JORNAL A TARDE, SALVADOR , 01 DE
ABRIL DE 1985.
MOSTRA ATESTA TALENTO DE FLÁVIO
DE CARVALHO
O artista Flavio de Carvalho desfila em 1956 de saiote pelas ruas de São Paulo causando frisson |
Serão
mostrados 14 óleos, 17 desenhos e seis aquarelas de Flávio de Carvalho,
imortalizado por suas obras e depoimentos de escritores de sua época, e do
presente, entre eles o jovem Luis Carlos Daher, responsável pela edição de um
volume com 245 páginas – Flávio de Carvalho e a Volúpia das Formas - . Nele,
Daher analisa os múltiplus trabalhos do artista e de sua personalidade. “E
foram inúmeros. Não foi só o frisson risonho que os jornais da época alargaram
com a Marcha por São Paulo, dentro de um saiote. Antes, Flávio havia trilhado
uma vereda de escândalos tropicais, desde construir um monumento para o túmulo
de seu pai,enquanto este vivia; andar de chapéu rumo a uma procissão religiosa
e ser perseguida por ela; ou ainda realizar uma experiência teatral, uma peça
de ritual expressionista. O Bailado do Deus Morto, que acabou com o teatro
fechado pela Polícia, e a Série Trágica, quando registrou, em desenhos , várias
fases de sua mãe agonizando.”
Pintura do artista Flávio de Carvalho |
“Quanto
as pessoas que mais de agradaram fazer o retrato posso destacar: Nicolas
Guillén , Mário de Andrade, Rosa Xirana, Hungaretti e Maria Della Costa”, diz
Flávio num dos seus muitos depoimentos. Retratista famoso, tendo no seu acervo
uma pintura de Jorge Amado, sempre se mostrou interessado nos problemas que
envolviam a sociedade e a política. Disse certa vez que “ o retrato que pinto é
exuberante em mecanismos de compensações. O estado social da mulher de hoje é
cheio de violentas compensações. O homem, pelo contrário é mais agressivo,
porque ele se considera ser dominante”.
A
importância da obra de Flávio de Carvalho estende-se aos dias de hoje através de
sua pintura abstrata e surrealista. Tive a oportunidade de ver reunida numa
sala especial da última Bienal em
São Paulo , parte da grandiosa obra de Flávio de Carvalho.
Esta é uma rara oportunidade de conhecer o talento deste múltiplo artista.
PERFIL
E TRAJETÓRIA DO ARTISTA
De
1989-1973 ´- A sua atuação que se estende nos fim dos anos 20 ao início da
década de 70, configura-se segundo uma grande complexidade inventiva e
polivalência de indagações e propostas – pintor, desenhista, engenheiro civil,
arquiteto, pesquisados do Psico social e do antropológico, escritor, cenarista,
teatrólogo e ensaísta.
Desenho de Fávio de Carvalho |
Nesta
época, estava dedicado a fazer desenhos e caricaturas do mundo da dança e do
balé, além de escrever artigos sobre q qualidade da dança. Suas primeiras e
significativas contribuições foram de natureza de projetos de arquitetura, a
partir de fins de 1927 – Projeto Pioneiro de Arquitetura Moderna no Brasil , do
Palácio do Governo de São Paulo, logo seguidos pelos projetos do Palácio do
Congresso, da Embaixada Argentina, no Rio de Janeiro e da Universidade Federal
de Minas Gerais.
Época
de sua adesão ao Movimento de Antropofagia de Oswald de Andrade e Raul Bopp,
representou este Movimento no Congresso Pan Americano de Arquitetos, onde proferiu duas
conferências – A Cidade do Homem Nu – e Antropofagia do Século XX – defendendo
teses de despojamento do ser humano dos preconceitos burgueses.
No
contexto do clima de irreverência da fase radical de antropofagia, contrária
aos tabus, executou a experiência n.º2”, quando em 1931, caminhou em direção
contrária à da procissão de Corpus Christi, com a cabeça coberta por um chapéu,
negando-se a tirá-lo, apesar dos gritos e da irritação da multidão. O povo
enfurecido ameaçou de linchamento. Flávio refugiou-se em uma
leiteira/confeitaria, onde foi preso. Pouco depois publicou o livro
“Experiência n.º2, onde desenvolveu teorias sobre a natureza do ritual
religioso, e comportamento humano, constituindo-se em um esnaio de psicologia
das multidões, acompanhado de ilustrações onde o traço do artista demonstrava
as deformações e os ritmos tensos do expressionismo e a espontaneidade do
inconsciente, surrealizante.
No
início da década de 30, Flávio foi elemento particularmente atuante no processo
do modernismo :fundou com Carlos Prado, Di Cavalvante e Antônio Gomide o Clube
dos Artistas Modernos (CAM). Por esta época, implantou o “Teatro da
Experiência”, que funcionava junto ao CAM, inaugurado em novembro de 1933, “O
Bailado do Deus Morto”, de sua autoria, com tratamento expressionista da
gestualidade e elementos visuais das roupas e cenários, bastante despojados. A
primeira exposição individual de Flávio de Carvalho teve lugar em julho de
1934, pouco depois do incidente do Teatro da Experiência.
Entretanto
o autoritarismo da época desencadeou nova ofensiva a mais esta iniciativa. A
exposição foi fechada pela Polícia, sendo aberta após o recurso judicial com
expurgo de cinco obras. O conjunto dos trabalhos indicava que o artista crescera
bastante na sua inventiva, após a participação do Salão Moderno de Belas Artes
no Rio de Janeiro em 1931, e já se sedimentavam as incursões ao surrealismo e o
encaminhamento expressionista, as duas vertentes principais de seu trabalho.
Os
salões de maio de 1937, 1938 e 1939 contaram com a ativa participação de Flávio
de Carvalho, o que Fez do artista um dos elementos animadores do modernismo
paulista dos anos 30.
Estes
anos foram de continuada produção de projetos arquitetônicos e de construção:
grupos de casas da Alameda Lorena, suas primeiras edificações e da Casa da
Fazenda Capuava, da família- projetos significativos de límpido despojamento
formal e propostas de funcionalidade. A mais impressionante obra desta década é
a “Série trágica, minha mãe morrendo” de 1947- desenhos a lápis, quando com
lucidez do registro e a sensibilidade expressiva do artista se unem para a
captação dos momentos de agonia de sua mãe.
Em
1948, organizou sua segunda mostra individual de curta duração no MASP, que se
encerrou de forma tumultuada com uma conferência sobre a pintura do artista.
No
início dos anos 50, Flávio de Carvalho participou da XXV Bienal de Veneza como
um dos elementos da representação brasileira. Em 1951, realizou sua terceira
mostra individual apresentando pinturas, aquarelas, desenhos, projetos
arquitetônicos e cerâmicas, na Galeria Domus em São Paulo.
Dirigindo
suas indagações para o campo da moda, passou a escrever, em 1956, uma série de
artigos “A moda e o Novo Homem”. Mandou executar um novo traje, por ele
idealizado, para o Verão. Provocou um “choque emocional na Nação”, ao desfilar
pelas ruas de São Paulo com a roupa tropical que favorecia a ventilação:
saiote, blusa de mangas curtas e largas. Na sua caminhada, o artista foi
seguido por várias pessoas, provocou diferentes reações de riso, interesse,
surpresa, interrogação, etc., polarizou as atenções da imprensa, incluindo a
televisão- era sua Experiência nº 3, um verdadeiro happening. Em 1957, teve
suas obras recusadas na IV Bienal de São Paulo, expondo-as na mostra paralela
Doze Artistas, participando de duas exposições individuais em S. Paulo e Rio. Suas
inquietações de ordem etnográfica e psicológica, entre outras, levaram-no a uma
aventurosa expedição ao alto Rio Negro, organizada pelo Serviço de Proteção ao
Índio, buscava conhecer o primitivo, o selvagem, e captar suas imagens rodando
um filme. Nos primeiros anos da década de 60, Flávio de Carvalho envolveu-se em
concursos internacionais para realização do Edifício da Organização Mundial de
Saúde em Washington, Edifício Peugeot, em Buenos Aires.
Apresentou ainda projetos para o monumento mãe em S. Paulo.
Sempre
presentes; suas preocupações filosóficas e antropológicas, motivaram-no a
comunicar, em seminário, “Notas para reconstrução de um Mundo Perdido”,
realizado pela Faculdade de medicina da Universidade de Califórnia (1962).
Em
1967, ampliaram-se os interesses em torno de seu trabalho artístico: realizou
duas individuais em S.P e Porto Alegre; foi premiado pelo júri internacional da
IX bienal de S.P; organizou-se sala especial permanente no Museu de Arte
Brasileira da FAAP onde se inaugurou a primeira mostra retrospectiva de sua
obra.
Os
últimos anos de sua vida foram de atuação constante decorrente da inquietação
criativa de Flávio; do reconhecimento do valor do artista e da sua poderosa
diversificada capacidade criativa. Prosseguiu sua militância de arquiteto, em
anos subseqüentes, projetou edifícios e monumentos a Garcia Lorca, executado em
1968, projeto para a Biblioteca Municipal da Bahia, em Salvador, igreja
catedral de Pinhal (1969); monumento às Forças Expedicionárias Brasileiras
(1970), Monumento aos Guararapes (1971) e Recife e projeto inconcluso para sala
em homenagem a Maria Martins e Tarsila do Amaral, na XII Bienal de S.P (1973).
Sucederam-se vários eventos culturais que foi protagonista: presidiu a Comissão
de Artes Plásticas do Centro Cultural Garcia Lorca (1969), teve sala especial
na XI Bienal de S.P (1961), concorreu à vaga da Academia Paulista de Letras
(1972) e proferiu conferências no Departamento de História da Universidade de
SP.
Várias
exposições individuais se realizaram em diferentes localidades: Guarujá (1968),
São Paulo (1968)/69), Valinhos (1968) e mostras coletivas importantes contaram
coma sua participação, como: “Semana de 22” no Museu de Arte de São Paulo e “50 anos de
Arquitetura Moderna”, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, ambas em
1972. Faleceu em 4 de julho de 1973. (Pesquisa de Daisey Peccinni).
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