RETRATO DA VIDA CARIOCA NO TRAÇO
DE J. CARLOS
Cerca de 300 desenhos originais de J. Carlos, os mais representativos no contexto da história da arte do Brasil, de
A
leitura da exposição J. Carlos que ocupa três galerias da Funarte com um
segmento no Solar Grandjean de Montigny da PUC-RJ pode ser feita, de acordo com
a curadoria da mostra, Prof.ª Irma Arestizabal, diretora do Solar, através”dos
temas tratados e personagens criados, de forma cronológica, ou realizando uma
análise estilística que nos permite sentir perfeitamente o desenvolvimento da
Art-Deco no Rio de Janeiro.
Para
Irma, que esteve mergulhada durante meses no farto material sobre J. Carlos,
entre originais, e material impresso, cedido pelos quatro filhos do artista,
“através do traço ágil e limpo de J. Carlos compreendemos a vida, o gosto, a
política, as idéias e desejos e virtudes de quarenta anos da vida carioca e ao
mesmo tempo, de nosso momento atual”.
AS
CHARGES
Uma cena de Praia, detalhes da vida carioca |
J. Carlos não só retratava os homens, como os fatos, as politicagens, a ambição do poder.
Os
acontecimentos das guerras foram documentados também por J. Carlos, que
caricaturava os personagens e criticava a estupidez da guerra. Assim, as
alegres capas de revistas assinadas pelo caricaturista, cheias de cor e ritmo
que traziam a imagem de uma vida despreocupada deram lugar a tristes e
descontentes desenhos.
Ainda
na montagem da exposição da Funarte, estão os trabalhos em torno da vida na
cidade, do humor do carioca e das festas marcantes, como o Carnaval. J. Carlos
sempre retratava os indivíduos no seu contexto: de 1912 a 1918, as casas de chá
e o footing foram o seu tema preferido. Também desenhou o povo na rua, o
português da feira, o funcionário público, a sogra. O carnaval foi, por outro
lado, um tema constante na obra do imortal artista,ora como uma explosão de
personagens na rua, ora estilizando colombinas, baianas, espanholas, pierrôs. A
praia é outro de, seus temas preferidos, ele documentava não só as modas de
banho, como o culto ao corpo, uma característica do carioca, já naquela época.
J.
Carlos adorava as melindrosas e crianças e detestava coronéis, matronas e
almofadinhas.Para
as crianças criou numerosas histórias e ilustrou livros e a mulher aparece
durante toda a sua produção como a rainha, sempre elegante, inteligente e
dominando os homens. No apanhado da obra de J. Carlos fica claro a influência
do desenhista na moda. Ele não só comentava, como ditava na moda, chegando a
ser comparado aos melhores estilistas franceses. Em 1920 ele criou a
melindrosa, de olho redondo, cabelinho cortado a garçoniere, o característico pega
rapaz e a boquinha pintada em forma de coração. Pode-se mesmo reconstruir a
moda da então capital da República, vendo os desenhos de J.Carlos.
A
TÉCNICA
J.
Carlos começou a trabalhar na imprensa, no início do século quando as técnicas
de impressão se modernizavam com o aparecimento da zincogravura, que daria
lugar depois à fotogravura, e aos
primeiros linotipos e máquinas de impressão a cores. Seus originais eram
realizados a lápis com acabamento a bico-de-pena e nanquim e, às vezes, usava o
guache para engrossar o traço. Depois de 1930, começa a usar aquarela, J.Carlos
modifica muito o seu desenho, no decorrer de sua produção.
No
início seu traço é ainda vacilante com formas pesadas e contornos imprecisos,
mas sempre com uma grande preocupação com a rigidez. Após 1920 a linha flui contínua,
criando um desenho sucinto. Ele mesmo escrevia as legendas e todas as
indicações para a gráfica, com muito cuidado, traduzindo a exigência que tinha
com seu trabalho.
ANTECIPANDO
O MODERNISMO
O carnaval , sempre foi focado pelo J. Carlos |
Os
métodos fotoquímicos, aliados a um ritmo editorial intenso, exigem uma nova
estética que permitem a reprodução de aguadas e do desenho a traço.
Lançando-se
entre 1898 e 1902, Raul, K-lixto e J. Carlos aportam, desde então, sua
contribuição à sátira gráfica, já deixando antever a redefinição da linguagem
que desenvolveriam nas décadas seguintes. Já na década de 1910, talvez tenha
sido a caricatura a linguagem de prática mais moderna e com maior respaldo
social. Uma dezena de caricaturas havia renovado o desenho gráfico nas grandes
revistas. J. Carlos (“o pai de todos nós”, segundo Belmonte) notabiliza-se em
todos os setores: sátira, política, caricatura de costumes, charge social,
portrait charge, ilustração, histórias infantis e propaganda.
Paulatinamente
passa a ter um reconhecimento universal como um dos maiores caricaturistas
deste século. Nos seus cadernos de trabalho, Oswald cola caricaturas de J.
Carlos enquanto Bardi observou que “não se compreende o descuido de não
convidar os desenhistas-chargistas, uma vez que a ofensiva modernista se
concentrava sobretudo nas boutades e deboches de Oswald”.
O
CHARGISTA
J. Carlos em seu estúdio, 1920 |
Trabalha
em O Malho ,
Tico-Tico, Leitura Para Todos. De 1907 a 1908, desenha a capa do primeiro número
de Careta, tornando-se seu desenhista exclusivo. Fez inúmeras ilustrações para
romances, livros de história infantil, contos, capas de livros, obras
didáticas. Em 1930 estreou a sua peça É do Outro Mundo, no Teatro Recreio e fez
um samba musicado por Ary Barroso, Na Grota Funda. Depois a música teve letra
de Lamartine Babo, chamando-se No Rancho Fundo.
m
1941, quando Walt Disney visitou o Brasil, tentou, sem êxito, levar J. Carlos
para Hollywood para trabalhar em seus estúdios.De
acordo com o depoimento de Nássara, Disney gostou muito de alguns estudos de um
papagaio feito por J. Carlos para uma revista de humor. “Passa-se o tempo e aí
vem o filme Alô Alô Brasil, onde aparece o Zé Carioca como um papagaio. Então,
pensando bem agora, cheguei à conclusão de que o papagaio de J. Carlos deve ter
tido influência na criação do Zé Carioca”.
J.
Carlos morreu em outubro de 1950, depois de produzir quase cem mil desenhos. “A
quantidade de desenhos que eu tenho feito - ele disse - daria para forrar a
Avenida Rio Branco”.
A
PESQUISA
Além
de Irma Arestizabal, na curadoria e Lígia Canongia na coordenação da mostra,
participaram também dos trabalhos de pesquisa para J. Carlos, Piedade Epstein,
que fez o levantamento da iconografia dos anos de 1902-1920; Maria Gertrudes
Oswald, o estudo sobre o projeto gráfico e a tipografia; Maria Cecília Miranda
trabalhou na catalogação dos desenhos e fez uma parte da pesquisa Histórica e
Andréa D’Orsi, o levantamento dos jornais. Espero que algum museu baiano
consiga trazer esta mostra de J. Carlos para Salvador.
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