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quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

YÊDAMARIA MOSTRA SUAS CORES VIBRANTES DIA 14 - 10 DE SETEMBRO DE 1984


JORNAL A TARDE SALVADOR, 10 DE SETEMBRO DE 1984

YÊDAMARIA MOSTRA SUAS CORES VIBRANTES DIA 14

A artista Yêdamaria com uma gravura
 Yêdamaria integra uma constelação de grandes artistas baianos da chamada segunda geração onde figuram Juarez Paraíso, Zé Maria, Sônia Castro, Leonardo Alencar, Riolan Coutinho, Calasans Neto e Sante Scaldaferri dentre outros.
Esta artista é antes de tudo uma profissional que trabalha dia-a-dia em suas gravuras procurando aprimorar sua técnica e acima de tudo viver sua própria obra de cromatismo onde as cores vibrantes nos levam a uma terra cheia de sol e banhada pelo mar.
É uma batalhadora! Desde os sete anos, com a morte do seu pai, que ela vem transpondo barreiras difíceis para alcançar os seus objetivos. Sua mãe fez uma promessa a Nossa Senhora de só vesti-la de branco e azul até a sua primeira comunhão. Promessa que é muito comum na zona rural deste país especialmente no Nordeste. Portanto, estava vedado o uso de cores fortes em suas vestes. Mas, aos 11 anos, começa o curso ginasial indo morar em Itapagipe, onde surgiram anos depois a fase dos barcos, tão apreciados pelos críticos e colecionadores. De lá foi para São José de Cima, ficando distante do mar, mas vendo outra paisagem até então desconhecida para a menina Yêdamaria. Eram as janelas centenárias dos velhos casarões onde os estudantes estendiam suas poucas vestes em seus pensionatos. A sua trajetória continua com a atividade estudantil onde começa a se destacar como uma boa aluna de desenho. Forma-se em professora primária e parte para o vestibular na Escola de Belas Artes. Aí foi o encontro do seu talento com a técnica. E, já em 1955 é agraciada com a Menção Honrosa no VI Salão Baiano de Belas Artes, e no ano seguinte, participa da primeira coletiva. Ganha o segundo prêmio do I Salão de Arte Moderna, em 1958, e no mesmo ano é graduada em pintura. A formação universitária foi importante para o aprendizado das técnicas que hoje são aprimoradas para a expansão de seu talento de artista. De 1955 a 1956, Yêdamaria deliciou a todos nós com os barcos e as velas enfunadas em mares azuis. Uma atmosfera própria desta terra encantadora que é a Bahia! Na época meu amigo Wilson Rocha escreveu:
“Os meios de expressão da cor, o estudo abstrato do espaço e a valorização expressiva da matéria são as diretrizes conceituais de sua pintura vibrante e plena de emotividade”... E em outro trecho: “A sensualidade cromática, a força vertical dos seus contrastes são a mensagem de exuberância tropical, algo, talvez, da velha e generosa paisagem da Bahia saturada de cores de humanidade e tradição...”
Foram assim doze anos, onde mais de duas centenas de telas foram criadas com muito amor.
Nada igual! Cada barco, cada vela tinha uma expressão plástica própria o que demonstra a sua capacidade criativa. Yêdamaria parte para um vôo mais largo e vai expor em 1965 na Galeria Goeldi, onde tem uma apresentação muito lúcida de Jorge Amado, que disse:
“Não sei que outras coisas ele irá pintar, como continuará o seu trabalho, a evolução de sua temática; sei apenas que seus barcos aí estão, realidade de arte baiana atual...”

ÀS VEZES INCOMPREENDIDA

Tenho ouvido com alguma insistência incompreensões sobre Yêdamaria. A sua timidez é que na realidade tem provocado estas incompreensões. Talvez seja fruto até de preconceitos escondidos entre frases mal pronunciadas ou maldosamente escondidas. A artista revela que realmente de início “não me sentia artista negra, mas, a medida que comecei a comparar a pintura das Yemanjás com o colorido africano descobri que hoje, o meu colorido está mais ligado ás minhas raízes. O sentimento africana tem sua essência muito forte: musical, simbólica, e cromática”. Esta determinação em assumir publicamente a sua negritude a assumir o seu papel na arte negra dentro de um contexto cultural de predominância branca contribui para aumentar algumas dissidências.
Mas Yêdamaria com o seu talento vai pulando as barreiras e as armadilhas que surgem pela frente. Assim vieram as Yemanjás, reinar neste mar da Bahia. As sereias que dominaram sua preocupação durante os anos de 1967 e 68. Vieram as colagens com imagens repetidas de um mesmo tema (sereias) entre sucessivos planos de cores luminosas. A artista descobre o uso de outros materiais entre os quais tintas plásticas, colagens, revestimentos de resinas. É, como um passo adiante utiliza as técnicas mistas originárias em sua grande parte das artes gráficas sobretudo da xilogravura e do silk screen. Yêdamaria é hoje uma das melhores gravadoras desta terra. Sua técnica como estamos observando resumidamente se vem modificando. Passa agora de colagem para a monotipia onde seu trabalho adquire nuances e as cores ficam mais vibrantes.
Porém, são os alimentos sua atual preocupação plástica. Já estava ligada ao mar com os saveiros e as Yemanjás cantadas pelos pescadores. A artista Yêdamaria continua sua trajetória com as vistas voltadas para este elemento. Agora, quando nos apresenta várias gravuras enfocando os alimentos, os peixes aparecem com muito destaque.
São eles que dão maior vibração, maior plasticidade ás suas gravuras atuais. Quase que dominam os espaços ou os dividem com outros alimentos feitos pelos negros baianos. Aparecem também os acarajés, os abarás e outras iguarias da culinária baiana, tão rica em presença africana. É assim a arte de Yêdamaria que a partir do dia 14 estará na Galeria MAB, na Pituba, mostrando seus trabalhos até 6 de outubro vindouro.

MUITO DESIGUAL

Estamos vivendo no mundo desigual onde os ismos ideológicos determinam e dominam as vidas. As religiões, que se multiplicam, contribuem ainda mais para esta confusão desenfreada onde a vontade uns poucos encastelados em salões acarpetados decidem o que fazer com os milhões de seres humanos, que lutam desesperadamente pela sobrevivência nos cortiços das grandes cidades, nas invasões e em outras concentrações subnormais. O alimento é cada vez mais escasso, porque o que conseguem arrecadar tem que ser dividido com outras necessidades. Se o quadro continuar como está muitos terão que se contentar em breve com os alimentos estampados no vídeo da TV ou nos cartazes espalhados pelas cidades anunciando um novo produto ou mesmo nas páginas das revistas.
Esta afirmação que parece ao menos aviados fora de qualquer propósito tem uma razão de ser. Objetiva levar algumas pessoas a pensar sobre o que está acontecendo a sua volta. Veja as gravuras de Yêdamaria e pense na falta do que a inspirou.


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