vencendo a
morte.
Era
casada com o crítico José da Mota e Silva e não tinha filhos. O enterro
aconteceu ontem no cemitério Jardim da Saudade, no Rio. Seu último desejo era
ser enterrada descalça com o hábito das Carmelitas, que recebeu em 1972.
Djanira
Motta da Silva, (Djanira Job Pliger Paiva) nascida em 1914, em Avaré, região
cafeeira do Estado de São Paulo, foi levada ainda criança para á cidade de
Porto União, na divisa do Estado do Paraná e Santa Catarina, onde cresceu em
contato com a natureza e o trabalho rural.
Em
1930, retorna a Avaré e pouco tempo depois casa-se, indo residir no Rio de
Janeiro.Desde
os 18 anos no Rio de Janeiro, antes de dedicar-se inteiramente á pintura,
Djanira foi dona de pensão e costureira. Seu encontro definitivo com as artes
ocorreu quando doente, internada em
São José dos Campos, ocasião em que era obrigada a
entreter-se no repouso a que se via obrigada a cumprir. Seu primeiro desenho,
segundo se registra, foi um Cristo na Cruz, que ela conservou até o fim de sua
vida.
Djanira com seu cão dálmata |
Quando
dona de pensão, no bairro de Santa Teresa, no Rio, as paredes de seu quarto
eram cobertas de desenhos feitos de memória, das coisas que mais a
impressionavam.. O pintor romeno Emeric Marcier, seu hóspede,impressionado com
seu talento, ofereceu-se para seu professor durante cinco meses, mas depois
disso ela preferiu seguir seu caminho sozinha.
Construindo
rapidamente sua carreira, estreou em 1942 no Salão de Belas Artes, expondo a
primeira fase de sua vida artística com os quadros Passo do Aleijadinho,
Crucificação, Capela do Padre Farinha, Crianças na Neve, Criança na Varanda.
Entre 1945 e 1947, esteve nos Estados Unidos, quando aproveitou a oportunidade
para, em contatos com grandes mestres internacionais, fazer evoluir sua
pintora.
Quando
voltou, passou a realizar constantes viagens pelo Brasil, à procura de temas para
suas obras. Em 1950 já era uma pintora consagrada.
Nenhum
outro artista nacional terá fixado melhor do que ela a fisionomia do Brasil e
dos brasileiros. Camponeses, pescadores, vaqueiros, operários, índios, negros,
mulatos e brancos são as personagens de sua obra, povoada também ás vezes por
santo católicos e orixás africanos.
Dela
disse a estudiosa Thereza Cesário Alvim: uma artista, a vida inteira apaixonada
por um único tema: O Brasil.
Sou
essencialmente formalista em pintura disse certa vez Djanira, parto para esse
formalismo da realidade por mim vivida, sentida, absorvida. E esta realidade é
o Brasil é a minha Geografia, que as viagens ao estrangeiro não destruíram.
Refiro-me á realidade num sentido amplo: local, universal, político, social e
até abstrato Como as cores, a realidade é um jogo sem fim.
Djanira
definiu a pintura dizendo que não é uma palavra abstrata, ao sabor de
momentâneas inspirações. É lealdade social e compromisso. Para ela, inspiração
não é método de trabalho.
Estimo
a técnica que se usa no quadro, gosto da atividade silenciosa, da luta íntima
frente à vida. E lembrou que a arte brasileira, quando comecei, a pintar, ainda
tinha muito de uma natureza morta francesa, de soneto difícil de ser traduzido.
Djanira,
neta de índio e filha de austríaca, também foi seduzida pelas cidades coloniais
e pelas variadas paisagens que visitou pelo país, como as do Maranhão, Santa
Catarina, as praias do litoral fluminense e as montanhas de Minas Gerais. Parte
do que realizou em quarenta anos de carreira pode era apreciado recentemente
numa pequena retrospectiva do Museu de Belas Artes do Rio: 122 pinturas, 70
desenhos e gravuras e uma tapeçaria cronologicamente dispostos em nove amplas
salas.
O
que ela pinta é sincero, profundamente sentindo disse o crítico Roberto Alves
Correa, e denota tendências líricas invulgares. E há poesia sem sua arte, algo
de verdadeiro que comove e externa a realidade da alma. De suas realizações
depreende-se algo incorrupto, cândido e justo.
Entre
os incontáveis episódios que marcaram a vida da pintora, o que a deixou
imensamente feliz foi saber, em 1971, que seu nome passava a pertencer à maior
pinacoteca sacra do mundo, no Vaticano. O papa Pio XII iniciara a formação de
uma pinacoteca sacra com os maiores nomes da arte contemporânea e o Vaticano,
decidido a retomar o trabalho,
encomendara obra de alguns artistas brasileiros, lista encabeçada por
Djanira.
Outros três episódios lhe trouxeram aborrecimentos. O da localização de quadros seus falsificados, em 1968, e antes disso, em 1964, quando foi presa para averiguações, e em 1965 quando foi impedida de entrar nos Estados Unidos.
No
caso dos quadros falsificados, foi à polícia. No da prisão, disse que só viajou
a países socialistas por questões artísticas.
Quanto
à proibição de entrar nos Estados Unidos, a dura e imbatível Djanira, como foi
chamada, disse que só voltaria a entrar naquele país se lhe pedissem desculpas,
o que foi feito.
Muitos
dos quadros de Djanira estão em exposição no exterior, inclusive no Museu de
Arte Moderna de Nova Iorque.
Em
novembro de 1978 ela participou de exposições em Viena e Paris, com grande
sucesso e sua última apresentação no Rio foi em 1977, no Museu Nacional de
Belas Artes. Seu último trabalho, segundo Flávio de Aquino, seu amigo há mais
de 39 anos, foi um tríptico de 180 graus da Baía da Guanabara visto do seu
apartamento.
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