JORNAL A TARDE SALVADOR, 10 DE
SETEMBRO DE 1984
YÊDAMARIA MOSTRA SUAS CORES
VIBRANTES DIA 14
A artista Yêdamaria com uma gravura |
Esta
artista é antes de tudo uma profissional que trabalha dia-a-dia em suas
gravuras procurando aprimorar sua técnica e acima de tudo viver sua própria
obra de cromatismo onde as cores vibrantes nos levam a uma terra cheia de sol e
banhada pelo mar.
É
uma batalhadora! Desde os sete anos, com a morte do seu pai, que ela vem
transpondo barreiras difíceis para alcançar os seus objetivos. Sua mãe fez uma
promessa a Nossa Senhora de só vesti-la de branco e azul até a sua primeira
comunhão. Promessa que é muito comum na zona rural deste país especialmente no
Nordeste. Portanto, estava vedado o uso de cores fortes em suas vestes. Mas,
aos 11 anos, começa o curso ginasial indo morar em Itapagipe, onde surgiram
anos depois a fase dos barcos, tão apreciados pelos críticos e colecionadores.
De lá foi para São José de Cima, ficando distante do mar, mas vendo outra
paisagem até então desconhecida para a menina Yêdamaria. Eram as janelas
centenárias dos velhos casarões onde os estudantes estendiam suas poucas vestes
em seus pensionatos. A sua trajetória continua com a atividade estudantil onde
começa a se destacar como uma boa aluna de desenho. Forma-se em professora
primária e parte para o vestibular na Escola de Belas Artes. Aí foi o encontro
do seu talento com a técnica. E, já em 1955 é agraciada com a Menção Honrosa no
VI Salão Baiano de Belas Artes, e no ano seguinte, participa da primeira
coletiva. Ganha o segundo prêmio do I Salão de Arte Moderna, em 1958, e no
mesmo ano é graduada em
pintura. A formação universitária foi importante para o
aprendizado das técnicas que hoje são aprimoradas para a expansão de seu
talento de artista. De 1955 a
1956, Yêdamaria deliciou a todos nós com os barcos e as velas enfunadas em
mares azuis. Uma atmosfera própria desta terra encantadora que é a Bahia! Na
época meu amigo Wilson Rocha escreveu:
“Os
meios de expressão da cor, o estudo abstrato do espaço e a valorização
expressiva da matéria são as diretrizes conceituais de sua pintura vibrante e
plena de emotividade”... E em outro trecho: “A sensualidade cromática, a força
vertical dos seus contrastes são a mensagem de exuberância tropical, algo,
talvez, da velha e generosa paisagem da Bahia saturada de cores de humanidade e
tradição...”
Foram
assim doze anos, onde mais de duas centenas de telas foram criadas com muito
amor.
Nada
igual! Cada barco, cada vela tinha uma expressão plástica própria o que
demonstra a sua capacidade criativa. Yêdamaria parte para um vôo mais largo e
vai expor em 1965 na Galeria Goeldi, onde tem uma apresentação muito lúcida de
Jorge Amado, que disse:
“Não
sei que outras coisas ele irá pintar, como continuará o seu trabalho, a
evolução de sua temática; sei apenas que seus barcos aí estão, realidade de
arte baiana atual...”
ÀS
VEZES INCOMPREENDIDA
Tenho
ouvido com alguma insistência incompreensões sobre Yêdamaria. A sua timidez é
que na realidade tem provocado estas incompreensões. Talvez seja fruto até de
preconceitos escondidos entre frases mal pronunciadas ou maldosamente
escondidas. A artista revela que realmente de início “não me sentia artista
negra, mas, a medida que comecei a comparar a pintura das Yemanjás com o
colorido africano descobri que hoje, o meu colorido está mais ligado ás minhas
raízes. O sentimento africana tem sua essência muito forte: musical, simbólica,
e cromática”. Esta determinação em assumir publicamente a sua negritude a
assumir o seu papel na arte negra dentro de um contexto cultural de
predominância branca contribui para aumentar algumas dissidências.
Mas
Yêdamaria com o seu talento vai pulando as barreiras e as armadilhas que surgem
pela frente. Assim vieram as Yemanjás, reinar neste mar da Bahia. As sereias
que dominaram sua preocupação durante os anos de 1967 e 68. Vieram as colagens
com imagens repetidas de um mesmo tema (sereias) entre sucessivos planos de
cores luminosas. A artista descobre o uso de outros materiais entre os quais
tintas plásticas, colagens, revestimentos de resinas. É, como um passo adiante
utiliza as técnicas mistas originárias em sua grande parte das artes gráficas
sobretudo da xilogravura e do silk screen. Yêdamaria é hoje uma das melhores
gravadoras desta terra. Sua técnica como estamos observando resumidamente se
vem modificando. Passa agora de colagem para a monotipia onde seu trabalho
adquire nuances e as cores ficam mais vibrantes.
Porém,
são os alimentos sua atual preocupação plástica. Já estava ligada ao mar com os
saveiros e as Yemanjás cantadas pelos pescadores. A artista Yêdamaria continua
sua trajetória com as vistas voltadas para este elemento. Agora, quando nos
apresenta várias gravuras enfocando os alimentos, os peixes aparecem com muito
destaque.
São
eles que dão maior vibração, maior plasticidade ás suas gravuras atuais. Quase
que dominam os espaços ou os dividem com outros alimentos feitos pelos negros
baianos. Aparecem também os acarajés, os abarás e outras iguarias da culinária
baiana, tão rica em presença africana. É assim a arte de Yêdamaria que a partir
do dia 14 estará na Galeria MAB, na Pituba, mostrando seus trabalhos até 6 de
outubro vindouro.
MUITO
DESIGUAL
Estamos
vivendo no mundo desigual onde os ismos ideológicos determinam e dominam as
vidas. As religiões, que se multiplicam, contribuem ainda mais para esta
confusão desenfreada onde a vontade uns poucos encastelados em salões
acarpetados decidem o que fazer com os milhões de seres humanos, que lutam
desesperadamente pela sobrevivência nos cortiços das grandes cidades, nas
invasões e em outras concentrações subnormais. O alimento é cada vez mais
escasso, porque o que conseguem arrecadar tem que ser dividido com outras
necessidades. Se o quadro continuar como está muitos terão que se contentar em
breve com os alimentos estampados no vídeo da TV ou nos cartazes espalhados pelas
cidades anunciando um novo produto ou mesmo nas páginas das revistas.
Esta
afirmação que parece ao menos aviados fora de qualquer propósito tem uma razão
de ser. Objetiva levar algumas pessoas a pensar sobre o que está acontecendo a
sua volta. Veja as gravuras de Yêdamaria e pense na falta do que a inspirou.
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