JORNAL A TARDE,SALVADOR, 15 DE JUNHO DE 1981
ESCOLHIDOS E CULPADOS
Os executivos dos órgãos baianos ligados a cultura estão imersos no marasmo, resultado da escolha política. Vemos nossos museus, teatros e outras casas de cultura ás moscas ou realizando e promovendo o dispensável. Evidente, que de vez em quando surgem ás exceções, movidas por focas exteriores. Porém, via de regra o imobilismo é a tônica.
Venho
há algum tempo reclamando (até de administrações anteriores) contra o descaso a
que estão relegadas as obras de arte de nossos museus. Reclamando também da
Igreja responsável pelo patrimônio religioso de grande importância. Mas, o
certo é que uma carta de Jorge Amado publicada neste jornal da edição do dia 11
passado motivou este comentário. Não quero aqui cair de pedra e pau em cima do
Chico Liberato, mas apenas mostrar que a própria arquitetura do prédio, a
presença ou vizinhança do mar não é por certo um local apropriado para guardar
obras de arte. Já vivemos numa cidade úmida e que tem um percentual salitroso
considerável. Ingrediente que somados às tintas nacionais de péssima qualidade
servem para provocar a morte das nossas pinturas e gravuras. Ainda temos
elementos de suma importância que são o marasmo e o ciclo vicioso. Não existem
verbas, então cruzamos os braços.Se
não existem, tratemos de buscá-las. Tratemos de racioná-las em benefício da
memória e da cultura baiana.
Todos
estão cientes que o Museu de Arte Moderna precisa de um local adequado e que o
Solar do Unhão seja transformado num centro de arte, com um teatro alternativo,
com aproveitamento dos seus espaços livres e o bucólico de sua aprazível
localização.mas nunca como um museu de arte, principalmente porque não dispomos
da tecnologia e recursos que permitem uma aclimatação necessária para a conservação.
Além do mais, não podemos esquecer a má qualificação do pessoal de apoio,
inclusive a presença de pessoas que vieram ninguém sabe de onde e de repente
começam a dar ordens e a modificar critérios e posturas. O curioso é que
ninguém nem sabe ao certo suas qualificações. Mas a Bahia é ótima. O baiano é
aberto. E todos entram no jogo sem apresentar suas credenciais. E o MAMB e a
Fundação Cultural e outros órgãos na tem sido muito felizes nestas estranhas
incorporações.
Sabemos
que todos, o Geraldo Machado, Chico Liberato e outros estão cheios de boas
intenções. Mas também sabemos que o céu está lotado de bem intencionados. O que
é preciso é uma política mais agressiva, uma racionalização e esquecimento da
preocupação em agradar falsos vanguardistas. Urge dotar os museus, os teatros e
outras casas de cultura de uma ação mais efetiva e sem esquecer os acervos.
Expô-los não basta.
É
preciso atrair novo público, é preciso conservá-lo e principalmente enriquecê-lo
com novas obras. Não lembro que a atual administração tenha adquirido uma obra
importante para o acervo de nossos museus. Se adquiriram não deram a devida
publicidade, nem aos interessados.
Acima
estão duas fotos.Foram
tiradas esta semana por Carlos Santana, que por mim foi incumbido desta tarefa.
Aí a retratação e o descaso das autoridades. Trata-se do centenário telhado do
Solar do Unhão, hoje cercado por um emaranhado de fios e um grande número de
spots em toda sua área construída e livre. Uma aberração, uma estupidez. A
própria escultura de Mário Cravo ,O Conselheiro, poderá virar cinzas com um
incêndio iminente. Qualquer técnico e a própria Prefeitura através do DUEL é
omissa.
Uma
simples olhadela dá para condenar, tal o estado de perigo que vive o Solar do
Unhão. A culpa é de Chico Liberato? Não, totalmente.
Chico
é apenas uma peça do também emaranhado organograma burocrático da Fundação
Cultural. O próprio governo do estado é culpado. Todos são culpados e para sair
desta culpabilidade é que utilizo o recurso que posso e denuncio de público. Também
é culpado o Sr. Paulo Guadenzi, da Bahiatursa, que através da Emtur pretende
realizar um espetáculo intitulado Som e Luz. Algumas toneladas de fios e
grandes spots estão poluindo visualmente o monumento e também colocando em
risco maior de incêndio. Culpado também é o representante do IPHAN e todos
aqueles que silenciam diante do descaso.
É
preciso um tratamento mais adequado ás coisas que nos são caras. As coisas que
representam muito para nossa cultura. É preciso cuidar melhor de nossos
monumentos, é preciso promover o que é bom e afastar o ruim. Enfim, está aí o
perfil nas fotos que publico.
CARTA
DEPOIMENTO DE SANTE SCALDAFERRI
Salvador,
8 de junho de 1981
" Estou indo para Brasília a fim de inaugurar uma exposição individual, no dia 16 deste, na Galeria da Ceplac.Esta galeria está passando para um espaço mais amplo e estou reinaugurando as novas instalações. Por isso preparei uma grande exposição com 30 quadros a óleo e vinte aquarelas. Estamos em nova fase. Como você sabe ao longo dos anos o que muda em minha pintura é a forma. A temática continua a mesma, pois acho que ainda não a esgotei. Desta vez os ex-votos se transformam em ex-votos com cara de gente para dizer o que é preciso ser dito dentro do meu universo. Num processo de recriação procuro transpor para a pintura tudo que diz respeito a arte e ao povo do Nordeste. Não de forma alienada, mas sim de denúncia. É no mínimo a minha contribuição para melhoria do povo do Nordeste e numa forma mais ampla ainda o interesse maior de minha pintura é o homem, E este homem na minha pintura está representado pelo ex-voto. Não na sua simples transposição, jogado na tela.
As
minhas figuras são gente com cara de ex-voto, e não ex-voto com cara de gente."
Um
grande abraço.
Sante
Scaldaferri.
MUSEU
DOS HUMILDES JÁ ESTÁ FUNCIONANDO
Hoje
está sendo comemorado o primeiro aniversário da reabertura do Museu do
Recolhimento dos Humildes, em
Santo Amaro da Purificação com uma missa festiva na Igreja do
Museu e abertura da exposição da artista plástica e folclorista santamarense,
Zilda Paim além da apresentação do Quarteto de Cordas da Bahia.
No
século passado, as filhas dos ricos senhores de engenho de desejavam ou que
eram eleitas por seus pais a se dedicar à devoção religiosa, nos arredores de
Santo Amaro e boa parte do Recôncavo baiano, se enclausuravam no Recolhimento
de Nossa Senhora dos Humildes.
Tais
moças, transformadas em virtuosas recolhidas, costumavam, por tradição, levar
consigo uma imagem do Menino Jesus. Naturalmente, as abastadas donzelas,
herdeiras de extensos canaviais, possuíam jóias preciosas, reflexo dos áureos
tempos do ciclo canavieiro.
Como
recolher-se significa está afastado do movimento mundano e suprimir-se dos bens
materiais, uma forma de demonstrar o voto de humildade era abdicar das jóias. O
método particular de abrir mão dessas
riquezas e vaidades, para as recolhidas dos humildes era adornar essas imagens
que traziam para o convento, com as pedras preciosas e semi-preciosas.
O
fato é que este costume resultou em inéditos trabalhos artesanais, hoje de
enorme valor histórico, artístico e cultural faz parte do rico acervo do Museu
do Recolhimento dos Humildes.
Além
das famosas redomas do Menino de Jesus o acervo reúne outras coleções que têm
em comum as características da época e estilo dos séculos XVIII e XIX e também
pela utilização conventual. Entre as relíquias confeccionadas e ou preservadas
ao longo do tempo por essas religiosas estão as coleções dos ricos paramentos,
das rendas, das opalinas, dos santos de roça das pratarias estilo D. Maria e
também o mobiliário de sofisticada fabricação.
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