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sábado, 1 de dezembro de 2012

OS FANTASMAS DE POÇÕES NA PINTURA DE ADILSON --23 DE JULHO DE 1984


JORNAL A TARDE, SALVADOR, 23 DE JULHO DE 1984.

OS FANTASMAS DE POÇÕES NA PINTURA DE 
ADILSON SANTOS
O baiano de Poções, Adilson Santos tendo ao fundo duas obras expostas

A existência do homem tem momentos insubstituíveis. Muitos desses momentos aconteceram durante a infância, idade em que a gente não tem consciência até da própria existência. Idade inquieta em que você está tentando afirmar-se perante o mundo, as pessoas e as coisas que lhe rodeiam. É sempre bom, agradável mesmo, quando você reencontra alguém que conviveu durante a infância e começam a relembrar aqueles momentos em que viveram emoções, medos, sonhos e fantasias. E, é exatamente esta volta que traz a atual pintura de Adilson Santos, algo que vem de imediato identificar-se com todos aqueles que viveram sua infância numa cidade do interior.
Adilson é de Poções, que fica na Rio-Bahia, perto de Vitória da Conquista, e de lá ele guarda os sonhos de sua infância que agora resolveu mostrar de público. Mostrar, por exemplo, como a pequena matriz de sua cidadezinha “conseguia” receber mais de 30 mil pessoas, mostrar como era tão singela a primeira namorada, com seus cabelos grandes e seu olhar angelical. Lembrar dos fantasmas que habitavam as ruínas de uma velha igreja e do sofrimento que passou, pois era obrigado a caminhar por estas ruínas com destino a sua casa. Tudo isto, e principalmente a morte de sua mãe marcaram profundamente este artista que encantou este País com sua pintura calcada num desenho limpo e surrealista, onde os ovos, as cadeiras e os rostos das moças apareciam firmes e límpidos. Agora as moças parecem que saíram do surreal para o real. Veja aí a contradição quando falo para o real, quando este real é a própria fantasia de uma infância bem vivida e que bruscamente foi interrompida com a morte de sua mãe.
O trabalho de Adilson Santos é calcado não apenas no desenho, agora bem mais solto, mas acima de tudo na emoção. “É um trabalho calcado dentro de mim mesmo”, diz o artista. Quando falo que houve mudança na pintura de Adilson é que as figuras foram humanizadas dentro da sua linguagem fantasmagórica. Os seus fantasmas “existiram” em sua infância e agora nos são apresentados dentro de uma linguagem de amor e emoção.. Continuam alguns elementos, mas são apresentados com nova roupagem. A predominância dos noturnos também está presente. Ambiente, aliás, propício para as brincadeiras com os seus fantasmas de Poções. Lembra Adilson Santos que mesmo quando fazia uma pintura surrealista, “mas bem comportada”, com o enquadramento rígido do desenho e das pinceladas, quase sempre surgiam os fantasminhas de Poções. Ele os segurava, guardava em cadernos e os amarrava com cordões e firmeza. Como que dialogava com eles dizendo que ainda não era chegada a hora da grande aparição, a hora do grande avant-première. Mas seus “atores” não se conformavam insistindo em aparecer, até que seu diretor resolveu colocá-los no palco e o resultado é este que vemos em 26 trabalhos expostos na Galeria Época, no Rio de Vermelho.

FOI DIFÍCIL
As coisas aconteceram tão fácil como se pensa. Adilson Santos é exigente com o que vai apresentar dentro da sua arte.Esta passagem de figuras estáticas para figuras que parecem mover-se não aconteceu num passe de mágica. Ele foi retirando os seus fantasmas do baú (dos cadernos) e começou a desenhá-los em preto e branco. Vieram às primeiras cores, o uso da aquarela na tela e, finalmente, a tinta óleo cobrindo a aquarela. Portanto, um trabalho cuidadoso, de um verdadeiro profissional, que tem um nome a zelar e que pode jamais dar pulos no escuro, porque não pode pisar em falso.
O caminho do sucesso é tortuoso e bem sabe Adilson, órfão aos 12 anos, as dificuldades que enfrentou. Depois de uma exposição em Vitória da Conquista, me parece que na sede do Lions Club, resolveu vir para Salvador enfrentar a vida como pintor. Meses depois já participava da Primeira Bienal baiana e teve todos os seus quadros aceitos pela comissão julgadora.
Portanto, este novo trabalho exigia um certo cuidado de Adilson Santos que precisava pegar, como se diz na linguagem comum, “o fio da meada”, para prosseguir o seu caminho em busca de uma expressão pictórica que viesse proporcionar a mesma qualidade que já vinha desenvolvendo.
Lembro certa feita que ouvi alguém perguntar se Adilson Santos era um senhor de idade.Conhecendo o artista expliquei que era um rapaz que beirava a casa dos 40 anos. Atualmente Adilson está com 40 anos. O cidadão ficou meio surpreso e comentou que sua pintura anterior, embora surrealista parecia muito “bem comportada”, para um jovem de 40 anos! Agora, quando este senhor visitar esta exposição de Adilson vai ter outra surpresa, mas sairá muito satisfeito dentro, é evidente, da sua individualidade.
Sim porque esta pintura é na realidade mais jovial, afinal é a representação de sonhos de uma infância.
Obra Jovenzinha com Lua na Cabeça e Testa Branca
O artista, faz todo nós que tivemos uma infância cheia de sonhos relembrar, principalmente aqueles que viveram esta fase da ida no interior.
Conversando com Adilson lembrei-me que morava em Ribeira do Pombal e que as luzes da cidade eram apagadas, por medida de economia, às 22 horas. O motor era movido a óleo diesel e desde aquela época custava muito caro. Portanto, todos nós tínhamos que chegar em nossas casas antes deste horário fatal. Certa vez fiquei brincando com outros amigos e o homem encarregado de apagar as luzes deu seus três sinais, apagando e acendendo as luzes, imediatamente avisando o black-out. Não liguei e permaneci brincando. De repente tudo ficou escuro e parti para casa morrendo de medo. Ao dobrar a primeira esquina, esbarrei no vulto. Corri desesperadamente chorando de medo. Longe, ouvi os palavrões.
Era Aninha, uma velha prostituta que me xingava. Até aquele instante em que não identifiquei Aninha aquele obstáculo era um fantasma! São fantasmas como estes que Adilson Santos está botando pra fora para nossa alegria e satisfação.
Poções é para Adilson Santos um baú cheio de fantasmas de sua infância e como sua pintura é calcada na emoção, ela agora está bem melhor representada. Ouso dizer que gosto muito mais desde sua nova fase que da anterior, embora faça questão de dizer que a anterior tinha também qualidade.
Mas, é que esta me emocionou e me identifiquei muito mais, porque relembrei dos meus fantasmas que carregarei comigo até o fim da minha existência. Eles me são muito caros e muito queridos.
Outro tanto que me chamou atenção na conversa que tive com Adilson Santos, foi à imagem que lhe passaram, ou melhor, que uma tia sua passou sobre o inferno.
A igreja matriz de Poções "onde cabia 30 mil fiéis"
Conta Adilson que ela disse-lhe que o fogo do inferno era tão quente que se agente jogasse fogo, deste que existe na Terra, apagava o do inferno. Era mesmo que jogar água, de tão quente que é o fogo do inferno. E, ele tinha pouco mais de sete anos e usava um escapulário que no verso tinha a representação de um inferno.
Aquilo lhe deixou aterrorizado e só pensava numa pessoa queimada no inferno. Era um verdadeiro sofrimento, principalmente quando lembrava que sua tia dizia que a pessoa ficava eternamente naquele fogo terrível.
Um detalhe curioso é que além de seus fantasmas insistirem em aparecer, Adilson Santos lembra que há 20 anos chegou, a pintar alguns deles. Recentemente comprou um quadro seu num leitão onde alguns desses elementos aparecem com muito mais pujança, como se diz, agora eles botaram a cara na tela. Mas, antes ele desenhava para pintar e agora ele pinta desenhando e com isto sua arte está mais livre, mais emotiva e mais humana. 

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