JORNAL A TARDE, SALVADOR, 06 DE MAIO DE 1985.
OS FANTASMAS DE SIRON EMOCIONAM OS BAIANOS
Nossa Senhora das Dores, óleo sobre tela do artista Siron Franco , de 140 cm X 160 cm. |
Para
a criação de um fantasma existe todo um ritual rico em vivências e
fraternidade.Cada
elemento que o compõe integra e está presente em nossos espaços e é por ele
pinçado. Até uma Nossa Senhora, contrita, não escapa desta linguagem e traz no
peito um coração de plástico, capaz de bater com a mesma intensidade e amor por
seus fervorosos devotos. Em vez de uma auréola, tem sobre sua cabeça um rosto
largo com dois olhos esbugalhados e vigilantes, como a protegê-la. À frente e
ao lado, alguns elementos gráficos, captados de uma televisão, que passava um
jogo de videogame. Uma santa e um joguinho de videogame. Não existe qualquer
relação entre eles, a não ser no jogo que o criativo Siron Franco faz.
Ele
deixa que transpareça e se concretize todo um universo psíquico, que pode
parecer estranho e até chocante. Aliás, este é o primeiro impacto de seus fantasmas
ou bichos.
Mas,
quando a gente se detém a observá-los com mais cuidado passamos a acariciá-los,
e diante de nós, eles se humanizam, nos cativam com sua pureza, com suas cores
fortes e nos relembram aqueles animais que habitam nossas florestas. Ternos e
vigilantes, os fantasmas de Siron Franco giram em torno de nós trazendo diabos
que guardamos escondidos no cipoal de ações, muitas vezes tão cheias de
inverdades.
O
mundo de Siron Franco é o espelho do nosso próprio mundo. Ele reflete a nossa
condição humana, e seus fantasmas são atores de um espetáculo terreno. Enquanto
vivemos estamos representando personagens. Jovens, enquanto somos jovens,
maduros quando atingimos a casa dos 40 e velhos, quando chegamos aos 60 anos.
Meros atores que enchem casas, ônibus e ruas, e desaparecem em pouco tempo,
muitas vezes sem deixar rastros. Assim são os fantasmas de Siron Franco.
O Vigia, óleo sobre tela com 140 cm x 150 cm |
Também
são muito comuns no estado de Goiás as grandes queimadas, e os animais
silvestres para fugirem do fogo aparecem nas estradas e são presos facilmente.
E esta vivência com bichos é tão presente que Siron Franco já conviveu até com
um tamanduá. “Era um filhote e cheguei até a catar uma formiguinhas para
alimentá-lo.
Era
um bicho muito dócil”. E, como acontece com tudo que ele vivencia, o tamanduá
deixou de lembrar de lembrança o seu
grande focinho, multiplicado e transformado numa obra chamada Tamanduás. As
cobras coloridas que também que também aparecem em várias de suas telas são
reminiscências de sua infância. São as cobras de cortiça que são vendidas nas
feiras livre do interior e brinquedo preferido de muitas crianças. O que
podemos sentir é que o criador de fantasmas está sempre com suas antenas
ligadas captando elementos para suas composições. Sabe segurar na hora exata
aquilo que pode integrar o seu universo fantasmagórico, multi-colorido, cheio
de emoção e de qualidade pictórica.
“Tenho
um lado muito lúdico”, disse-me Siron Franco, na véspera da inauguração de sua
exposição. “Herdei um pouco do místico que envolve a minha Goiás Velha. Tenho
uma formação acadêmica, todo um aprendizado de técnica e formas”. Foram muitos
anos de estudos que servem de base para vôos mais livres.
Ele
sabe brincar com as formas e é capaz de pintar um retrato clássico.
Quando
conversávamos sobre o seu universo pictórico, disse que a reação das pessoas em
assustarem, “para mim já é normal”. Minha própria filha queria que eu fizesse
um retrato dela. E me avisou:
Meu
pai não quero que o senhor me pinte com cara de bicho, com aquelas coisas feias
que o senhor faz. Siron atendeu ao pedido da filha e fez um retrato clássico
lembrando aquelas belas criancinhas de Renoir. Mas dois fatos fortalecem esta
sua atitude de entender as reações diante de sua obra: Certa vez ele estava
numa exposição da Petit Galeria, no Rio de Janeiro, quando uma velhinha que não
o conhecia começou a conversar com ele malhando os quadros.
De
repente, convidou-o a olhar outros quadros expostos e foi malhando um a um “Mas
que coisa feia! Este sujeito é um delinqüente. Deveria estar preso”, e foi
desfiando frases mais ou menos neste tom.
Agora,
nesta sua exposição no Escritório de Arte da Bahia, ele teve a oportunidade de
ouvir um comentário de uma senhora: “Como é que tiraram aqueles quadros tão
bonitos e colocaram estes horrorosos”.Referia-se
aos 24 quadros que Siron está expondo.
Aliás
este tipo de reação é esperada diante de seus fantasmas multicoloridos. É o
primeiro contato. O espanto. O arregalar dos olhos. A contração fácil. Na
segunda olhadela, você já começa a enxergar a beleza plástica dos fantasmas de
Siron Franco, e em seguida é envolvido, é carregado para aquele ambiente
lúdico.
UMA
FEIJOADA
“Minha
obra é como uma grande feijoada. Tem que tudo, perna de porco, toucinho, enfim
tudo que uma boa feijoada tem direito”. Esta frase dita por Siron Franco, pode
também chocar os falsos puritanos. Mas ela carece de uma explicação. Siron
refere-se à variedade de assuntos ou temas que aparecem em sua obra. Ela é
riquíssima em temas, em abordagens e com isto nos presenteia com telas
enfocando os mais diversos assuntos nesta rica e caleidoscópica paisagem
brasileira. As contradições, a riqueza da cultura popular, a tecnologia moderna
dos traços gráficos que surgem em movimento no vídeo, as carrocerias e os
circos mambembes. Enfim, tudo que possa servir de inspiração as antenas de
Siron Franco captam e transformam em figuras e elementos integrantes de sua
obra.
Disse
a Siron que uma tela de sua autoria é facilmente identificada. Ela contém
elementos que pertencem ao universo de Siron, e tem uma marca registrada. As
cores, a própria composição, e as formas de suas figuras. Isto porque o lúdico
de Siron é único e ele não permite que nada interfira, determinando as regras
do seu jogo. Tudo flui com emoção e o inconsciente trabalha, age. Ele não está
preocupado com a reação daquelas pessoas menos avisadas que facilmente ficam
chocadas com suas figuras. Este choque, aliás, é importante, acontece porque sua
obra consegue emocionar. Sua arte é toda uma relação de vida. Ele não fica
apenas preso à pintura.
Faz
também interferências nos espaços urbanos. Durante a Semana Santa colocou em
Goiânia três cruzes de aroeira, de 10 metros de altura, e as envolveu parcialmente
com panos brancos manchados de vermelho. Diz Siron que deu um grande impacto no
público.
Este
é o mundo de Siron Franco. Um universo aberto a novos elementos que chegam para
povoá-lo. As sensações estranhas que sente quando está pintando uma grande
tela,
Nos
são repassados quando estão acabadas, através das reações de simpatia. Diz
Siron que diante de uma tela grande é como se estivesse dentro de um ventre. E
o renascer acontece à medida que ele vai modelando as suas figuras com as
próprias mãos; trinchas e outros instrumentos que utiliza. Renasce dia-a-dia
construindo o seu universo de fantasmas.Para
terminar deixo esta frase dita por uma pessoa que adquiriu um quadro do
artista.“Esta
tela é estranhamente terna e linda.
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