JORNAL A TARDE SALVADOR, 23 DE
SETEMBRO DE 1985
JURACI DÓREA E CAPINAM LANÇAM
LIVRO E POSTER
A casa de Edwirges, com várias pessoas em frente à escultura |
Mas
a grandiosidade da obra de Juraci Dórea está exatamente em levar o fazer
criativo para o seu próprio habitat utilizando-se de materiais do dia-a-dia do
catingueiro.
Quando
vi os primeiros trabalhos do projeto Terra através de fotografias. Lembrei-me
imediatamente de uma velha barriguda onde meu avô mandava dependurar os couros
de vacas e carneiros “espichados” para secar. Uma imagem comum neste Nordeste
sofrido, onde a estufa é o próprio sol que castiga e resseca a sua terra.
Juraci
fala do livro Terra do seu projeto, e da curiosidade dos homens do campo em
saber o que ele estava fazendo e as hipóteses levantadas por aquelas pessoas.
Voltando
um ano depois a cada de Edwirges, no interior de Monte Santo, Juraci encontrou
sua escultura sem o couro, que dava forma e completava o trabalho desaparecera
totalmente. Hoje, confessa orgulhoso “deve estar por ali mesmo, em forma de
arreios alpercatas, gibões ou correias”.
A
escultura ganhou nova forma com a participação da própria comunidade. Aí
podemos enaltecer a participação involuntária ou voluntária dos membros da
comunidade e também questionar o aspecto que a obra de arte é um objeto
sagrado, intocável. No projeto “Terra”, a obra de arte continua sendo
retrabalhada diante do estímulo de Juraci Dórea. A inquietação provocada no
início transformou-se dentro da própria realidade nordestina em atitudes que
desaguaram em novas formas, mesmo que não intencionalmente.
É
verdade que existe um distanciamento entre o artista que entrega a uma galeria
de arte o seu trabalho pronto e intocável e Juraci Dórea, que realiza um
trabalho com materiais que podem ser utilizados pela comunidade até para outros
fins. Com isto, podem alguns questionarem a temporalidade da obra, sujeita à
ação não apenas do próprio tempo, das chuvas e do sol, mas principalmente à
ação do homem nordestino, sofrido, que lança mão de um couro, que formava uma
escultura estranha ao seu entendimento, mas certamente este material é de suma
importância para sua sobrevivência. Esta integração entre a obra de arte e o homem
rural pode servir a noivos referenciais, inclusive a postura da lavradora
Edwirges, de quase sentir sua responsabilidade em zelar pela obra.
O
trabalho de Juraci começou em Feira de Santana, estendeu-se a Euclides da
Cunha, Tucano, Monte Santo, Uauá, Bendegó, Canudos, Santa Brígida, dentre
outros.Portanto,
uma região árida, que sofre periodicamente os efeitos terríveis da seca. Uma
região que conheço de perto, porque sou de Ribeira do Pombal, também integrante
desta região.
Várias
situações foram vividas por Juraci Dórea, agora reproduzidas em livro. O poeta José
Carlos Capinam, amigo do artista, e que diz “há limitações culturais
presumidas, mas cada resposta devolve a este preconceito a perspectiva de que o
homem defronta-se eternamente com ele mesmo em qualquer circunstância,
misteriosa ou existencialmente explícita. Os homens se apropriam da natureza, a
natureza se apropria da cultura: as esculturas de couro não ficaram impunemente
expostas nas salas da caatinga, mãos e olhos humanos cortaram-nas, serviram-se
delas, assim como a chuva rara e sol pertinaz, os corais, taiaocas ferozes,
aves de pouso e rapina e todos os mitos que espantam as noites e cavalgam as
manhãs”.
É
bom também a gente lembrar que esta apropriação de que fala o poeta Capinam
difere-se daquela constantemente verificada na grande cidade. A apropriação na
caatinga é quase uma coisa espontânea, natural, porque o sertanejo está
acostumado a utilizar aqueles materiais para fazer seus apetrechos que lhes
garantem sobreviver. A apropriação aqui dar-se com a pureza de alguém que não
entende aquelas formas e participa do trabalho da arte inconscientemente, de
acordo com a própria limitação cultural a que está sujeito aquele homem. No
momento em que Juraci Dórea
se propôs a fazer uma arte sem referência urbana, o próprio objeto está sujeito
ao habitat e às referências rurais de que falo. São referências enraizadas a
séculos e a grande resposta é exatamente esta participação inconsciente, se
confundindo com o próprio ato de viver do homem do sertão. O lançamento do
livro de Juraci e do pôster de Capinam será às 18 horas no próximo dia 27, dia
de muito caruru em homenagem, na Praça Maria Sampaio, na Idea Design, que fica
na Travessa Juracy Magalhães, 7, em Amaralina. A programação visual é de Washington
Falcão.
YÊDAMARIA
EXPÕE O SEU LADO MULHER NA ÉPOCA
Yêdamaria
expõe a partir de quinta-feira os seus mais recentes trabalhos. É uma das
artistas mais sérias que tem esta terra. Uma mulher de fibra, que não faz
concessões, que trabalha com muita disposição e com a mesma dedicação a exemplo
do homem que lavra sua terra e fica contente, excitado à espera dos frutos.
Cada
cor que surge ou cada traço que engrandece o seu trabalho é suficiente para
levar esta artista a estado de graça.
A mesa está posta. Um convite ao banquete |
Lembro-me
que certa vez ela contou as dificuldades que vem enfrentando dia a dia para
levar avante do seu trabalho, a sua viagem aos Estados unidos, onde permaneceu
por nove meses em Illinois estudando e apurando sua técnica.
Ela
representa 21 pinturas a olé sobre tela e ainda levará algumas gravuras. Além
da beleza plástica, além da qualidade dos seus trabalhos,Yêdamaria nos
transporta a outras reflexões na medida em que nos coloca diante de mesas
bonitas e fartas. Quantos neste instante estão sentados em mesas semelhantes a
estas, tão bem representadas pela artista? E, quantos estão amargando nos becos
ou debaixo dos viadutos a ausência de qualquer alimento para matar a fome. Mas,
a vida não é só de tristezas, e é preciso ver também este lado belo esta
fartura que nos leva a refletir. O pão, que é o elemento básico e inclusive
serve de sinônimo para a gente falar sobre o próprio alimento de modo geral,
aparece com suas formas sinuosas em amarelo suave. As flores que enfeitam as
mesas cobertas por belas toalhas. Um convite ao banquete, portanto, mas que a
artista tem consciência que poucos neste País têm condições de banquetear-se
Bacharela
em pintura pela Escola de Belas Artes, com várias individuais. Iniciou em 1960
na Biblioteca Pública, que ficava na Praça Municipal e a segunda, e talvez uma
das mais importantes em sua carreira foi organizada pela professora Lina Bardi,
no Museu de Arte Moderna da Bahia.
Foram
expostos 40 trabalhos entre gravuras e guaches onde enfocava os barcos que
singram as águas do mar azul da Bahia.
A
apresentação do catálogo é feita pela poetisa Myrian Fraga que diz: “Nesta
exposição mais uma vez se afirmam as virtudes que fizeram de Yêdamaria um nome
dos mais respeitados nas artes plásticas da Bahia. Sua pintura desta vez está
mais luminosa, mais clara, de uma alegria só encontrável nos pequenos prazeres
do cotidiano; no amor sem tragédia, nas dores sofridas sem desesperança, na
vida vivida e provada sem o travo da amargura. Uma alegria madura de mulher
plena como Yêdamaria se sente afinal vendo que a lavoura que semeou começa a
dar frutos e que ela está aí, corajosa e realizada, colhendo os resultados.
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