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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

QUATRO ARTISTAS EXALTAM MOVIMENTO DOS CORPOS -30 DE MAIO DE 1988


JORNAL A TARDE, SALVADOR,   SEGUNDA-FEIRA, 30 DE MAIO DE 1988

QUATRO ARTISTAS EXALTAM MOVIMENTO DOS CORPOS

A artista Vera Regina demonstra conhecer o desenho
Os artistas Araci Tanan, Alessandro César, Ana Miranda e Vera Regina estão expondo seus recentes trabalhos que exaltam os corpos na Galeria Bom Vivant, na Barra, até o dia 25 de junho.
O Alessandro é um contemplador da sensualidade gestual.Acompanha com muito interesse os movimentos do corpo humano onde personagens andrógenos fazem suas acrobacias. Para Célia Prata, orientadora do grupo, o artista tem um traço que estrutura, amarra e cria o desenho a partir de uma descarga elétrica, onde encontros perceptivos e anatomia de corpos obedecem à atmosfera expressiva pretendida. Em pinceladas de ritmos e movimentos, em tons baixos ou vivos, em manchas ou escorridos o acasalamento do masculino e o feminino na busca do equilíbrio cromático entre o delírio e a razão.
Araci Tanan curte deuses hindus, astrologia, taoismo, mitologia grega, enfim trabalha envolvida numa atmosfera mística. É como se cada povo assimilasse esse universo de acordo com sua cultura. Esses deuses saem de mim intuitivamente, poeticamente, diz Tanan, cujo sobrenome já lembra personagens que habitaram outras eras.
Vera Regina prima por captar a expressão corporal inspirada em atletas e dançarinos. Enquanto eles trabalham realizando expressivos movimentos, Vera vai se inspirando. Seus modelos são imaginários, são momentos fixados em sua mente que depois ressurgem dentro da visão do artista.
Mulheres aladas de Ana Miranda tem um encanto daquelas figuras gregas que preenchem os clássicos da literatura universal.Um toque no tão almejado voo da liberdade feminina, no bater de asas no horizonte sem compromissos terrenos.

     OS MOTIVOS FLORAIS DE HELENA AGRADAM

O relacionamento com um suíço contribuiu para que Helena realizasse cedo um dos seus projetos de vida mais importantes que era expor suas telas no exterior. Os temas florais, os vãos chineses e mesmo o casario colonial agradaram em cheio muitas pessoas que acorreram as suas exposições em La Paz, Paris e até na Suíça. Ela tem viajado muito porém, não esquece às cores quentes e a exuberância de nossa flora. O trabalho de Helena tem ainda uma forte dose de pintura universal e, por isto, tem a aceitação em toda a parte. Espero que ela continue com esta disposição em realizar um trabalho cada vez melhor, principalmente frequentando cursos livres e ateliers para ganhar mais experiência.

PROJETO NORDESTE ATESTA O ISOLAMENTO 
EM QUE VIVEMOS

O inquieto Bel Borba cobrindo com seus desenhos a propaganda de um candidato a vereador
em Maceió
Participei da fase do Projeto Nordeste em Maceió, estou realmente acreditando que uma semente está sendo plantada. É uma semente selecionada e com características de germinar e se transformar numa planta frutífera. Tem contra ela a inércia, o descrédito e outros elementos negativistas, principalmente o isolacionismo e o divisionismo que transformam o ambiente num terreno árido. Porém, a sua força é maior e seu objetivo mais forte, o que certamente resultará num abrir de consciências, isto pude comprovar pelo número de participantes do debate, que achei muito pequeno, e também pela presença também pequena na Praça Deodoro, onde os artistas baianos mostraram sua capacidade e desprendimento. Esses males que alinhei acima não são exclusivos de Maceió, mas de todas as cidades nordestinas onde as artes visuais vêm sofrendo um processo desgastante de isolamento. Nossas referências culturais são esquecidas ou enaltecidas um ou outro artista sem uma preocupação em formar um grupo coeso para enfrentar as quase intransponíveis barreiras da técnica e mesmo do mercado de arte.
 Artistas baianos pintando na Praça Deodoro,Maceió
Fiquei entusiasmado com a disposição de César Romero, Juarez Paraíso, Juracy Dórea, Antônio Brasileiro, Eckenberger, Sônia Rangel, Márcia Magno e o eletrizante Bel Borba que quase provoca um  caso diplomático entre baianos e alagoanos. Explico. O Bel no momento em que seus colegas se preparavam para trabalhar nas telas que levaram, ele olhava extasiado para um pedacinho de muro de um estacionamento onde um candidato a vereador ostentava o seu nome em letras garrafais. Foi a uma casa de tintas e voltou com uma braçada de tubos de Colorget. Imediatamente passou a pintar vários urubus envolvidos por uma intricada, mas bonita, composição. De repente surgiram dois cabos eleitorais do candidato e fizeram o seu protesto, tentando frear o ímpeto do Bel.
Foi uma discurseira infernal. Calmamente conversei com os dois senhores e eles sumiram numa esquina. Assim saboreando uma cervejinha o Bel concluir o seu mural, contribuindo para aumentar esta integração.
Insisto na importância do Projeto Nordeste por ser uma semente em busca da quebra desse isolacionismo reinante e, também, por ser um exemplo do esforço em busca de um trabalho cooperativo. É um mal nacional, dirão alguns. Mas pior é que é um mal regional. Um mal que nos toma mais fracos do que já somos, por vivermos numa região que não conta com as benesses dos governos, especialmente do federal. Vivemos em centros de produção localizados em estados economicamente fracos e sem tradição no desenvolvimento das atividades culturais. Esta situação só pode mudar, se juntos reivindicamos os nossos direitos e apresentamos sugestões que sejam possíveis de concretização.
Não estive em Sergipe com o Projeto Nordeste, mas fiquei sabendo através do critico João de Barros, que falou durante o debate, que a situação teria mudado um pouco depois da passagem do pessoal da Bahia. Se mudou, ótimo, Se não mudou, pelo menos ficou lá uma mensagem, que certamente não se perderá por completo. Também o Romeu de Mello-Loureiro, critico de arte de Maceió, além de demonstrar o isolamento falou também do desinteresse de alguns artistas e da dificuldade em mobilizá-los. Isto ficou patente, como já disse, pela pouca presença, tanto no debate como na manifestação ao ar livre na Praça Deodoro.
Devo dizer que timidamente alguns apareceram distribuindo folhetos sobre suas atividades, mas insisto, foi uma minoria. Esta pouca participação não inviabiliza o Projeto Nordeste. Ao contrário, mostra o quanto necessário ele é, também nos demonstra como e grande o esforço que este grupo abnegado está fazendo para contribuir para uma mudança em toda esta estrutura mobilista e caótica. Vão em frente porque este trabalho é uma luz no fundo de um túnel, que precisa dar passagem a uma leva de gente que tem muito a aprender.


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