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sexta-feira, 29 de março de 2013

CADASTRAR O QUE? -13 DE OUTUBRO DE 1979


JORNAL A TARDE, SALVADOR, 13 DE OUTUBRO DE 1979

        CADASTRAR O QUÊ?

Na entrada principal do Solar do Unhão aparece o
 ambiente do matadouro de Chico
Antes de anunciar a Exposição Cadastro preferi deixar que fosse aberta ao público para avaliar o que realmente estavam querendo os seus organizadores. Mas, infelizmente esta mostra veio demonstrar a falta de critério para realização de uma grande promoção de Arte. Os espaços foram abertos indiscriminadamente a todos aqueles que se dizem artistas. Bastou passar uma vista na relação dos nomes inseridos no jornal Cadastro que senti imediatamente o que nos tinha reservado. Simplesmente misturaram trabalhos de qualidade com outros que deveriam estar ausentes de qualquer exposição. Creio que os organizadores devem ter ficado assustados com a grande quantidade de pseudos-artistas, especialmente aqueles voltados a pintar casarios sem qualquer técnica.
Murilo merece destaque
Tenho a impressão que o pessoal da Fundação Cultural está procurando o que fazer. E desta vez acharam. Isto porque as pessoas envolvidas tiveram que manusear centenas de obras imprestáveis e sem qualquer valor artístico. Aí é que eu pergunto: Cadastrar o que? Evidente que simplesmente aqueles artistas já conhecidos como Jamison Pedra, Carmem Carvalho, Manoel Bonfim, Arlindo Gomes, Eckemberger, Zu Campos, Sônia Campos, Sônia Rangel, Carlos Petrovith, Betânia e outros. Aí o cadastramento se processaria normalmente. Os verdadeiros artistas teriam mais espaços e melhor atenção do órgão promotor da mostra. O que fizeram com esses artistas misturando e colocando no mesmo nível trabalhos qualificados e ruins é uma falta de respeito. Se queriam uma visão de arte produzida na Bahia de nada valeu. O que prevaleceu foi uma visão demagoga e distorcida da realidade. E muito diferente de você pegar artistas de qualidade e proporcionar espaços, catálogos e outros instrumentos de apoio, inclusive com uma programação sistematizada de atividades do que simplesmente amontoá-los juntamente com outros ausentes do meio profissional. É preciso respeitar o artista e separá-lo daquele que se intitula artista porque borra uma tela ou faz um trabalho medíocre de artesanato.

Obra de Zivé,  bom trabalho
O mercado de arte na Bahia ainda é incipiente e com essas programações demagógicas fundamentada numa falsa abertura só vem gerar um retrocesso. Acho que as pessoas queriam passar uma esponja no quadro para começar tudo de novo, do zero. Uma bobagem inadimissível. Sei que é simpática esta abertura, mas por outro lado, é prejudicial não somente para o público como  para o artista.
Para o público porque fica obrigado a percorrer quatro grandes salões onde estão expostas baboseiras, tendo o trabalho de selecionar o que realmente serve.Isto  caberia aos organizadores que deveriam ter evitado a exposição de quadros de borboletas e igrejinhas sem perspectivas. Para o artista, repito, porque deram oportunidade a incompetentes. Acredito que no fundo os realmente artistas estão insatisfeitos com este nivelamento.Ficaram mais interessados na quantidade do que na qualidade. Cheguei a ouvir que a coisa teria tomado nível de uma bienal. É verdade que críticas tem sido feitas às bienais, mas esta comparação é bestialógica.
PREVISÃO
Ao reler o Jornal Cadastro deparei-me com  uma previsão de Ivo Vellame: Acredito que nós veremos nesta mostra da Fundação Cultural da Bahia o que creio ser o caos em termos de artes plásticas no Brasil, onde se faz de tudo, onde todo mundo acha que é artista, sem ter mesmo o mínimo requisito técnico e qualquer vocação de criatividade. Até ai concordo com Ivo , e sua previsão é hoje uma realidade palpável. Quem duvidar basta percorrer os salões do conjunto do Solar do Unhão. Mais discordo quando Ivo defende que mostrar isto, entretanto, significa verificar o que a Bahia está produzindo, permitindo fazer uma seleção...A seleção a meu ver caberia antes da mostra.Expor o imprestável é incentivar o desqualificado, é incentivar o incompetente, é incentivar o desprezível. Acho que todos tem o direito de pintar, mas não cabe a um órgão cultural expor tudo. Cabe a qualquer órgão cultural educar e para isto deve criar as suas oficinas de trabalho para ensinar esta gente a trabalhar uma tela ou um pedaço de compensado para fazer uma gravura, e quando tiver amadurecido que o trabalho seja mostrado.
Outro aspecto é a responsabilidade que tem uma instituição como o Museu de Arte Moderna da Bahia. Muitos desses pseudo artistas vão ostentar seus nomes com o nome inserido na relação dos expositores nos famigerados currículos:uma exposição no Museu de Arte Moderna da Bahia, outubro de 1979. Portanto, está ai o comprometimento de uma instituição que deve ser respeitada e acima de tudo preservada destas tristes cenas.

                  O JEITO BRASILEIRO DE AGIR 

Tive meu nome inserido na programação dos eventos (?) que deveriam acontecer durante a Exposição Cadastro para um debate juntamente com Matilde Matos, Ivo Vellame, Chico Liberato e outros, no último dia 8.  O convite me foi formulado através de um telefonema. Com toda boa vontade compareci no horário determinado e quando lá cheguei encontrei uma porção de artistas misturados com outras pessoas alheias às atividades culturais. De início estavam criticando os jornais e estações de rádio e televisão por não darem destaques aos eventos (?), subseqüente à Exposição Cadastro. Fiz ver que os eventos ( ?) não tinham sido sistematizados e que os órgãos de comunicação nada tinham a fazer ali, porque nada estava acontecendo. Foi ai que as discussões enveredaram pelo caminho do que vamos fazer a partir de agora. Ora, a programação deveria ter sido estudada, sistematizada e formalizada. As discussões infantis ou juvenis que presenciei vieram apenas somar ao meu desalento. Nada foi acrescentado. O que fizeram mercê uma reparação através de uma promoção organizada onde os verdadeiros artistas ter o necessário apoio inclusive poderia se pensar em premiações. Um Salão verdadeiro, coerente a acima de tudo destinado a descobrir novos valores, tornando o cuidado para não confundir os novos valores com pseudo-artistas. Estas considerações que faço visam apenas  colocar as coisas nos seus devidos lugares e evitar que muitos continuem enganados.
               E O CADASTRO?

Tive o cuidado de examinar até a denominação da mostra. Exposição-Cadastro. E o velho Aurélio Buarque de Holanda Ferreira em sua obra Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 1ª edição, na página 247 nos ensina: Cadastrar. Fazer o cadastro, e a seguir: Cadastro: 1 registro público dos bens imóveis de determinado território .2. Registro que bancos ou casas comerciais mantêm de seus clientes, sua probidade mercantil e situação patrimonial. 3. Registro policial de criminosos ou contraventores. 4. Conjunto de operações pelas quais se estabelece este registro. 5. Censo, recenseamento.
Portanto, o que constatamos é que a palavra cadastro destoa do trabalho artístico. O trabalho de um artista é muito mais de que um móvel ou coisa semelhante. A criatividade é de difícil mensuração e a obra de um artista não se completa numa exposição como esta. O que deveria ter feito a Fundação Cultural do Estado era destacar a obra dos valores artísticos baianos e em seguida promover uma grande exposição. Espero que este cadastro que pretendem fazer, seja um castigo para aqueles que colocaram obras de má qualidade, que são os verdadeiros contraventores deste mercado de arte incipiente. Vieram piorar a situação e por isto merecem o castigo do cadastro, do censo ou recenseamento. Os bons artistas devem estar longe do cutelo deste cadastro.


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