JORNAL A TARDE, SALVADOR, 04 DE
JUNHO DE 1984
A VIA CRUCIS DA CAPELA DO
MOSTEIRO DE JEQUITIBÁ
Vista o Convento Jequitibá, em Mundo Novo,Bahia |
A
Via-Sacra de Jequitibá começou a nascer em 1977, quando Fred foi convidado para
fazer um trabalho numa parede projetada por seu tio Osmar. A parede tem 15 metros de comprimento
por três de largura. O desafio estava lançado. Durante quase um ano artista
ficou imaginando o que iria fazer naquela parede sinuosa de 15 metros . Depois de
muito pensar surgiu a ideia de uma Via Crucis. O abade do Mosteiro sugeriu
inicialmente a imagem da Divina Pastora.
Mas,
o abade lembrou que gostaria que a obra não interferisse distraindo as pessoas
e os próprios monges durante as orações na capela. Disse ainda que um
determinado local, que ele não se recordava o nome, um artista fez um Cristo
que a sua cabeça parecia girar de um lado para outro, e com isto prejudicava a
concentração durante a oração. Mas, o abade foi convencido e confiou no
trabalho de Fred Schaeppi, e foi totalmente satisfeito.
COMO
ACONTECEU
O
artista preparou a parede de 15
metros por três de largura com um traço de cimento muito
forte, e em seguida uma camada de massa sintética. Uma técnica que Fred usava
há cerca de cinco anos. Só que em vez do cimento a massa sintética era colocada
sobre a placa de eucatex. Pronto suporte passou a pintar sua Via Crucis, e
finalmente, passou um verniz à base de polioretano para impermeabilizar.
Para
executar a Via Crucis, Fred Schaeppi relembrou sua infância, a religiosidade de
sua família, do seu avô Rômulo Serrano, e leu os últimos informes sobre o Santo
Sudário que tem provocado tanta controvérsia.
Ficou
sabendo que Cristo foi crucificado pelo pulso e não na palma das mãos.Assim,
durante três meses Fred e sua família (Cristiana, a esposa, e Paula, a primeira
filha do casal) passaram a viver juntamente com os monges do convento de
Jequitibá. Uma mudança total em sua vida porque os monges tem horários rígidos para suas orações, acordar, dormir e trabalhar. Mas a família de Fred teve que
se adaptar, e o próprio artista enfrentou muitas dificuldades. Como por
exemplo, a falta de aderência da massa plástica na parede sinuosa da capela.
Para vencer este obstáculo ele conseguiu uma mesa especial usada pelos monges
para passar a ferro as suas batinas. Ali Fred colocava a massa deixando secar
por algum tempo, e em seguida, ia com os dedos passando para a parede. Foi
assim, que as figuras integrantes das cenas da Via Crucis foram surgindo, ainda
sem uma definição, ou melhor sem o detalhamento.
Todos
estavam curiosos, e os monges resolveram visitar a capela e para surpresa de
Fred eles identificaram as figuras mesmo ainda sem estarem muito definidas.
Isto deu maior confiança ao artista.
Sua
Via Crucis tem 33 figuras. Mero acaso. Embora coincida com a idade que se supõe
tenha morrido o Cristo. Também Fred eliminou dois momentos da Via Crucis, que
são a queda de Jesus, e quando Jesus consola as mulheres de Jerusalém. E,
introduziu como sendo a última cena a Ressurreição, por entender ser a essência
da igreja, e a prova da vida eterna. Depois da morte física o Cristo ressuscita
e sua Igreja surge mais forte!
Explica
Fred Schaeppi que outra passagem da Via Crucis que pode ser entendida como
aquela que Cristo encontra-se com as mulheres de Jerusalém é o encontro com
Maria. Ambos se olhando e Cristo apontando para cima como a consolidar sua mãe.Portanto,
se algum dia você for a Jequitibá, ao Mosteiro dos padres cistencienses não
deixe de visitar a capela e preste bem atenção a esta Via Crucis de autoria de
Fred Schaeppi.
Outra bela cena da Via Crucis, que Fred deixou nas paredes da capela do mosteiro de Jequitibá para as futuras gerações |
LEONEL
MATTOS PINTA COM O POVO NAS RUAS
O
artista Leonel Mattos tem uma disposição invejável para realizar. Inquieto, ele
sempre está procurando uma integração maior do seu trabalho com a gente baiana
e acima de tudo tem pressa para que seu trabalho seja visto e reconhecido por
todos. Recentemente ele empreendeu uma verdadeira façanha se expondo inclusive
a situações grotescas, só com o intuito de conseguir uma participação maior da
gente da rua na sua obra. Comprou algumas placas de aglomerado e recortou-as em
10 pedaços iguais de 1.60
metros por 1.10 metros , e cada dia postou-se num
determinado lugar. Esteve na feira de São Joaquim, no Iguatemi, na Barra,
Liberdade, num manicômio, numa prisão, num local onde são recolhidos os cegos,
e deu oportunidade a que várias pessoas de camadas sociais e até as condições
físicas diversas pudessem se expressar através de seus painéis.
O
lema de Leonel Mattos: “É preciso despertar o povo para a arte. E, que o pincel
não é um revólver, mas é uma arma que deve ser usada em busca da liberdade.
Pinte”.
Uma posição de certa forma semelhante aos artistas engajados. Sei que o jovem
Leonel Mattos ainda não tem um suporte ideológico para que possamos avaliar o
seu engajamento político, mas sua obra calcada na gente do Nordeste, e nas
situações vividas por esta gente sofrida, de qualquer sorte nos leva a pensar e
ver este artista como um jovem que despertar ele tem pressa de levar consigo as
pessoas através de seu trabalho plástico.
LEONEL
NAS RUAS
Leonel Mattos pintando na rua com os populares |
Muitos
simplesmente respondem: “Estou com pressa” ou “não sei pintar”. “Não tenho
tempo”, e os mais preocupados com o dinheiro indagam se têm que pagar alguma
coisa. Não.Tudo
é grátis e espontâneo. Livre como o próprio pensamento de Leonel Mattos que vai
construindo a sua obra dentro de uma emoção impulsiva. Depois das explicações
de que podem fazer o que quiser, os apressados dão seus riscos, outros escrevem
palavras e slogans, e o trabalho vai sendo composto por muitas mãos.
Leonel
acredita que esteja documentando a gente baiana que se expressa de várias
formas. Os slogans e os traços dados no suporte pelo pessoal que transita na
Barra são completamente diferentes dos feitos pelos moradores da Liberdade ou da
Feira de São Joaquim. O universo de conhecimento é distinto e os signos é que
levam Leonel a falar em documentação.
Para
ele as reações do público, inclusive alguns em determinados momentos os chamam
de doido ou louco é uma demonstração do distanciamento do público em relação
aos movimentos de arte. “Sou um artista jovem, porém, disputando o mercado de
arte, participando de exposições individuais e coletivas, de leilões, e acervo
das galerias, alguns museus, além de frequentar os encontros e seminários sobre
arte.
Porém,
não posso dizer que sou uma pessoa conhecida, e isto constatei pessoalmente nas
ruas da cidade sem preconceito, e nem tampouco o meu trabalho.Declara Leonel “sou um artista que pinto as minhas emoções, procurando sempre o fio do
meu traçado para aquilo que consigo captar em minha existência”.
Este
trabalho está sendo feito sem qualquer patrocínio e acredita até que seja
difícil a sua aceitação no mercado. Para isto é preciso que o interessado tenha
realmente consciência da participação do povo na obra de arte e se disponha a
entender a intenção de Leonel Mattos. Mas, ele não está preocupado com isto. O
que lhe interessa é documentar as expressões espontâneas do povo nas ruas.
Os
trabalhos serão mostrados numa exposição que podemos dividi-las em duas partes.
Na primeira, ele mostrará várias telas sobre uma temática da Ilha de Itaparica,
com vendedores de frutas e outros personagens. A segunda, é composta de 10
placas, com as obras feitas por várias mãos.
Também
sua mulher Rogéria estará expondo peças de cerâmica.Estreando,
portanto como artista.Leonel
Mattos afirma que tem consciência que a arte é consumida por uma elite, e por isto
está se sentindo gratificado por ter proporcionado a participação de várias
pessoas em seu trabalho, especialmente os cegos, presos, doentes mentais, além
dos considerados sãos que andam pelas ruas da cidade.
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