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sábado, 9 de março de 2013

O EX-VOTO ENTRE A FÉ E A ARTE - 1º DE DEZEMBRO DE 1986.


JORNAL A TARDE, SALVADOR,  SEGUNDA-FEIRA - 1º DE DEZEMBRO DE 1986 

                       O  EX-VOTO ENTRE A FÉ E A ARTE
Alguns ex-votos fotografados juntos por Mário Cravo Neto em seu livro EXVOTO
O ex-voto sempre exerceu um certo fascínio em mim. Não que acredite em milagres ou coisas afins, mas, principalmente, pela sua presença na vida dos nordestinos.
Cresci andando pelas estradas do interior e sempre encontrando nas encruzilhadas ou num morro, as cruzes e os cruzeiros estes vigiando lá do alto quem passa deixando o rastro na areia escaldante. Ao redor das cruzes e cruzeiros sempre encontrava flores murchas e o ex-votos, colocados sorrateiramente por pessoas que acreditam ter alcançado graças dos céus.
Na realidade esses escultores primitivos possibilitam que essas pessoas paguem a promessa feita. Agradeçam a graça, que acreditam ter alcançado. Não cabe aqui discussão sobre o aspecto da religiosidade, porque o que interessa é que esses objetos trazem uma auréola de misticismo e todos devemos respeitá-los, mesmo aqueles que não acreditam em outras vidas.
E, este fascínio que já vem sendo cultuado por Sante Scaldaferri, Antônio Maia e outros, agora recebe um novo tratamento pela ótica de Mário Cravo Neto. Este que considero o maior de todos os fotógrafos deste País. Ele consegue valorizar tudo aquilo que fotografa, com uma sensibilidade só vista nos verdadeiros artistas. Isto pode ser constatado na luminosidade que faz incidir sobre os objetos, e principalmente nos ângulos que escolhe para documentá-los. Lembro que por volta de 1944, Luís Saia que acompanhou Mário de Andrade na famosa Missão Etnográfica, em 1938 e fez um estúdio visual do ex-voto. Agora chega Mário Cravo Neto com toda uma experiência de anos fotografando as esculturas de seu pai Mário Cravo Júnior e dá um banho de técnica e vitalidade. Hoje, os recursos da própria fotografia são outros, e, portanto, mesmo que Mário Cravo Neto tivesse seguido as pegadas de Luís Saia, já seria um acontecimento porque uma nova visão utilizando novas tecnologias. Seu livro Exvoto é uma prova disto.

Vejo que Mário Cravo Neto consegue um realismo espetacular no jogo da luz e sombra, e assim reforça toda aquela compreensão e simbolismo que o ex-voto encerra, nestas fotos a gente pára atentamente em cada detalhe e observa o corte que indica a boca, o nariz que quase não aparece, a sobrancelha que é apenas um traço, semelhante a uma meia lua. Enfim, a gente sente que cada ex-voto é o fruto do trabalho de um escultor popular que anonimamente leva o crente a realizar a obrigação de pagar, sua dívida para com Deus.
Esta sua exposição é suporte para o lançamento do livro onde ele reforça a importância antropológica e etnográfica do ex-voto. A exposição está aberta na Galeria Fotóptica e dentro em breve virá a Salvador onde ele pretende lançar seu novo trabalho na próxima quarta-feira, dia 3, na Galeria Multiplus, no Morro do Gavaza, na Barra.

       MARINHAS DE JOSÉ BAHIA

O mar e a areia branca das praias exercem uma presença muito forte na obra de José Bahia. O verde das ligeiras ondulações que cercam as praias e toda aquela gente que as frequentam são constantemente alvo de observação. O artista não tem pressa e nem se incomoda com os modismos passageiros que sempre aparecem e desaparecem num vaivém semelhante ao movimento das ondas.
O azul intenso das águas deste nosso mar tropical, tão cantado e tão buscado, nestes dias de Verão, ganham maior plasticidade nos quadros de José Bahia. Tudo é concebido tendo por limite a linha do horizonte que ora aparece plana e ora ligeiramente ondulada. Os coqueiros ao fundo marcando a paisagem baiana. Os barcos e os rochedos cobertos de espuma mostram exatamente que este homem é um paciente observador. É evidente a presença da  influência de Pancetti. Mas ninguém pode dizer que não sofreu ou sofre influência de um mestre. O que destaco é que a obra de José Bahia não fica apenas na influência ou na identidade da temática. Ele vai mais longe procurando cada vez mais inserir elementos novos de técnica e composição em busca de sua individualidade pictórica. Acho já ser possível a gente identificar uma tela de José Bahia sem precisar ler o nome do autor na parte direita da tela. Ele está expondo na Cavalete.

             IMAGENS DE  ESCULTOR TATI MORENO

O escultor Tati Moreno retocando uma peça
Depois das esculturas geométricas em grandes dimensões o escultor Tati Moreno retorna com trabalhos mais detalhados, mais singelos que são suas imagens de folhas de latão, cortadas e soldadas, apresentando doces movimentos. Isto demonstra a sua versatilidade em trabalhar com esculturas mais densas, como as de antes e agora, em trabalhos  onde o artista deixa escapar o seu lado mais detalhista, mais rico em simbologia.
Tati é um santeiro moderno.Trabalha com instrumentos movidos por energia elétrica, serras que cortam o metal, deixando no ar os sons estridentes como a anunciar a chegada de seu elenco imaginário. São martelos possantes, tesouras que rompem a folha do latão para possibilitar que brotem os detalhes de suas imagens.
Imagem rica em detalhes
Como os velhos santeiros do nordeste pernambucano, que esculpem suas esculturas em barro ou madeira ele vai formando os volumes, através de folhas retrocidas, dobradas e cortadas. Se nas esculturas geométricas faltavam detalhes, nestas imagens. Tati demonstra exatamente sua habilidade em trabalhar com elementos de trabalho reduzido. Cada detalhe é cuidado, e sempre que a gente faz uma leitura de uma das peças descobre a sua presença, sente que por ali passou mãos hábeis deixando a marca de sua capacidade criadora.
Além do valor escultural suas peças são realmente muito decorativas pelo amarelo do latão e também pela própria concepção.
Suas imagens sofrem necessariamente a boa influência do barroco de nossas igrejas, belas e imponentes, que estão relegadas ao abandono pelas autoridades encarregadas da sua manutenção.
A leveza dos Três Anjos
Saliento o aspecto de um artista moderno como Tati Moreno não esquecer este lado tão baiano que é o imaginário. Se antes ele cultuou os orixás em belas peças agora, mais maduro, ele chega com maior habilidade conseguida no decorrer desses anos para enaltecer os santos católicos. E Tati sente-se á vontade porque já percorreu um longo caminho.

Lembro-me do primeiro contato que tivemos quando ele ainda jovem fez uma escultura de um velho Fusca e resolveu dar uma volta na Fonte Nova durante um jogo entre Bahia e Vitória. Foi um sucesso. O carro parecia um besouro imenso a andar vagarosamente sob os olhares curiosos e porque não dizer, espantados, daquele público não muito acostumado em observar uma obra de arte. O Velho Fusca, que virou besouro finalmente percorreu todo o estádio e retornou triunfante. De lá para cá venho acompanhando a sua trajetória e até discordando, como na sua presença no grupo que decorou as ruas da cidade em alguns carnavais. Não discordando da parte plástica, muitas vezes da maneira como a escolha era feita.
Mas, é outra conversa. O que interessa é que Tati aí está firme e criativo á frente de uma coleção de santos de latão, os quais estão expostos até amanhã na Época Galeria de Arte.






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