JORNAL A TARDE, SALVADOR, 09 DE DEZEMBRO DE 1985.
CRAVO NETO E JOSÉ HERRERA VALORIZAM
A FOTOGRAFIA
Um detalhe da paisagem urbana vista por Herrera |
Este
ritmo tem sua própria ideologia, suas próprias leis. Cada barra como diz Carybé
“já tem seu lugar preestabelecido. É só descê-las, arrumar as mesinhas e bancos
do lado de fora e o povo vai se abancando, tomando cerveja e fazendo do tampo
da mesa couro e surdo”. Ninguém é capaz de avançar o espaço de outro. As praças
estão aí, mas os barraqueiros sabem onde podem armar a sua barraca para animar
os festeiros.
Negros, brancos, mulatos e sararás, enfim, uma mistura que só na Bahia a gente vê com tanta nitidez andam e dançam nas praças e Mário com a técnica, que vem desenvolvendo através dos anos, vai documentando este estado de espírito. Cada foto ultrapassa o próprio papel porque nos transmite uma mensagem mágica onde as cores cruas, usada por esta gente simples, parecem contribuir para uma vibração inexplicável sentida por cada pessoa que examina as suas fotos. Seu livro “Os estranhos filhos da casa” é uma pequena mostra desta gente simples e alegre que faz desta Bahia uma cidade gostosa e eterna na sua alegria. Este livro é um poema feito de luz e cor.
Já
José Herrera é um viajante que vai fixando momentos com sua objetiva. Momentos
que não permitem que você chegue diante de um trabalho dele com idéias
preconcebidas. Tudo é surpresa.
Aqui
ele representa no próximo dia 11, no Museu de Arte da Bahia, Solar do Unhão,
uma mostra composta de três séries de fotografias. A primeira é um estudo sobre
a paisagem de Castilla, Espanha, na qual partindo de paisagens clássicas e por
eliminação sucessiva de todos os elementos clássicos, procura chegar a forma
mais simples de representar os campos. Tudo isto é feito sem perder a essência
da própria paisagem. Na segunda série estuda composições sobre temas diversos
que vai da abstração ao realismo... Finalmente, na terceira série, seguindo o
mesmo ritmo da primeira, ele com malas e bagagens desembarca em várias cidades
“tomando-as como tema e as linhas e massas de cor como suporte da composição,
até chegar num fundo azul cruzado apenas pela linha cinza de um telahado”.
CHICO
DA SILVA MORREU SEM ENTENDER OS HOMENS
Chico da Silva mesmo com sua grande intuição não entendia os homens e suas atitudes |
Acreano
de nascimento, Chico da Silva foi para o Ceará com oito anos de idade, quando,
na então Praia de Iracema, usando cacos de tijolos e pedaços de carvão,
desenhava figuras fantásticas, principalmente pássaros e peixes, envolvidos em
folhagens.
Descoberto
pintando no bairro pobre do Pirambu, em Fortaleza, pelo suíço Jean Pierre
Chabloz, Chico da Silva, além de receber todo estímulo, foi promovido junto às
mais importantes galerias de artes do mundo. A forma fantástica como pintava
monstros pré-históricos e dragões veio depois que ele pintou animais e peixes
da fauna amazônica, onde viveu quando criança. Exatamente em função dessa
preferência foi que o suíço Chabloz elaborou um livro sobre o artista, na
Europa, o que o transformou completamente.
A
partir desse livro, Chico da Silva passou a ser visto como um grande artista
primitivo em todo o mundo. As suas obras estão espalhadas atualmente por quase
todo o mundo, desde os museus da França, Espanha, Itália e Inglaterra até na
sala de artes do Vaticano.
Saudades
de Chico da Silva que sofreu em vida por ser ingênuo em demasia e não entender
a maldade dos homens. Foi espoliado, embriagado, copiado, enfim, comeu “o pão
que o diabo amassou”. Seus quadros subiram de preço e depois descambaram na
desgraça. Conheci-o durante uma exposição que fez numa galeria que funcionava
no Corredor da Vitória e fiquei surpreso com a sua simplicidade, principalmente
quando abriu a boca e arrancou uma
dentadura toda em ouro para me mostrar, sem que eu tivesse feito qualquer
comentário sobre aquele estranho acessório. Este simples gesto dá para a gente
ter uma ideia de como era Chico, um artista simples, que foi enaltecido e
depois espoliado.
A
PINTURA DE FRANCISCO FONTES
Ao
folhear do catálogo da exposição que o artista Francisco Fontes realiza desde o
dia 3, no Hotel da Bahia, fiquei surpreso. Logo na quinta página deparei-me com
a reprodução de uma tela intitulada de “Formas I”, onde ele demonstra
conhecimento da composição e apresenta movimentos com fortes características de
um artista abstrato. Na página seguinte, um interior da Igreja de São
Francisco, com um bom jogo de luz e sombra e principalmente, com todo o
detalhamento da grandiosidade das paredes douradas daquele majestoso templo. E,
vou folheando o catálogo quando encontro uma bela jovem loira nua entre
girassóis. Na página seguinte uma paisagem e novamente um templo.
Portanto
são abordagens e maneira de ver as coisas de forma bem diferenciadas do ponto
de vista pictórico.
Explicando
estes contrastes Francisco Fontes disse: “Minha exposição é eclética e coloco
as minhas pinturas à apreciação pública consciente de estar oferecendo o melhor
que no momento venho produzindo”. Ele expõe 28 telas entre interiores de
igrejas, frutas, paisagens e abstratos, além do nu que me referi acima.
O
RISCO DE MARIA ADAIR
A
exposição de Maria Adair na Galeria “O Cavalete” é uma apologia ao risco. Não
ao risco inconseqüente, mas ao risco que flui como um verso no papel. Cada
risco me faz lembrar caminhos. Sim, caminhos que temos que trilhar neste mundo
de incertezas, onde vai a passos firmes andando e principalmente, derramando
alegria. Ela chegou ao refinamento do traço onde as linhas curvas compõem um mundo tão emaranhado quanto as teias de
aranha. E, Adair é uma verdadeira aranha que se equilibra entre fios delgados e
vai construindo o seu mundo fantástico de cores e espaços.
Ela
lança de todos os mecanismos e técnicas, enriquecendo seus trabalhos. “Meu
trabalho sempre simbolizou grandes visões de pequenos detalhes da anatomia da
natureza, tanto no seu reino animal quanto vegetal ou mineral”. Ela acha
importante mostrar estas coisas que muitas vezes passam despercebidas.
O
que conduz sua mão e o seu cérebro é a confiança em si mesma e a coragem de
arriscar a caminhar nesta trama que forma a sua própria obra.
UM
POEMA-CARTAZ DE SÉRGIO MATTOS
O
poema-cartaz Tropeços, do poeta e jornalista Sérgio Mattos, foi lançado na
última sexta-feira na Escola de Comunicação, da Universidade Federal da Bahia. O poema foi ilustrado pelo artista
plástico Carlos França, que é chargista deste jornal e a produção gráfica ficou
por conta da Jotadáblio Gráfica Editora.
O poema foi extraído do novo livro de Sérgio Mattos, Lançados ao Mar, cuja
noite de autógrafos acontecerá no próximo dia 19 no Hotel da Bahia. Foram
produzidos 1.000 cartazes 40 x 60 em papel couchê de 60 quilos numa produção
gráfica de boa qualidade.
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