JORNAL A TARDE, SALVADOR, 02 DE
JULHO DE 1984.
JOÃO CÂMARA ESTÁ NO MAB COM DEZ
CASOS DE AMOR
Painel 5 - óleo sobre madeira - 160 X 220 cm e o seu autor , o pernambucano João Câmara. |
Seu
próprio nome soa como uma coisa fechada. Sem preconceitos, ele desnuda os
movimentos e as ações sem agredir o espectador com suas 10 litografias-fontes
Dez Casos de Amor 10 painéis, 22 montagens, 50 litografias e três objetos que
ora estão expostos no Museu de Arte da Bahia. A presença de João Câmara vem
possibilitar que muitos baianos tenham oportunidade de ver, sentir e vivenciar
a arte de um dos mais importantes artistas contemporâneos deste país, e,
devemos isto graças ao trabalho que o diretor do MAB, artista Luís Jasmim, vem
realizando.
Durante
seis anos, João Câmara trabalhou em seu atelier produzindo estes painéis e ele entende que a própria história moderna é um
segmento muito significativo para a expressão plástica. Esta primeira série tem
10 grandes painéis e 100 litografias, e hoje acha-se exposta em caráter
permanente na Galeria Metropolitana da Prefeitura Municipal, no Recife.
Mas
sua produção não está limitada apenas às séries, pois várias outras obras
avulsas foram e estão sendo produzidas por ele, enquanto executa suas séries.
O
tema central de sua arte é o homem como participante ativo da ação
político-social, e o homem com seus sentimentos e emoções que muitas vezes são
contidos e explodem ardentemente na alcova. A dualidade entre a ação política,
onde sobressai o intelecto, ou seja, as ações mais voltadas para a
inteligência, e o discorrer espontâneo das emoções na busca do prazer. No
artigo que integra o livro sobre esta série, o crítico Frederico de Moraes
escreve que João Câmara, durante as entrevistas que manteve com ele, fez sempre
questão de frisar que embora seja uma pintura intimista não é confessional. Ou
seja, tudo que apresenta tem o lado da ficção, da invenção, quando deixou sua
emoção deitar na alcova com a criatividade, resultando nestes trabalhos que têm
realmente ambientação erotizada.
João e o seu Painel 3-de 220 X 160 cm |
Câmara
está certo em não revelar o segredo de sua série. Segredo só existe quando
pertence a uma pessoa. Se duas já compartilham deste segredo, pode ter certeza
que dentro de pouco tempo quatro já estão cientes e com o passar do tempo são
oito, 20 e a coisa já vira boato. De boato escorrega a verdade onde o fato já
foi distorcido, e quem o conta jura que tudo é aquilo verdade.
Acho
que estas confabulações, que este tratar com segredo as emoções transferidas
para a plasticidade dão até maior grandeza a obra de João Câmara. Isto porque
estabelece um discurso em torno de sua obra. Este discurso é presença nas suas
séries.
Quando
fez a série enfocando o Estado Novo, muita gente discutiu a presença dos personagens,
que com o passar do tempo vão ficando esquecidos. Câmara nos reapresentou
Getúlio, Juscelino e outros políticos e figuras de nossa História Moderna.
Lembremos do filme Jango, de Tendler, como a figura do presidente que saiu
daqui enxovalhado, porque governava um país onde a inflação era de 100% e as
greves se multiplicavam. Hoje, (é sempre bom lembrar) a inflação já está na
casa dos 240%, greves se multiplicam e as instituições estão também
desacreditadas. Embora Câmara tenha afirmado que não é um trabalho documental,
no sentido restrito, não deixa de ser
cobiçado na sua visão de artista estas figuras que foram responsáveis
numa determinada época pelo destino deste país.
A
participação do artista ao lado dos seus personagens, me faz lembrar a figura
de Alfred Hitchcock que sempre surgia furtivamente em seus filmes, como um
passaporte conduzindo um cachorrinho pela coleira e fazendo outras pequenas
ações. Esta presença me parece que dá a obra de arte mais um elemento para ser
discutido. Assim, acredito que o artista atende às suas indagações e
necessidades pessoais, procurando entender melhor não apenas a história deste
país, mas também a sua própria circunstância enquanto artista e homem. Ele
mesmo afirma que “só é ativa socialmente
a pintura que serve ao autor. Se um artista faz uma obra para servir a um
circuito econômico, as galerias de arte, a sua obra não está servindo ao
social”. É exatamente esta lucidez que transparece na obra de Câmara, onde ele
estabelece o seu discurso para ser entendido como um elemento presente no
social e capaz de ser objeto de interpretações. Necessariamente as
interpretações têm sempre algo da individualidade que deve ser respeitada para o que discurso permaneça ativo.
AS
CRIANÇAS TRISTES DE ROBERTO DE SOUZA
“Quem
aplacará as crianças tristes e indagativas dos quadros de Roberto de Souza?”
Essa pergunta feita por Artur da Távola parece enfeixar todo o conteúdo, a
emoção e a natureza silenciosa desse artista muito conhecidos nos meios
cariocas como “Robertão”.
Nascido
no seio de uma família de artista plásticos, o pintor diz que a opção por essa
linguagem de arte “foi um caminho natural”. O curioso é que esse pintor
figurativo não trabalha outro tema a não ser crianças. Por isso, quem visita
sua exposição na Art Boulevard Galeria não deve ficar surpreendido com suas
crianças sempre bonitas, bem vestidas e de olhar enigmático.
Roberto
de Souza, apesar de colecionar vários prêmios, diz que não gosta de fazer
exposições individuais. Em toda a sua carreira deve ter feito menos que cinco,
contudo, essa é a terceira vez que o artista está expondo individualmente em
Salvador. com uma vida artística iniciada na década de 60, o Roberto explica
seu desinteresse pelas individuais pelo fato de nunca poder juntar vários
quadros para expor. Seus trabalhos estão em quase todas as galerias do país e
como a sua pintura é demorada, afirma que não sobra tempo para juntar quadros
para exposições individuais e atender ás solicitações.
Pouco
afeito às classificações de escola, Roberto diz que apesar de conhecer todos os
“ismos”, não prende-se a nenhum deles e a escola é utilizada em cada quadro.Apesar
disso, é classificado como realista ou impressionista romântico.
Ao
falar de sua paixão pelo tema “crianças”, Roberto de Souza explica que se
auto-retrata, ao mesmo tempo em que faz um protesto passivo. É através da
expressão do belo que está o segredo maior de sua obra. Ao mostrar as formas
perfeitas e em harmonia, o artista pretende demonstrar com isso um “clima de
sonho”. Esse panorama, na opinião do pintor, provoca um contraste com toda uma
realidade que está nas ruas.“Meu
protesto é através do maravilhoso, assim as pessoas podem saber o que há de
ruim a sua volta”, revela o artista.“Sente-se
em sua arte a ternura dispensada aos temas infantis”, escreve Jenner Augusto no
programa dessa exposição da Art Boulevard Galeria. E o mesmo Artur da Távola
arrisca uma definição sobre o trabalho do artista: “A pintura de Roberto de
Souza é, por isso, uma violenta denúncia de nossos desmandos egoísmos através
da ternura da forma. Ninguém resiste a tudo que dói dentro da inocência e cobra
em silêncio através da exibição da própria desvalia. As crianças deste artista
nos fazem melhores, porque nos ajudam a descobrimo-nos piores”.
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