JORNAL A TARDE , SALVADOR, 30 DE JULHO DE 1984.
A ARTE DE NOÉ LUÍS É PONTE ENTRE O REAL E SURREAL
O goiano Noé Luís e duas telas que estão expostas na Galeria Mab, na Pituba |
A obra Proteção, o pássaro e o ovo gigante |
As
coisas foram evoluindo e de repente o Noé estava em Goiânia decidido a fazer um
Curso de Engenharia. Mas não passou de um simples impulso. “Para que ia fazer
engenharia? O que gosto mesmo de fazer são minhas cerâmicas e minhas telas
enfocando a flora e a fauna de meu estado”.
Permaneceu
fiel às suas origens e continuou procurando melhorar a qualidade de sua arte.
Porém a preocupação em manter os seus valores é demonstrada a cada frase que
ele pronuncia, e isto se descobre á medida que a conversa flui com mais
intensidade.
Lembro
que quando indaguei o por que da irregularidade na queima das peças, pois
algumas apresentam manchas mais escuras ele explicou que utiliza, como acontece
com muitos de seus conterrâneos, o forno a lenha. Queima suas peças como seus
patrícios fazem com as telhas rústicas e as mesmas ganham mais autenticidade e
o resultado é muito significativo. Além disto, suas peças não apresentam uma
textura muito lisa, bem acabada, como alguns sugerem. A textura propositadamente
é rústica o que dá maior identificação com o seu mundo rural.
Uma
das peças de cerâmica que me chamou atenção representa um couro de boi com
cabeça e chifres. A textura do couro ficou muito sugestiva e foi conseguida com
um saco de alinhagem, desses que são utilizados nas fazendas para o transporte
dos produtos colhidos. Nesta peça também notamos a variação na queima, onde as
manchas mais claras e escuras resultam numa composição plástica forte.
Quando
examinamos sua pintura notamos o contraste entre a presença rural do forno e a
própria maneira de abordar a temática de uma forma mais primitiva, o desenho
cuidadoso e a leveza do traço. Como fechasse as cortinas de um teatro e as
cerâmicas fossem retiradas pelos contra-regras para início de um segundo ato ou
seja aquele em que o mundo rústico-rural dá lugar ao mundo surreal. Embora a
presença dos elementos figurados seja constante a maneira da abordagem é
diferente. São dois momentos na arte de Noé Luís, e acredito que a maneira de
abordar na cerâmica traduz maior autenticidade.
O caju e o casario num envelope |
Não
posso deixar de lembrar que embora capital, a cidade de Goiás não possui ainda
um intenso movimento cultural, especialmente no campo das artes plásticas.
Agora, é que um grupo de artistas está-se movimentando para construção de um
espaço denominado pomposamente de Catedral da Arte, cujo projeto é do baiano
Juracy Dórea.
Diz
Noé Luís “Não temos um museu embora existam algumas galerias o movimento ainda
é muito pequeno”. Para vencer estes problemas os artistas goianos criaram
grupos de trabalho e Noé participa de um desses grupos que funciona como uma
oficina livre, onde é discutida a produção artística em todos os níveis. Isto
permite de certa forma a garantia da sobrevivência e uma ponte entre os
artistas e o público.
Todas
estas dificuldades enfrentadas por Noé Luís demonstram qualidade inata do
artista que é. Venceu principalmente a barreira da desinformação, isto
aconteceu no momento em que teve sua atenção despertada pela velha professora.
Daí não mais parou e a sua produção prossegue num ritmo crescente revelando um
artista autêntico que utiliza os elementos de seu próprio mundo na sua
expressão plástica. Acredito que outros caminhos ainda serão buscados por Noé
procurando uma identificação cada vez maior com o próprio mundo onde gravita.
Para
finalizar quero chamar a atenção para o uso e o equilíbrio da cores que compõem
os seus trabalhos .Cores que criam uma atmosfera surreal,permitem um equilíbrio
cromático muito identificado com suas emoções.
O
casario goiano é representado dentro de envelopes. Outra demonstração da sua preocupação com a preservação não
apenas da flora e fauna, como também com o próprio patrimônio que aprendeu a
mar. Parece até o Noé Luis depois de viajar pelos campos verdejantes de seu estado
resolve dar um mergulho nos eu subconsciente. Uma passagem do seu mundo real
onde foi criado para o mundo surreal, onde espera proteger os seus bois,
pássaros, árvores e o patrimônio das cidades que praticamente conheceu já
adulto.
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