JORNAL A TARDE SEGUNDA-FEIRA, 7
DE MARÇO DE 1988
O ENIGMA DA VISIBILIDADE E A
PINTURA DE
ROGÉRIA MATTOS
ROGÉRIA MATTOS
É com satisfação que abro espaço nesta coluna para publicar um artigo do
querido Wilson Rocha, falando
a respeito da artista Rogéria Mattos, que também,
é esposa de meu amigo Leonel Mattos. Vejamos:
Rogéria Mattos em seu atelier na capital paulista |
A
Pintura Jovem, como síntese, nasce do homem pós-moderno absorvido pelas
diferentes idades, culturais, situações estéticas experimentadas ao longo da
História, no decurso de uma vivencialidade milenária, assumindo uma posição
totalmente nova em termos de pintura, contrapondo-se às virtualidades
exasperantes do experimentalismo e à estratégia das vanguardas. Os debates
exaustivos sobre os modos alternativos da pintura do século XX haveriam de
esbarrar no fim do experimentalismo. Herdeira da origem urbana e internacional
de manifestações independentes, do gesto livre dos grafiteiros, a Pintura Jovem
surge da transformação da cultura nos dias que vivemos e consequentemente da
afirmação cada dia mais vigorosa e mais ampla das culturas de juventude
impetuosamente ativas e produtivas em termos de criação artística , sinalizando
uma revolução no tempo visual, uma virada de conjuntura,onde a pintura
experimenta uma nova qualidade existencial ao assumir uma situação de perene
disponibilidade, a enfrentar a História e a Academia, passando a viver como um
organismo vivo, respirando e testemunhando sua época. Pintura que simula em vez
de representar.
A
sistematização das categorias da forma na pintura, o enigma da visibilidade –
que aparece sob a forma de uma energia extraordinária e não devidamente
especificada, a da interioridade da pintura, oriunda talvez do inconsciente, ou
de uma consciência visual que sintetiza os meios sensitivos,os modos
operacionais sobre a realidade s significa uma continuidade de expressão do
artista. – instituiu no século XIX , na Alemanha,a chamada Teoria da
Visibilidade Pura, que deu origem ao nascimento e à moderna atitude Lingüística
atual graças aos seus iniciadores e continuadores: Fledler,
Rielg,Wolffin,Jakobson, Focillonn,Cassirer, Merleau-Ponty e outros. Afirmando a
autonomia da forma como linguagem na pintura, a obra de arte, para Jacobson,
entre outras coisas, tem a função de refletir sobre a sua própria forma.No
raciocínio de Merleau-Ponty “ em qualquer civilização em que surja , de
qualquer crença, motivo ou pensamento, quaisquer que sejam as cerimônias a
envolvê-la, de Lascaux a nossos dias, pura ou impura, figurativa ou não, a
pintura não celebra outro enigma que o da visibilidade”.
Refletir
sobre a visibilidade da pintura é considerar
a essência da matéria pictórica, energia, o impulso e o vigor do gesto,
da cor e da forma e o pensar dos signos perceptivos, as sugestões de uma
figuração vibrante e inesperada, o desmembramento do real que penetra a imagem
e domina o impacto emocional de cores delirantes na inusitada aventura visual
da Pintura Jovem, de uma presença já tão forte e significativa no ambiente
nacional.
Nos
últimos anos viu-se surgir em
São Paulo com as novas levas de pintores de juventude, uma
geração de choque formada de jovens artistas vindos de vários estados
brasileiros e de alguns países, quando logo se destacou o nome de uma jovem
pintora vinda da Bahia, Rogéria Mattos , pelo sucesso imediato obtido pela
surpresa e o impacto de sua pintura que ao estrear conquistou dois prêmios de
uma vez em um certame da maior importância nacional , o Prêmio da Pintura e o
Prêmio Especial Medalha Pietro Maria Bardi do II Prêmio Pirelli Pintura Jovem,
no Museu de Arte de São Paulo, em 1985, segundo de brilhantes e sucessivas
atuações em salões de São Paulo, Paraná e outros estados,participando com êxito
no Salão Paulista de Arte e recentemente premiada no XIX Salão Nacional de Belo
Horizonte, dois salões de maior prestígio atualmente no País pelo critério
rigoroso e inteligente adotado na organização de suas comissões de seleção do
júri.
Há
na obra inicial da pintora Rogéria Mattos a expressão direta das experiências
acumuladas em sua diária vivência psíquica, os dados perceptivos expressivos de
um grau de unidade da personalidade, algo como identificar uma fonte de
significados de uma realidade pictórica. Eis então as composições arbitrárias
plenas de visões e intuições e a inserção de cores ativas em sua pintura
estruturada e vigorosa.O problemas central de sua pintura – que é um prodígio
de vitalidade, que privilegia a ação, que adquire a dimensão, a energia de uma
força orgânica e onde as formas involuntariamente são transformadas em símbolos
– é a exploração da cor como meio expressivo fundamental. Pintura densa e
lúdica, de organização dinâmica da forma e da cor. Um universo revisto e
recriado numa exuberância cromática pelo gesto, os modos, os hábitos da
pintura. A qualidade da cor e da textura se entrelaçam numa unidade refletida
na liberdade de expressão de uma jovem artista que surpreende, que está ocupando
um lugar singular na pintura brasileira dos anos 89 e, contudo , tímida e
afastada das conveniências comerciáveis como poucos entre os nosso mais
capacitados pintores.
É
sobre um limite bidimensional que o trabalho pictórico ganha os seus valores espaciais
e cromáticos. Na pintura de Rogéria Mattos a organização base desses sinais
transformados, individualizados, mantém, desde as suas primeiras
experiências,grande unidade e pressupõe globalmente, organizando um sistema de
distensão ondulatória e sobrecarga de cores, duas soluções :a a
representação de uma trama cerrada ou a
representação de uma trama aberta sobrepondo-se em simultaneidade numa
constante e obstinada recorrência à textura contínua de uma composição
intrincada. A trama cerrada pressupõe uma cerração de elementos que enriquece
matericamente a superfície e torna mais sutis as tensões espaciais, porque
transfere os valores das situações de maior amplitude e clareza para registros
onde as superfícies tendem a subdividir-se em inúmeras zonas, também
ondulatórias, de contínua alteração e em função da densidade das cores, da
pulsação da pintura, da força e espessura do gesto, do peso ou leveza das
massas cromáticas. Pelo que já nos mostrou, esta artista promete algo de muito
importante para acontecer, assim possamos ir acompanhando a trajetória de um
dos mais originais talentos que a nossa cena artística tem visto aparecer . Rogéria
pinta as suas telas com uma determinação
rara e para ela a pintura, mais do que um meio de operar, é um instrumento de
liberação, um documento,grito vibrante de uma fascinante expressão”.
ARGENTINO HECTOR VALDEZ REPASSANDO EXPERIÊNCIAS
Uma aquarela da aluna Yara,que Valdez mostra orgulhoso |
Como todo estrangeiro que aqui aporta e fica
encantado com esta bagunça que é a Bahia, o argentino Hector Valdez gosta de
dizer que está completamente integrado à maneira de viver do baiano. Diz mais:
ai à Argentina mostrar as coisas da Bahia. No seu entender é preciso divulgar
as coisas que se faz aqui e ele, particularmente, pretende mostrar aos
patrícios os últimos trabalhos, que trazem a marca das tradições e da cultura
baianas. Ele domina muitas técnicas: lápis, carvão,lápis de cor,
guache,aquarela,aerógrafo,pastel e óleo. Tem um jeito fácil de se comunicar e
isto é um ponto positivo para quem se propõe a repassar experiências.
ORGULHOSO
Ciente da qualidade de alguns trabalhos elaborados ´por seus alunos, num período de curso de apenas três meses, ele foi às redações dos jornais levando debaixo do braço a prova do aprendizado. Trabalhos de iniciantes, é verdade, mas que deixam transparecer que seus autores têm realmente grande chance de uma profissionalização. Uns mais que outros, o que é perfeitamente compreensível.
Animado
com o sucesso do seu primeiro curso, Valdez começa no dia 15 com outro grupo de
pessoas . Lembra que, ainda adolescente em Buenos Aires ,
despertou para a arte. Isto naquela época
era coisa de vagabundo. Valdez resistiu e, hoje, é um artista
respeitado.
Valdez, tendo à sua frente um trabalho de um aluno. |
Diz que ensina o pulo do gato. Isto é, não
esconde o jogo. Repassa para seus alunos tudo que aprendeu durante este tempo
mexendo com arte plástica. Sua ex-aluna Luciana Pereira comprova : “O que
Valdez sente ele passa pra gente”. Vai orientando desde o desenho, que é uma
base primordial para que deseja dedicar-se à arte, até as manhas das várias
técnicas. Que domina. Ele mesmo adverte: “Quem não sabe desenhar, não aprende a
pintar”. Portanto, tudo deve começar na base, no desenho. Valdez fica na Rua
Santa Rita de Cássia, 38 no bairro da Graça, e lá continua ensinando tudo que
aprendeu.
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