JORNAL A TARDE, SALVADOR, 27 DE
MAIO DE 1985
EXPOSIÇÃO SERÁ MARCO DE UM GRUPO
CRIATIVO
A mostra será nas dependências do Museu de Arte da Bahia |
Aceitei
o convite e este desafio porque pretendo reunir no mínimo 10 artistas numa
exposição onde mostraremos o que fez e está fazendo a chamada Geração 70, os
artistas que depois de mais de uma década começam a ocupar espaços no mercado
de arte. Eles não estão agrupados por circunstâncias próprias de um mercado de
arte ainda insuficiente e desorganizado e até mesmo, a individualidade, em
busca da sobrevivência, nunca permitiu que trabalhassem unidos com regularidade.
Encontram-se nas inaugurações de exposições ou por acaso num bar e até mesmo em
casas de amigos comuns. Evidente que esta exposição não pretende uni-los. Porém
mostrar o trabalho de cada um, a sua evolução, contemporaneidade e acima de
tudo que esta geração chegou para ficar. É a lei natural de uma geração que
substitui outra no decorrer do tempo, deixando cada uma a sua marca.
Quando
falamos numa geração de artistas baianos, lembramos Genaro de Carvalho, Jenner
Augusto, Carlos Bastos, Carybé, Hansen Bahia, Calasans Neto, Sante Scaldaferri,
Mário Cravo Júnior, Lígia Milton e Floriano Teixeira, dentre outros, que
marcaram época. A maioria ainda está aí pintando e esculpindo, com grande
maestria e a eles devemos muito do que existe de bom nas artes plásticas
baianas. Eles tiveram um elemento de certa forma aglutinador e importante, que
é o nosso caro Jorge Amado. Um incentivador de jovens talentos e um homem de
grande sensibilidade que sabe no momento exato quando pode engrandecer a arte
baiana.
Não
pretendo ser um catalisador da Geração 70, não pretendo impor meus desejos.Desejo
incentivá-los, dando uma palavra de força e que com eles venho trabalhando,
divulgando a obra de cada um, com muito boa vontade misturada com alegria.
Sinto e vibro com o crescimento, com o amadurecimento das obras destes artistas
que integram a minha geração. Estamos no mesmo barco, e juntos sofremos para
dar os primeiros passos. Críticas e incompreensões e muitas vezes até
comentários duros sobre o trabalho de cada um.
A
exposição será no Museu de Arte da Bahia, no grande salão, no mês de julho.
Cada artista deverá apresentar cinco trabalhos e nesta tarefa contaremos com o
apoio de uma pessoa que quero muito e que também é um grande incentivador de
jovens talentos. Por diversas vezes me telefonou, me procurou para juntos
visitarmos um artista. Lembro-me de Bel Borba, que trabalhava numa garagem
fazendo algumas telas em spray. Ivo Vellame.
Um homem a quem esta geração não deve esquecer. A sua vibração, o seu jeito
terno de se entusiasmar com a obra de um jovem artista, merece um capítulo à
parte. Portanto, junto com Ivo Vellame e com muitos outros que tentarei reunir
para que esta exposição seja um marco nas artes plásticas baianas.
Aqueles
que não forem escolhidos ou indicados não devem desanimar ou permanecer numa
posição de ataque. A vez de cada um chegará. Tudo dependerá da oportunidade.
Porque outras exposições virão.
Certamente
não organizadas por mim, mas por outros que também estão aí empenhados em
incentivar o desenvolvimento das artes plásticas baianas.
Gostaria
de contar com a participação de gente de teatro, de dança e de música, para que
esta exposição da Geração 70 seja um acontecimento cultural de peso. Esta
semana já estaremos mantendo contatos com
pessoas dispostas a dar um pouco do seu talento para a concretização
deste desejo. Teremos que fazer muitas reuniões, discutir muitos pontos e daí
surgirão os acertos e eliminados os desacertos. Vamos dar as mãos, vamos
trabalhar com afinco para que esta mostra represente mais um passo, uma gota
d’água que venha fortalecer a nossa união. Unidos num mesmo ideal esta geração
tem muito a mostrar e a crescer, para que possamos deixar registrada a nossa
passagem no cenário das artes plásticas baianas.
O
FASCÍNIO DOS PÁSSAROS DE ASTOR LIMA
Os
pássaros sempre exerceram um certo fascínio e até um desafio. Fascínio pela
beleza de sua variada plumagem e cantos maviosos. Desafio pela capacidade de
voar, de enfrentar o desconhecido. Beleza e ousadia sempre estão presentes na
vida de um pássaro e agora, para minha surpresa, encontro Astor Lima, um
escultor de talento entre pássaros metálicos.
Astor Lima diante de um de seus pássaros metálicos |
Quando
digo que fiquei surpreso é porque acompanho o movimento de arte da Bahia e
mesmo do País e sempre me deparo com escultores que trabalham com sucata.
Porém, Astor Lima supera muitos destes escultores porque a interferência é
muito maior. Ele não é um simples soldador.
Consegue
transportar uma energia e vibração muito fortes com seus pássaros metálicos.
A
postura das asas, a própria curvatura dos corpos estão em perfeita harmonia,
mostrando a flexibilidade que é um elemento importante no conjunto de um
pássaro. Elefantes os pássaros de Astor Lima como estão a desafiar os
horizontes de nossa sensibilidade e não há quem, diante de um deles, não tenha
uma sensação.
Pode
até ser uma sensação de espanto ou mesmo de alegria, mas nunca de descaso, de
dar de ombros, de prosseguir impassível. É esta energia e vibração que
transmitem ao espectador os pássaros metálicos de Astor Lima. E, a águia
símbolo, do poder e da opressão capitalista dos nossos credores, está lá
representada no cartaz que anuncia a sua exposição, aberta até hoje no Museu de
Arte da Bahia.
Astor
Lima nasceu em 1938.
Já
participou de exposições, freqüentou atelier de alguns artistas e vem
trabalhando em esculturas de formas aladas, usando, na maioria das vezes, a sucata
de ferro desde 1984.
O
MUNDO SILENCIOSO DE ESPERIDIÃO MATTOS NO TCA
Era
quase meia-noite e lá vou eu com destino ao Corredor da Vitória para encontrar
um velho amigo. Esqueci o nome do prédio onde está residindo e a cada portão
que chegava o vigia vinha depressa pensando ser um morador que esqueceu a
chave. Quando se deparava com o desconhecido, ficava preocupado. Mas, depois de
três tentativas, descobri o prédio e lá do alto soou uma voz de mulher. Era
Leda, esposa e incentivadora de um artista que pinta em silêncio, que realiza
uma obra documental de grande importância.
Esperidião terminando a tela Jardins do Palácio |
Homens
que cultuavam o silêncio e a paz para captar não apenas o detalhe de cada
elemento integrante da paisagem ou de um prédio, mas acima de tudo a própria
atmosfera do que retratavam. Os ambientes de praias quase virgens, de ruas por
onde passavam pessoas conhecidas, em constantes acenos e de tempos silenciosos.
Esperidião
Mattos é uma vítima do crescimento da cidade.
Foi
obrigado a mudar-se duas vezes e agora está instalado num grande
prédio, num local nervoso da cidade que é a Vitória. Mesmo assim criou o seu
ambiente numa sala onde colocou ordenadamente as coisas que lhes são caras e
seu inseparável cavalete. Horas e horas passa trancado, impassível e silencioso
em busca da atmosfera, em busca de elementos que vão formando, sem pressa as
figuras que deseja retratar. Vida pacata de um funcionário aposentado da
Petrobras, onde exercia a função de desenhista, mas que acima de tudo é um
artista nato e muito terno. Neste ambiente ele não permite a presença de muitos
estranhos e até interferências de pessoas da casa.
Sim,
porque ali é o seu altar, onde consegue eximir-se do barulho, da pressa para
criar.
Encontrei
Esperidião neste seu mundo de silêncio terminando um quadro de 1,30cm por 97cm,
intitulado Os Jardins do Palácio, onde ele traz para a tela a beleza dos
jardins do majestoso Palácio da Aclamação. Um quadro que é um documento que
deve integrar o acervo de um museu. Aos 67 anos de idade, Esperidião Mattos tem
ainda muito a dar do seu talento á arte baiana.
Ele
está preparando uma grande exposição para o dia 12 de julho, no foyer do Teatro
Castro Alves, numa sugestão dada por D.Laura Barradas.Vai
expor cerca de 50 quadros de vários tamanhos.
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