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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

BRASILEIROS E AMERICANOS DISCUTEM A CULTURA NEGRA - 23 DE MAIO DE 1988


JORNAL A TARDE, SALVADOR, SEGUNDA-FEIRA, 23 DE MAIO DE 1988

BRASILEIROS E AMERICANOS DISCUTEM A 
CULTURA NEGRA
Algumas das obras que serão expostas a partir de hoje , no Solar do Unhão
Começa hoje a mostra influência da Cultura Africana nas Artes Visuais, que reúne artistas baianos e americanos numa comemoração aos 100 Anos da Abolição da Escravatura. Salvador foi também escolhida para sediar a II Conferência Internacional dos Artistas Americanos por ter sido o principal porto de entrada de escravos, também o Brasil foi o último País do continente a abolir a escravidão, em 1888. É, portanto, um ano propício a se fazer uma reflexão mais profunda sobre tudo que aconteceu e está acontecendo envolvendo os negros brasileiros. Esta mostra possibilita ainda uma visão do que está sendo produzido nos Estados Unidos, sob influência da cultura africana.
Através de conferências, debates e exposições, os artistas terão uma visão crítica desta realidade. Mesmo os que não estão expondo devem comparecer para participar desse evento. A organização da mostra está a cargo do Departamento de Artes Visuais da Fundação Cultural do Estado e da National Conference of Artists -NCA e conta com a colaboração da Bahiatursa. Esta integração entre os artistas que sofrem influências africanas é muito importante porque, inclusive, facilitará o intercâmbio com a troca de informações e será um momento de afirmação cultural para muito deles.
A PROGRAMAÇÃO
Os americanos chegaram hoje por volta das 5 horas da manhã. A abertura será às 20 horas, no Solar do Unhão, e logo depois a Banda Olodum fará uma apresentação para os visitantes. Amanhã começarão as conferências, por volta das 9 horas da manhã, no Hotel da Bahia, sobre Arte e Religião, com Ordep Serra.
Às 14 horas, serão abordadas as Expressões Contemporâneas da Estética Africana, por Renato da Silveira, e a noite, às 21 horas, haverá um show com o grupo musical llú-Bata e África Poesia. No dia 26, sessão Imagens Afro-americanas na Mídia, por Benedito Paulo da Luz, e a palestra A Realidade Africana no Brasil, de Hélio Santos. No encerramento, uma sessão de cinema afro-americano-criação de imagem da Diáspora com palestra de Cacá Diegues.
OS TRABALHOS
Tive oportunidade de visitar a mostra quando da sua montagem, e pude verificar que a rigor não podemos ficar deslumbrados diante do que os americanos nos apresentam. Vimos os trabalhos, os quais nos revelam que os artistas americanos, embora  vivam no centro cultural desenvolvido, estão muito confusos numa mistura incompreensível de materiais, falta de qualidade técnica e outros elementos que são básicos para se determinar e compreender a importância de um trabalho plástico. Faço este reparo para que tenhamos os olhos abertos para fazermos um contraponto entre o que fazermos aqui e o que determinados segmentos estão fazendo lá fora.
Também lamentamos a ausência de vários artistas que forma convidados e selecionados por uma comissão, da qual fizemos parte juntamente com o professor Ivo Vellame, Dante Galeffi, Carlos Eduardo da Rocha e Matilde Mattos. Simplesmente não deram com as caras. Se estivessem de fora, certamente estariam esbravejando que foram discriminados.
A expressividade do negro,nesta
obra do baiano Carlos Bastos
Porém, não estão fazendo falta porque teremos expostos trabalhos de Agnaldo dos Santos (falecido), Hansen Bahia (falecido), Bolão, Rescala (falecido), Caribé, Rubem Valentim, Edson da Luz, Aurelino, Yedamaria, Mestre Didi, Gilson Rodrigues, J. Cunha, Gerson, Terciliano, Cesar Romero, Bira Reis, Zu Campos, Cidinho, Paulo Rufino, Justino Marinho, Chico Diabo, Góia Lopes, Sílvio Robatto, Edsoleda, Jadmaro, Everton, Almir Oliveira, Raimundo Nonato, Abddias, Mestre Waldemar(berimbaus), Helena Magalhães, Gilson Nascimento, Mãe Estela Azevedo adereços de camdomblé), Louco Filho, Doidão, Flory, Nilo, Fred, Roberto Gliotti, Emma Valle, Ivonete Dias, RR Costa, Pedro Arcanjo, Zé Tiago, Mário Cravo Jr, Duda, Edmilson Ribeiro, Francisco Santos, Renato da Silveira, Mário Cravo Neto, Carlos Bastos, Milton Coutinho e Maria Betânia.

Mestre Didi com
obra de sua autoria
Cito propositadamente esse nomes, que somam 53, para que fique aqui registrada a importância do evento que reúne desde artistas já consagrados no mercado de arte baiano e alguns até nacional, e, porque não dizer, no exterior e, outros que são artistas populares como os escultores de Cachoeira os criadores de adereços do candomblé, da capoeira e outras manifestações que sofrem forte influência da cultura africana. Portanto, não são menos importantes que os primeiros. Mas, por outro lado, a falta de interesse dos 32 que deixaram de comparecer nos permite também uma reflexão. Por quê?
Quais as razões? Será que não queriam ser identificados como artistas que sofrem influências da cultura africana, ou que seus trabalhos nada tem a ver com a negritude? Evidente que precisaríamos de mais espaço para outras considerações, sobre esta postura, que a princípio considero lamentável

O QUE É A NCA

Quanto a NCA, funciona ligada a Universidade de Atlanta, nos Estados Unidos desde 1959, e realiza um trabalho ligado aos países do Caribe e da África em prol do fortalecimento do artista afro americano. Seus fundadores foram Margareth Burroughs, James D. Parks, Eugênio Dumer, Jewel Simon e Virgínia Klah.
A primeira conferência foi realizada em Dakar, no Senegal, tendo como tema central Reexame da Negritude - reafirmação de nossas afinidades culturais.
Portanto, aí estarão reunidos negros e brancos, visando a preservação e o desenvolvimento da arte e em particular da influência da cultura africana sobre a arte. Será um momento de reflexão e, para nós baianos, que nascemos num estado de grande influência negra em todas suas manifestações, temos muita coisa pra dizer, talvez até mais do que ouvir.

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