JORNAL A TARDE SALVADOR, 20 DE
MAIO DE 1985
EXPOSIÇÕES REVELAM TRÊS MUNDOS
DIFERENCIADOS
Uma
semana movimentada para aqueles que gostam das artes plásticas.Três
exposições significativas: de Justino Marinho, na galeria O Cavalete; a de
Sante Scaldaferri que está aberta no Museu de Arte da Bahia, e finalmente, a de
Nilza Barude, na Galeria Época. Três exposições com abordagens e técnicas
completamente diferentes. Três artistas que devem ser vistos cada um em seu
universo de informação e criatividade.Aproveitando
esta oportunidade vamos falar um pouco sobre cada artista.
JUSTINO
MARINHO
O
trabalho de Justino é suave e se propõe a ser belo. São figuras que lembram
as baronesas ou as duquesas que cultuavam o despercebido e a insensatez. Bem
vestidas e de leques nas mãos elas vagavam por ricos salões falando coisas
frívolas. Alguns espectadores vêem os trabalhos de Justino com alguma ligação
com a art noveau. Eu sinceramente não vejo muito esta relação mas sinto um
certo saudosismo do autor, uma espécie de olhadela para o passado.Seus
atuais trabalhos são maiores que aqueles apresentados em 1982, na individual
que fez na Aliança Francesa.
Justino Marinho e suas damas |
Traz
como novidade nesta mostra a utilização do nanquim em alguns desenhos, em
contraponto com as figuras mais coloridas e ricas em texturas. Como que
separando os volumes, que em algumas figuras parecem indefinidos.
Justino
em 1976 e 1978 apresentava trabalhos com visível conotação político-social, mas
agora ele trilha outro caminho buscando expor sentimentos mais singelos. “Eu
não tenho um projeto literário em cima do meu trabalho.
Tenho
é claro um direcionamento, uma coerência, uma preocupação muito clara com a
plasticidade. Embora não tenha agora esta preocupação acredito que seu trabalho
permite uma leitura. O político-social deu lugar a um trabalho onde aponta um
pouco de saudosismo. Saudades das baronesas de vestidos complicados.
Mas,
se dermos uma olhada para o interior dos salões de hoje, elas estão aí dizendo
bobagens aos ventos e quase sempre expostas com todo o exotismo vazio no colunismo
social.
Justino
diz que não tem preconceito com o belo. E claro, é obvio que ninguém gosta de
feio!
O
belo é exaltado por todos nós e a gente só gosta do feio quando não tem outro
jeito. O belo é buscado por todos, e o artista plástico preocupa-se com isto
mesmo aqueles que criam figuras chocantes. Nelas eles buscam demonstrar a sua
própria beleza interior, que pode ser feiura para outros.
Dizem
que o trabalho de Justino além de lembrar a art noveau, tem influência da arte
egípcia. Enfim, procuram fazer uma série de paralelos. Acho que realmente se a
gente olhar as figuras de agora, com seus turbantes impregnados de detalhes,
elas parecem com as rainhas e princesas egípcias ou chinesas. Ele próprio
declarou a mim que existem estas influências. “a influência bem digerida é até
benéfica. O artista que abre a boca e diz que não recebe influências está
mentindo”. Sentencia Justino Marinho, que aliás é um indivíduo muito crítico e
combativo.
Tenho
certeza que o seu desenho, que hoje está mais próximo da pintura, é um elemento
catalizador desta sua visão crítica combativa. Tem plena consciência disto e
vai mais além, defendendo com unhas e dentes a arte feita sobre o papel. Ele
tem participado de algumas exposições com trabalhos feitos em papel e como
integrante do grupo que chamei de “Geração 70” , portanto bem antes da “Geração 80” , que explodiu no Sul do
País, tem discutido a arte. Só que esta discussão e este encontro desta
“Geração 70” ,
deveria ser uma coisa mais forte, mais permanente. Mas as individualidades não
têm permitido um entrosamento maior entre eles o que seria muito benéfico.
Justino mostra 22 desenhos na galeria O Cavalete a partir do dia 23 de maio.
SANTE
SCALDAFERRI
O
Sante é o mais experiente de todos. Ele agora gravita por entre as fraquezas do
caráter humano e as vulgaridades. Um crítico mordaz dos sistemas, estabelecidos
e esta mostra que representa seis anos de trabalho incessante nos apresenta um
Sante cada vez melhor, mais solto e mais consciente do seu papel diante da
sociedade. Uma postura firme e que não faz concessões em busca do elogio fácil.
Espantam-se os desavisados diante de suas figuras disformes, gordas e
asquerosas. Mas elas representam aquele lado ruim que existe em todos nós. É
como um alerta para deixarmos de lado este lado ruim e passarmos a cultuar
aquilo que a gente tem de bom, independente de ser ou não religioso. E o
compromisso com o homem.
É
o compromisso que respiram igual a gente e que precisam de oportunidades, e que
ás vezes, estão sufocadas ou jogadas de lado por ações injustas de nossa parte.
A
sua técnica é antiga e apurada. É a eucáustica e foi com o velho mestre José
Rescála que ele tomou intimidade com ela e escolheu como a melhor forma de
elaborar suas composições.
Que Saudade,Meu Amor..., obra de Sante |
Evidentemente
que o Sante com sua cara de beato e jeito do tabaréu de Ceará não está
interessado em fazer nada bonitinho. A sua mensagem é outra. É mensagem social
e o espanto faz parte do seu jogo.
Ninguém
consegue ficar indiferente aos homens e mulheres enormes e imbecis. Há sempre
uma reação favorável ou não. Dês espanto ou riso.
Aliás
o espanto e o riso fácil não denunciados em muitos de seus quadros onde os
bajuladores riem da conversa ou da piada sem graça dos chefes. Sante está no
Museu de Arte da Bahia até o dia 31 de maio.
NILZA
BARUDE
Manchas e Geometria , de Nilza Barude |
Sem
dúvida que uma tendência forte a abstração e o geometrismo de que falo acima
perde em importância para o significado maior da espontaneidade das manchas.
Suas cores são fortes, mas cores que vemos constantemente no mundo que nos
cerca. São trabalhos que embelezam o ambiente, onde por acaso estejam
colocados. As intervenções geometrizadas mostram ou demonstram que Nilza Barude
não pintou aleatoriamente as manchas. Não jogou simplesmente a tinta na tela.
Ela criou as manchas e em seguida idealizou as interferências, com os símbolos
geométricos. Os círculos, os quadrados e o triângulo. Sobressaem-se evidente,
porém os espaços de manchas são mais amplos e mais fortes! É como uma olhada na
própria natureza.
Um
mergulhar no infinito para fora ou para dentro da Terra. E, neste mergulhar
segue a Nilza Barude com toda a vitalidade que lhe é peculiar. Evidente que sua
arte tem mais emoção que técnica, mas acredito sinceramente que a vontade
férrea que lhe conduz vai chegar e alcançar o que busca. Nilza estará na Época
de 24 de maio a 2 de junho próximos.
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