JORNAL A TARDE SALVADOR, 07 DE
OUTUBRO DE 1985
A GRANDEZA DA 18.ª BIENAL
INTERNACIONAL DE S. PAULO
O Presidente José Sarney na rampa do terceiro pavimento da 18 ª Bienal Internacional paulista |
Está
aberta ao público uma das quatro mais importantes mostras de arte do mundo, a
18.ª Bienal Internacional de São Paulo. São 2.400 obras distribuídas em três
andares, onde o visitante tem acesso através de rampas suaves desenhadas pelo
mestre Oscar Niemeyer, em 1951. Setecentos artistas das mais variadas
tendências, dos quais 300 brasileiros, participam da mostra onde o visitante
tem que levar necessariamente de um dia e meio a dois para, realmente, olhar
como manda o figurino cada uma das obras expostas.
É
uma maratona que deve ser feita com muito boa vontade, tempo e alguém ao lado
para entremear um bate-papo.Como
estou de viagem marcada para a Alemanha e Áustria, pretendo visitar a Bienal
tão logo retorne, talvez até desembarcando na volta em São Paulo. Mas ,
tenho acompanhado passo a passo a Bienal desde as primeiras reuniões das
comissões organizadoras e recebi com regularidade material informativo da própria
Fundação Bienal. Sabemos hoje que para se fazer uma mostra deste porte foram
necessários investir um milhão de dólares e não 300 mil dólares como foi
pensado inicialmente, depois refizeram os cálculos para 700 mil dólares, e
terminou na realidade custando em torno de um milhão de dólares, sendo que boa
parte com ajuda da iniciativa privada.
SURPRESAS
Esperam
os organizadores que 200 mil pessoas percorreram os cinco quilômetros com a
alegria de quem vai a uma festa. A 18.ª Bienal é uma festa cultural onde
alegremente as pessoas vão tendo emoções e formações sobre as expressões mais
vitais de uma sociedade organizada. Esta Bienal traz consigo a presença da
música e também dos artistas cubanos que estavam há 22 anos fora de qualquer
bienal. Os 43 países participantes oferecem muitas surpresas.
Um
deles é o Peru, através de Herman Veja, que utilizou sua criatividade para uma
descrição crítica dos clássicos. Basta citar que a tela “Lição de Anatomia”, de
Rembrandt, o fotógrafo mostra na Bienal os militares bolivianos expondo o corpo
morto do guerrilheiro argentino-cubano Che Guevara.
E
a grande tela, onde três imensos corredores compondo seis paredes estão expondo
dezenas de artistas. Tantas discussões foram alvo esta idéia de Sheila Leirner.
São quadros produzidos nos mais variados países como que estão ali confrontado
aos olhos dos visitantes e ela justifica esta sua idéia como “um espelho da
produção artística internacional que varia em escalas de acordo com as
informações dos autores e também dos visitantes capazes ou não capazes de fazer
uma leitura crítica.
O
visitante pode ainda entrar pelos labirintos criados com ripas pelo americano
Edward Mayer sem utilizar um prego sequer. As ripas são supostas.
Além
dos estrangeiros e das novidades em termos de técnicas e materiais usados como
suportes de arte ou mesmo em ambientações, existem lá os xilogravadores
nordestinos que estão localizados em frente aos expressionistas.
Para
os que gostam da videoarte, tem um salão chamado Entre a Ciência e a Ficção.
E
O FUTURO DAS BIENAIS?
Os
organizadores debateram o futuro das bienais, inclusive esta falácia que salões
e bienais estão falidas. Mas, quando se pensa em reunir um grupo de produção ou
mesmo de artistas surgem invariavelmente às coletivas, os salões ou as bienais.
Não concordo com aqueles que dizem que o futuro das bienais interessa apenas
aos organizadores.
Qualquer
pessoa de nível intelectual médio deve interessar-se por arte e uma mostra da
qualidade e da importância de uma bienal tem necessariamente que mexer com suas
emoções. As bienais de Paris, Veneza, São Paulo ou na Quadrienal de Kassel
(Alemanha) são realmente acontecimentos internacionais da mais alta
importância.
O
venezuelano Roberto Guevara disse em São Paulo que falar sobre “O futuro das bienais é
falar sobre o futuro da Humanidade, é impossível de se prever”.Já
Roberto Muylaert, presidente da Fundação Bienal São Paulo, argumentou com
número. Uma boa exposição numa galeria atraí 2.000 mil pessoas de um mesmo
estado.Nesta
Bienal vamos atrair mais de 200 mil pessoas, inclusive de vários países. E
contra ataca: “Se este número é importante, então a Bienal é um sucesso”.
É
bom acrescentar a este argumento que as 2.000 pessoas que começaram a uma
galeria, na maioria das vezes, vão através de convites pessoais. As exposições
são mais elitizadas. A Bienal é democrática e aberta. Nas vezes que estive
visitando outras bienais encontrei centenas de estudantes em grupos com guias
especiais explicando cada manifestação. Portanto, serve para formação de novas
clientelas e também para o despertar
vocações. Como acontece com qualquer organização, existem os contrários, os
descontentes e eles têm o direito de protestar. Só que lá o protesto é de
nível, não provinciano, desconexo e esclerosado como alguns que aqui acontecem.
Ontem, em São Paulo ,
Aldemir Martins, Darcy Penteado, Marcelo Nistche e Ivald Granato, entre outros,
promoveram uma manifestação das 12 às 17 horas, intitulada “Arte e Pensamento
Ecológico”, na Avenida Paulista.
São
os chamados eventos paralelos organizados por grupos ou mesmo artistas
isolados, embaixadas, consulados, para promover a produção de arte em seus
respectivos países ou protestar contra o evento.
LATINOS
AMERICANOS
Entre
as delegações latino-americanas destacam-se as do Chile, Paraguai, Uruguai,
Argentina, Peru,Venezuela, República Dominicana.Para
o artista Silvano Lora, de São Domingos, “esta Bienal já enfrentou muitas
crises e é muito importante para nós do continente. Noto que nos últimos dois
anos sofreu uma espécie de revitalização”. Certamente esta revitalização a que
se refere o artista é fruto dos novos ares na política que vem espelhar ou
desaguar em qualquer produção intelectual.
A
uruguaia Agueda Cancro apresenta um trabalho intitulado “Ataduras”, que é
formado de peças de roupas feitas de vidro branco fosco penduradas sobre um
trilho de trem, sugerindo a idéia de eternidade. No núcleo histórico, o cubano
(falecido) Wilfredo Lam é um dos pontos altos desta seção. O venezuelano, de 34
anos, Milton Becerra, fez “aterrissar” um meteorito que em sua visão “é o único
testemunho que representa a vida humana no cosmos”. Seu trabalho sofre a
influência que o famoso e tão esperado Cometa Halley vem despertando em todo o
mundo.
O
meteorito do venezuelano foi revestido de ceras e material inflamável e ardeu
em fogo, envolto por circuitos traçados no chão com pigmento de tinta “como
ondas sonoras que se estendem sem fim”, explica o autor.
O
uruguaio Hugo Nantes apresenta outra obra que causa impacto aos visitantes: são
esculturas de metal reproduzindo três homens dilacerados, sentados numa mesa.
Muitos
outros artistas, latino-americanos demonstram que a arte nesses países vem
sofrendo um grande processo de revitalização. As ditaduras que foram ou estão
sendo varridas deste continente estão surtindo efeitos positivos.
A
MÚSICA É VEDETE
O experimentador John Cage |
“Me
distraí jogando xadrez com o passageiro que estava sentado ao meu lado”. Ele
esteve aqui na década de 60, mas somente no Rio de Janeiro, juntamente com uma
companhia de dança. É um homem delicado, que sofre influência oriental
hinduísta, zen-budista ou taoísta, mas acima de tudo é um homem “equilibrado
com seu tempo, sua arte e seu pensamento”.
Disse
que recentemente escreveu uma série de peças intituladas Ryoanji, que é o
nome de um templo em Kioto, Japão, que apresentará no Festival de Nova Música
Americana, em Houston, no Texas.Ele é muito conhecido dos músicos brasileiros e
influenciou as obras de Rogério Duprat, Damiano Cozzella, Willy Correia de
Oliveira e Gilberto Mendes. É interdisciplinar e trabalha com desenvoltura na
música, na dança e na arte plástica.
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