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terça-feira, 25 de dezembro de 2012

CRESCE A PARTICIPAÇÃO NA MOSTRA GERAÇÃO 70 - 15 DE JULHO DE 1985


JORNAL A TARDE SALVADOR 15 DE JULHO DE 1985

  CRESCE A PARTICIPAÇÃO NA MOSTRA GERAÇÃO 70


Estamos nos aproximando da abertura da exposição Geração 70 - 1ª mostra que ocorrerá no próximo dia 26, às 21 horas, no Museu de Arte da Bahia. Será um acontecimento, porque estamos programando uma performance com as presenças de dançarinas, atores e músicos. Não podemos enxergar esta exposição como mais uma coletiva, e sim, como uma mostra que deverá ser vista como um marco na história das artes baianas, porque nelas estão aglutinados, alguns dos melhores artistas desta geração, que já integram o mercado de arte. São artistas criativos e qualificados para participar de qualquer seleção que se faça na Bahia.
Temos acompanhado a reação de algumas pessoas descontentes. Acho perfeitamente normal e até entendo, porque é muito fácil qualquer pessoa se autovalorizar. Mas, na ótica alheia nem sempre os valores que superestimamos têm a mesma receptividade! Isto serve para todos nós.
Procurei com esta exposição ser isentos de pressões e simpatias. Os artistas que convidei foram escolhidos dentro de uma visão profissional avaliando a produção, a qualificação e a contemporaneidade. Não fiz concessões nem de amizade, nem tampouco pressionado por entidades, cartas anônimas, telefonemas imbecis e outras manifestações, tão comuns nesta Bahia, que ainda guarda em determinados setores o ranço do provicianismo. O que importa é realizar. Espero que possamos apresentar tudo que estamos programando como os espetáculos com Lívia Serafim, Lia Rodrigues, do Grupo Tran Chan; Leda Muhama Martinez, Bete Grebler, e o talentoso Márcio Meireles e, o Setexto do Beco, sem falar em Washington Falcão que está fazendo o catálogo; os fotógrafos Michel e Arestides Baptista, o pessoal do som e os 10 artistas. Uma infinidade de pessoas estão envolvidas com esta mostra que não é minha, não pertence a estas pessoas, e sim a comunidade baiana. Vamos aguardar.

ZIVÉ DENUNCIA O LADO ESTÚPIDO DOS HOMENS

O vermelho predomina.Forte e vibrante elevando suas extremidades atrofiadas.
As figuras disformes de Zivé nos levam a pensar
Parecem que estão a representar no palco da vida os desacertos e a estupidez humanos. Vagam entre espaços etéreos sem destino, com muitos homens que enchem de tragédias e incertezas as ruas das grandes metrópoles. Estão prontos a uma ação de violência ou mesmo que fuja aos cânones de uma sociedade civilizada.
São monstros que em determinado momento gravitam na mesma linha dos criados por Siron Franco. Uma temática com certa semelhança. Porém, com diferenciação de ótica e, concepção formal e técnica. Tratam ambos desta estupidez, enquanto Zivé mostra exatamente o homem como o destruidor do próprio homem, o Siron trata basicamente dos monstros que povoaram sua infância em Goiás Velha.
Estou exatamente falando da possível semelhança temática para dirigir algumas dúvidas sobre uma influência maior, que certamente inexiste. Zivé é um dos melhores pintores emergentes desta Geração 70, consciente do seu papel inovador e sabe argumentar sua postura contestatória.
É verdade, pelo próprio temperamento inquieto, ele se deixa, em alguns momentos envolver pelo calor da sua emoção. Isto faz parte da própria existência e, também, da sua formação e origem. Certamente com o tempo algumas posturas, consideradas, por muitos como radicais, serão revistas e mesmo até repensadas e, quem sabe, abandonadas. Mas, o que importa é o seu trabalho diante do qual ninguém é capaz de ficar indiferente. O espectador ou tem uma reação de satisfação, de alegria, ou faz algumas restrições, porque as suas figuras não gravitam naqueles estereótipos de “belo”, que a sociedade de consumo nos impinge através das figuras róseas que povoam os comerciais e as telenovelas.
Zivé nos mostra o lado estúpido que tentamos esconder sob falsos mantos de educação e finura, quando na realidade diante de um estímulo desfavorável reagimos como verdadeiros animais, agredindo com palavras e mesmo fisicamente nossos semelhantes. Evidente que, no momento que você expõe este lado da existência humana, as reações variam de acordo com a capacidade de autocrítica e entendimento de cada espectador.
É bom ressaltar que Zivé não faz apologia da violência, do comportamento escondido e velado.
Ele nos mostra, nos coloca cara a cara diante da estupidez para que possamos refletir, e inclusive nos serve de lição imperfeitos, independente de religiões. Não vejo sob o prisma da religiosidade, porque estou isento a esta influência.
Também é bom lembrar que o artista trabalha utilizando basicamente o papel como suporte para sua arte. Suporte que é de certa forma discriminado porque as pessoas têm uma idéia falsa de que sua durabilidade é muito pequena. Um erro de educação ou de falta de conhecimento, porque existem trabalhos feitos em papel que datam de séculos. O problema é a conservação, o cuidado que se deve ter com uma obra de arte, porque tanto o papel, como a tela, sem a necessária falta de cuidado, tornam-se facilmente perecíveis.
Diria mesmo que a arte de Zivé tem uma conotação de participação social e político, e a presença de Zivé no movimento artístico baiano tem-se revelado não apenas pela qualidade do seu trabalho, mas também por sua atuação política. Ele não aceita passivamente um argumento. Discute, contesta, briga e, em determinados momentos, é até intolerante com algumas pessoas. Sua carga emotiva explode como explode o vermelho do branco papel que utiliza para eternizar as suas formas.
E o seu trabalho revela muito da sua maneira de ver o mundo e as pessoas com quem se relaciona.
Numa conversa que tivemos recentemente, Zivé Giudice disse-me que “A Antropologia, ao resgatar a sociedades primitivas, fossilizadas, localiza o homem na escala dos seres vivos como o mais complexo e perfeito. A Razão e a Lógica são componentes a argumentos de defesa desta tese.
Porém, o meu trabalho é como uma antítese desta posição antropológica. “Porque no entender do artista o Homem no curso da História tem-se mostrado um predador, um animal violento. Ele destrói os elementos básicos da vida e cria até um estado paranóico de existência”. Se analisarmos as afirmações de Zivé podemos concordar com o seu argumento. Mas, é bom salientar que o homem é um ser complexo, como ele afirma, e que ao lado deste lado estúpido existe uma riqueza de ideais, de sentimentos nobres que também não podem ser esquecidos e que é preciso ressaltá-los. Diria que nem tudo é tão ruim assim. Até uma pessoa marcada pela estupidez, a gente pode encontrar uma pequena réstia de bondade, de emoções sinceras. É verdade também que as figuras disformes de Zivé nos levam a uma autocrítica tão necessária a nossa existência.
Precisamos sempre repensar nossas atitudes e ações. Se todos agissem assim a estupidez humana seria diminuída e as figuras de Zivé também teriam outras posturas.

ESPERIDIÃO MATTOS PINTA BAHIA DE OUTROS TEMPOS

Um bico de pena de Esperidião Mattos de rara beleza

“ A visão acadêmica, o traço exato de Esperidião Mattos vão além da performance estética, eles invadem a área da História.
As fachadas de rara beleza que ele retrata são documentos que manterão eterna memória de nossa terra. Esperidião Mattos é um artista que pinta a Bahia para sempre". Estas palavras de Heitor Reis nos revela a importância do pintor Esperidião Mattos, que a partir do dia 17, estará expondo seus trabalhos no foyer do Teatro Castro Alves.
Esperidião é um pintor de uma geração que está marcada por grandes nomes da arte baiana.
Juntamente com Raimundo Aguiar, Rescála e outros, ele enfoca a Bahia de outrora, a Bahia que está desaparecendo sobre as patas de borracha dos automóveis, que rolam sobre estradas pavimentadas, deixando um ruído ensurdecedor e um odor insuportável. Ele não se acostuma com esta pressa. Chega até a ficar assustado quando falamos que o horário é pouco, que temos que partir, que não temos tempo. Mattos é uma pessoa muito sensível, doce até, e assim assiste perplexo este passar incessante das pessoas, esta inquietação do vaivém que não resulta em nada, porque todos terminam voltando ao mesmo lugar, até o dia em que o vaivém acaba.
Ele não tem pressa e os seus desenhos a nanquim e seus quadros a óleo nos mostram este lado calmo, sereno e belo da Bahia. Vai registrando aqueles pontos que lhe tocam de perto. A calmaria das sacristias das igrejas baianas, os casarões com seus oitões debruçados sobre as ruas de pedras irregulares. Os casarões com as marcas deixadas pelo tempo.  As manchas causadas pelas águas das chuvas e da poeira incrustada. O arbusto que nasce nas fachadas e nas bicas.
Além do lado bucólico, do lado belo, os trabalhos de Esperidião trazem aquele lado documental. São importantes porque registram minuciosamente os detalhes das fachadas, de contornos dos azulejos das sacristias, enfim os elementos mais significativos daquilo que ele enfoca. Está conservando calmamente esta Bahia que desaparecerá dentro de poucas décadas, se continuar o descaso daquelas pessoas encarregadas de preservar o nosso patrimônio.
Já disse certa vez (inclusive, ele colocou no catálogo desta sua exposição), que Mattos é uma vítima do crescimento da cidade. O artista foi obrigado a mudar duas vezes, por força do progresso, e sua última residência na Avenida Joana Angélica foi demolida pela Telebahia. Portanto, enfrentou momentos de angústia, quando os prepostos da empresa chegavam com propostas irreais ao verdadeiro valor de sua moradia. Mas, soube, com a ajuda de Leda, enfrentar estas dificuldades. Quantas vezes conversamos sobre este assunto, quando mostrava-lhe que a solução viria, e veio. Hoje, está bem instalado na Vitória, é bem verdade num apartamento, porém, grande, e lá pode refazer sua vida com um local exclusivo para exercitar sua arte.

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