JORNAL A TARDE, SALVADOR, 24 DE SETEMBRO DE 1984
O GRAVADOR CALASANS NETO É TAMBÉM UM BOM PINTOR
O artista Calasans Neto tendo ao fundo algumas telas que estão expostas no Rio de Janeiro. |
A
princípio podemos afirmar que não existe em Calasans a preocupação imediata em
reproduzir uma paisagem. Ele utiliza uma simbologia rica, simplificando as
formas dos personagens que convivem com a sua fantasia há vários anos. A
gravura deu-lhe a disciplina que transparece na pintura, onde suas figuras
parecem que não foram feitas a pincel e sim talhadas. Calasans para pintar como
que utiliza as mesmas ferramentas para fazer uma gravura, qual a identidade dos
personagens, nas formas e posturas. O traço é o mesmo, firme e definido.
Existe
a preocupação com sua identidade geográfica. As figuras não são folclóricas,
como podem parecer àqueles que não conhecem de perto a obra de Calasans Neto.
Elas
não são impróprias e sim simbólicas. Alguns frutos da imaginação do artista que
cultua o seu pedaço de terra dentro do Território Livre de Itapuã.
As
cores fortes revelam também a tropicalidade baiana, onde o sol reina quase todo
o ano, e as nossas praias estão sempre cheias de personagens que buscam a cor
da morenice brasileira.
É
verdade que o próprio Calasans afirma não existir um sentido paisagístico
geográfico na sua obra.
Mas
o uso de personagens reais e simbólicos dá a locação exata de Itapuã e Abaeté.
Talvez seja até um protesto pelo que vem ocorrendo na área, enquanto os
governos vão se sucedendo.. As dunas são danificadas pelos construtores que
retiram a sua areia branca para construir novos espigões de concreto, a
vegetação é dizimada por invasores e a fauna está desaparecendo pela presença
dos depredadores.
Calasans
assiste a tudo isto e ouve dos seus vizinhos o que está ocorrendo no Território
Livre de Itapuã. Se continuar esta depredação desenfreada não será mais livre
dentro de pouco tempo. E o protesto vem através da sua obra.
Um
protesto muitas vezes tão sutil que algumas pessoas não percebem. Neste
protesto ele escolhe entre a gravura e a pintura a que melhor vai expressar o
que está sentindo naquele momento. Portanto, Calasans está atualmente dividido
entre as ferramentas da gravura e o pincel. Na gravura predominam o preto e
branco e na pintura as cores fortes.
Ele
expõe 17 telas dividas nos tamanhos de 1 m x 1m, 1m x 50 cm e 80 cm X 50 cm que custa de Cr$700 a
CR$3 milhões.
Calá
ou Mestre Calá recomeçou a pintar há um s quatro anos, depois de trabalhar por
um período com certo cuidado para impor-se como pintor. No entanto, acho que o
Calasans gravador e o Calasans pintor se identificam perfeitamente. Não
consigo, por mais que me esforce fazer uma grande distinção. Quando pinta
Calasans está gravando. O traço é o mesmo e de repente lembro-me das
ferramentas com que tanto se identifica. Sei que na gravura quase sempre o
preto e o branco dominam e que o home4m aparece como elemento principal. Quanto
aos quadros a óleo as cores são fortes e são as cabras, pássaros e outros
animais alados a sua temática. A apresentação
do catálogo desta exposição é de Sônia Coutinho, ela diz em certo trecho:
Quando a ninguém ocorreria cobrar de Calasans Neto alguma coisa além da
continuidade desta obra já importante, eis que ele vem de mansinho e explode
numa nova fase de descobertas, abrindo perspectivas e caminhos, em pleno pique
de crescimento.
Começava
para ele uma nova fase, era a fase pintura de Mestre Calá, como é
carinhosamente conhecido na Bahia. “Onde além de grande artista, tornou-se uma
das grandes figuras humanas da vida da Cidade”.
MURILO NOS APRESENTA OS ASTRONAUTAS
NORDESTINOS
Astronautas Nordestinos do pintor alagoano/baiano Murilo |
Mas
os Astronautas Nordestinos não são conquistadores e sim conquistados,
espezinhados pelos senhores das cidades e donos da terra. São obrigados a voar
porque não tem como sobreviver nem mesmo nos períodos chuvosos e assim partem
desorientados sem carregarem a simbologia das ideologias, mas levam consigo as
marcas da fome e da miséria e a desorientação do abandono. São viagens sem fim,
aliás, são fugas para o desconhecido e muitas vezes ficam pelo meio do caminho
por total falta de forças. Não tem apoio logístico dos supercomputadores. Não
são heróis e, sim, vítimas de estruturas falidas onde o pode do lucro massacra
suas vidas. Também não são ovacionados pelas multidões e não comparecem aos palácios
para receberem medalhas e diplomas. Eles habitam os cortiços e as invasões nas
grandes cidades, e quando conseguem retornar são recebidos com tristeza e não
com alegria.
São
estes astronautas que a partir do dia 27, às 21 horas estarão na Galeria O
Cavalete, no Salvador Praia Hotel, trazidos por Murilo, que considero um dos
mais fortes nomes surgidos ultimamente nas artes plásticas baianas.
“Ele
vai nos mostrar os seus mais recentes trabalhos sob o título Astronautas
Nordestinos, com apresentação de Wilson Rocha que diz em certo trecho:” Oriundo
do espanto de nossa ancestralidade, da força da cultura nordestina, é uma
pintura essencialmente espetacular como narração figurativa” e do escritor
Claudius Portugal “Sua pintura é um sentimento e a visão do dia a dia, a
espinha na garganta, a marca de uma personalidade, a história de cada um de nós
vivendo o seu aqui e agora. Estamos a realizar com nossas ações e omissões”.
Murilo
nasceu em 1955, em Penedo, Alagoas, transferindo-se no mesmo ano para Salvador,
Bahia, e como autodidata começou a pintar em 1970. Cinco anos mais parte
ingressa na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia. De sua
vivência atual entre Salvador e Nazaré das Farinhas surgem suas figuras e suas
cores, uma pintura de contador de histórias populares, narrativas do povo, o
desenvolvimento de um trabalho como uma proposta de vida.
“Minha
pintura é o que sinto e vejo. É a minha história num determinado momento. É a
história do meu tempo. Meus personagens são embrutecidos pela vida, e sentem
medo. O medo do escurecer da tarde, do clarear da manhã, e o medo moderno: medo
da violência nas calçadas, medo de ladrão dentro do quarto, medo de se atirar
pela janela...”
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