JORNAL A TARDE SALVADOR 15 DE
JULHO DE 1985
CRESCE A PARTICIPAÇÃO NA MOSTRA
GERAÇÃO 70
Estamos
nos aproximando da abertura da exposição Geração 70 - 1ª mostra que ocorrerá no
próximo dia 26, às 21 horas, no Museu de Arte da Bahia. Será um acontecimento,
porque estamos programando uma performance com as presenças de dançarinas,
atores e músicos. Não podemos enxergar esta exposição como mais uma coletiva, e
sim, como uma mostra que deverá ser vista como um marco na história das artes
baianas, porque nelas estão aglutinados, alguns dos melhores artistas desta
geração, que já integram o mercado de arte. São artistas criativos e
qualificados para participar de qualquer seleção que se faça na Bahia.
Temos
acompanhado a reação de algumas pessoas descontentes. Acho perfeitamente normal
e até entendo, porque é muito fácil qualquer pessoa se autovalorizar. Mas, na
ótica alheia nem sempre os valores que superestimamos têm a mesma
receptividade! Isto serve para todos nós.
Procurei
com esta exposição ser isentos de pressões e simpatias. Os artistas que
convidei foram escolhidos dentro de uma visão profissional avaliando a
produção, a qualificação e a contemporaneidade. Não fiz concessões nem de
amizade, nem tampouco pressionado por entidades, cartas anônimas, telefonemas imbecis
e outras manifestações, tão comuns nesta Bahia, que ainda guarda em
determinados setores o ranço do provicianismo. O que importa é realizar. Espero
que possamos apresentar tudo que estamos programando como os espetáculos com
Lívia Serafim, Lia Rodrigues, do Grupo Tran Chan; Leda Muhama Martinez, Bete
Grebler, e o talentoso Márcio Meireles e, o Setexto do Beco, sem falar em Washington Falcão
que está fazendo o catálogo; os fotógrafos Michel e Arestides Baptista, o
pessoal do som e os 10 artistas. Uma infinidade de pessoas estão envolvidas com
esta mostra que não é minha, não pertence a estas pessoas, e sim a comunidade
baiana. Vamos aguardar.
ZIVÉ
DENUNCIA O LADO ESTÚPIDO DOS HOMENS
O
vermelho predomina.Forte
e vibrante elevando suas extremidades atrofiadas.
As figuras disformes de Zivé nos levam a pensar |
São
monstros que em determinado momento gravitam na mesma linha dos criados por
Siron Franco. Uma temática com certa semelhança. Porém, com diferenciação de
ótica e, concepção formal e técnica. Tratam ambos desta estupidez, enquanto
Zivé mostra exatamente o homem como o destruidor do próprio homem, o Siron
trata basicamente dos monstros que povoaram sua infância em Goiás Velha.
Estou
exatamente falando da possível semelhança temática para dirigir algumas dúvidas
sobre uma influência maior, que certamente inexiste. Zivé é um dos melhores
pintores emergentes desta Geração 70, consciente do seu papel inovador e sabe
argumentar sua postura contestatória.
É
verdade, pelo próprio temperamento inquieto, ele se deixa, em alguns momentos
envolver pelo calor da sua emoção. Isto faz parte da própria existência e,
também, da sua formação e origem. Certamente com o tempo algumas posturas,
consideradas, por muitos como radicais, serão revistas e mesmo até repensadas
e, quem sabe, abandonadas. Mas, o que importa é o seu trabalho diante do qual
ninguém é capaz de ficar indiferente. O espectador ou tem uma reação de
satisfação, de alegria, ou faz algumas restrições, porque as suas figuras não
gravitam naqueles estereótipos de “belo”, que a sociedade de consumo nos
impinge através das figuras róseas que povoam os comerciais e as telenovelas.
Zivé
nos mostra o lado estúpido que tentamos esconder sob falsos mantos de educação
e finura, quando na realidade diante de um estímulo desfavorável reagimos como
verdadeiros animais, agredindo com palavras e mesmo fisicamente nossos
semelhantes. Evidente que, no momento que você expõe este lado da existência
humana, as reações variam de acordo com a capacidade de autocrítica e entendimento
de cada espectador.
É
bom ressaltar que Zivé não faz apologia da violência, do comportamento
escondido e velado.
Ele
nos mostra, nos coloca cara a cara diante da estupidez para que possamos
refletir, e inclusive nos serve de lição imperfeitos, independente de
religiões. Não vejo sob o prisma da religiosidade, porque estou isento a esta
influência.
Também
é bom lembrar que o artista trabalha utilizando basicamente o papel como
suporte para sua arte. Suporte que é de certa forma discriminado porque as
pessoas têm uma idéia falsa de que sua durabilidade é muito pequena. Um erro de
educação ou de falta de conhecimento, porque existem trabalhos feitos em papel
que datam de séculos. O problema é a conservação, o cuidado que se deve ter com
uma obra de arte, porque tanto o papel, como a tela, sem a necessária falta de
cuidado, tornam-se facilmente perecíveis.
Diria
mesmo que a arte de Zivé tem uma conotação de participação social e político, e
a presença de Zivé no movimento artístico baiano tem-se revelado não apenas
pela qualidade do seu trabalho, mas também por sua atuação política. Ele não
aceita passivamente um argumento. Discute, contesta, briga e, em determinados
momentos, é até intolerante com algumas pessoas. Sua carga emotiva explode como
explode o vermelho do branco papel que utiliza para eternizar as suas formas.
E
o seu trabalho revela muito da sua maneira de ver o mundo e as pessoas com quem
se relaciona.
Numa
conversa que tivemos recentemente, Zivé Giudice disse-me que “A Antropologia,
ao resgatar a sociedades primitivas, fossilizadas, localiza o homem na escala
dos seres vivos como o mais complexo e perfeito. A Razão e a Lógica são
componentes a argumentos de defesa desta tese.
Porém,
o meu trabalho é como uma antítese desta posição antropológica. “Porque no
entender do artista o Homem no curso da História tem-se mostrado um predador,
um animal violento. Ele destrói os elementos básicos da vida e cria até um
estado paranóico de existência”. Se analisarmos as afirmações de Zivé podemos
concordar com o seu argumento. Mas, é bom salientar que o homem é um ser
complexo, como ele afirma, e que ao lado deste lado estúpido existe uma riqueza
de ideais, de sentimentos nobres que também não podem ser esquecidos e que é
preciso ressaltá-los. Diria que nem tudo é tão ruim assim. Até uma pessoa
marcada pela estupidez, a gente pode encontrar uma pequena réstia de bondade,
de emoções sinceras. É verdade também que as figuras disformes de Zivé nos
levam a uma autocrítica tão necessária a nossa existência.
Precisamos
sempre repensar nossas atitudes e ações. Se todos agissem assim a estupidez
humana seria diminuída e as figuras de Zivé também teriam outras posturas.
ESPERIDIÃO
MATTOS PINTA BAHIA DE OUTROS TEMPOS
“
A visão acadêmica, o traço exato de Esperidião Mattos vão além da performance
estética, eles invadem a área da História.
As
fachadas de rara beleza que ele retrata são documentos que manterão eterna
memória de nossa terra. Esperidião Mattos é um artista que pinta a Bahia para
sempre". Estas palavras de Heitor Reis nos revela a importância do pintor
Esperidião Mattos, que a partir do dia 17, estará expondo seus trabalhos no
foyer do Teatro Castro Alves.
Esperidião
é um pintor de uma geração que está marcada por grandes nomes da arte baiana.
Juntamente
com Raimundo Aguiar, Rescála e outros, ele enfoca a Bahia de outrora, a Bahia
que está desaparecendo sobre as patas de borracha dos automóveis, que rolam
sobre estradas pavimentadas, deixando um ruído ensurdecedor e um odor
insuportável. Ele não se acostuma com esta pressa. Chega até a ficar assustado
quando falamos que o horário é pouco, que temos que partir, que não temos
tempo. Mattos é uma pessoa muito sensível, doce até, e assim assiste perplexo
este passar incessante das pessoas, esta inquietação do vaivém que não resulta
em nada, porque todos terminam voltando ao mesmo lugar, até o dia em que o
vaivém acaba.
Ele
não tem pressa e os seus desenhos a nanquim e seus quadros a óleo nos mostram
este lado calmo, sereno e belo da Bahia. Vai registrando aqueles pontos que lhe
tocam de perto. A calmaria das sacristias das igrejas baianas, os casarões com
seus oitões debruçados sobre as ruas de pedras irregulares. Os casarões com as
marcas deixadas pelo tempo. As manchas
causadas pelas águas das chuvas e da poeira incrustada. O arbusto que nasce nas
fachadas e nas bicas.
Além
do lado bucólico, do lado belo, os trabalhos de Esperidião trazem aquele lado
documental. São importantes porque registram minuciosamente os detalhes das
fachadas, de contornos dos azulejos das sacristias, enfim os elementos mais
significativos daquilo que ele enfoca. Está conservando calmamente esta Bahia
que desaparecerá dentro de poucas décadas, se continuar o descaso daquelas
pessoas encarregadas de preservar o nosso patrimônio.
Já
disse certa vez (inclusive, ele colocou no catálogo desta sua exposição), que
Mattos é uma vítima do crescimento da cidade. O artista foi obrigado a mudar
duas vezes, por força do progresso, e sua última residência na Avenida Joana
Angélica foi demolida pela Telebahia. Portanto, enfrentou momentos de angústia,
quando os prepostos da empresa chegavam com propostas irreais ao verdadeiro
valor de sua moradia. Mas, soube, com a ajuda de Leda, enfrentar estas
dificuldades. Quantas vezes conversamos sobre este assunto, quando mostrava-lhe
que a solução viria, e veio. Hoje, está bem instalado na Vitória, é bem verdade
num apartamento, porém, grande, e lá pode refazer sua vida com um local
exclusivo para exercitar sua arte.
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