JORNAL A TARDE, SALVADOR, SEGUNDA-FEIRA 22
DE AGOSTO DE 1988
OS PEIXES DE UM ARQUITETO QUE É
NAVEGADOR
E PINTOR
O nome é difícil de pronunciar e de escrever, embora, aparentemente, seja
leve. Aparentemente, porque Lev Smarcevski é um siberiano de Krasnaiavski com cerca
de 1m90cm e muito peso. Arquiteto e navegador. Pintor e escultor.
Amigueiro
e, segundo garante Floriano Teixeira, é um bom contador de estórias. Depois de
ser e de fazer tanta coisa, de vez e para sempre, pintor e baiano, o marinheiro
ancorou no seu irremediável ofício, sentencia Jorge Amado, seu amigo e grande
incentivador. Realmente, ao examinar as novas pinturas de Lev, a gente sente
prazer em descobrir os espaços percorridos por largas-faixas entrecortadas por
linhas brancas em forma de xadrez, onde temos a sensação primeira de que
estamos diante de um aquário a observar peixes que se mexem de um lado a outro,
com seus grandes olhos vermelhos circundados por um circulo escurecido. Diante
de efeitos especiais de luz e cor o aquário vai se transformando. De repente o
azul vibrante é substituído por uma cor mais tênue, para, em seguida, tornar-se
mais escurecida. Neste instante parece que descemos mais ainda ao fundo do
aquário atraídos por esta fantasia do siberiano que aqui aportou e nunca mais
nos deixou.
Diz
Carlos Eduardo da Rocha que "como um decorativista atraído pelos aspectos mais
belos e agradáveis da natureza, como concretista manejando sólidas massas e
figuras ordenadas para a sua construção, ou ainda somando-se a natureza
revela-se ainda algumas vezes um verdadeiro expressionista."
Esta
exposição de Lev Smarcervski no Escritório de Arte da Bahia, que fica no térreo
do Salvador Praia Hotel, em Ondina, merece ser vista pelos jovens artistas pela
lição de modernidade, e pelo talento do artista que nos surpreende com uma
temática já trabalhada por um número interminável de artista e ele ainda esnoba
criatividade. Lev soube captar em suas telas a essência do elemento que elegeu
para trabalhar e através de sua contribuição criativa consegue emocionar. Na
verdade uma pintura gestual, mas formada de gestos controlados, como um maestro
a compor uma nova partitura. Cada nota ou cada traço está no lugar certo,
porque nesta sua fantasia musical afinação é essencial.
Outros
amigos do artista como Calasans Neto, Fernando Coelho ainda falam de sua
exposição, Floriano preferiu brincar com o seu amigo tinhoso. Confesso que
conheço do Lev de longe, mas tenho acompanhado há anos o seu trabalho de
arquiteto e pintor, e também suas aventuras de navegador. Sei que está voltando
à pintura. Sua última exposição de pintura foi em 1982, em São Paulo.
Revela
o artista que sua pintura está mais marcada pela emoção, neste quadrante da
vida, e que esta é uma das razões de ter organizado mais outra mostra. No mais,
vejo o trabalho quase que caligráfico, com um tema, os peixes, e mesmo não
conseguindo chegar a uma abstração toral, uma busca neste sentido. Minha
pintura continua organizada e a crio pelo prazer, sem ismos. É o que me deixa
satisfeito, concluiu o siberiano Lev, que hoje é certamente mais um envolvido
pelo feitiço baiano.
OS
ESPAÇOS GEOMÉTRICOS DE ROGÉRIO NA
GALERIA O CAVALETE
Reconstruir, óleo sobre tela e colagem |
Tudo
quieto como se o artista ainda estivesse diante da sua tela dando os últimos
retoques para uma posterior ocupação pelos olhares daqueles que vão examinar
cada elemento.
Conheci
Rogério em Maceió quando estive juntamente com o pessoal do Projeto Nordeste.
Lá pude também sentir a sua preocupação em criar um espaço junto à Universidade
Federal de Alagoas para exposição permanente de algumas obras, que no futuro
irão formar a Pinacoteca daquela instituição de ensino, Rogério Gomes , além de
professor da própria universidade tem este lado de animador cultural. Gosta de
promover eventos e participa ativamente de movimentos culturais em sua terra.
Aqui
ele está participando de duas exposições. Já falei na semana passada da
exposição no Museu de Arte Moderna onde ele expõe ao lado de David Largman,
Jadir Freire, e Mário Azevedo. Por falar em David Largman recebi
um telegrama do artista agradecendo o artigo que escrevi falando da exposição
que tem o título Quatro Vozes.
Suas
telas são paisagens de um mundo imaginário, asséptico onde o artista transita
com o olhar voltado para suas fantasias. Numa delas que integra o
catálogo-convite da exposição podemos observar que um elemento até nos lembra
uma parede forrada de mármore. Noutras as cores são chapadas e fortes e parecem
guardar segredos por trás daquelas cores vibrantes. Neste cenário urbano
geométrico Rogério Gomes chega a Salvador com uma exposição de qualidade que
merece ser vista e confrontada com outras que temos visto por aí.
Certamente
encontraremos divergências estéticas e qualitativas. É um artista que tem boa
técnica, aliada a um embasamento cultural que lhe permite discorrer e
decodificar os elementos que manipula para construir suas cidades desabitadas.
Cada
tela é como se fosse um corte de um espaço urbano onde Rogério retira a figura
para ocupar os espaços através de exercícios geometrizantes.
Mesmo
com a ausência da figura humana sua pintura é intrigante e não nos permite
passar despercebida. É um jogo de elementos que nos toca de perto e nos permite
aflorar com nossas fantasias em busca de um pouco de paz, de tranqüilidade
mesmo, neste mundo onde os espaços são propriedade de minorias, e que se
permitem mantê-los ocupados ou desocupados.
OS
DEUSES AFRICANOS NA OBRA DE FRANCISCO
DOS SANTOS
Os Deuses em Elegibô é o nome da exposição que o artista plástico Francisco dos
Santos vai apresentar a partir do dia 26 na Galeria Cañizares, no Canela.No
vernissage será apresentado um número de dança afro, onde podemos sentir a
preocupação do artista com suas raízes negras. Este baiano de Santo Amaro cria
figuras que parecem em pleno estado de transe onde os escolhidos dos orixás
costumam balbuciar palavras incompreensíveis e são envolvidos por gestos que
contribuem para criar um clima de emoção.
São
18 trabalhos em óleo sobre tela que Francisco reuniu para esta exposição.
Lembra Erivaldo Veiga que " a arte reflete a ambiguidade do quadro social em que
vive o artista: as existências de um resgate do elo primitivo, étnico, perdido,
a televisão, a ficção, a velocidade, a pobreza entre a opulência e a
tecnologia. Os orixás dos seus sonhos, dos sonhos de Francisco, se paramentam
com capacetes e braceletes metálicos reluzentes lembrando guerreiros intergaláticos
com tudo isso mesclado com os tradicionais fetiches, chifres, espadas, otás e
machados. Assim, consciente ou não, sua arte é dialetizada e histórica ou pertencendo
a um tempo explosivo."
Na
verdade é um artista que nos mostra uma arte cheia de emoção, mas que prima
pela simplicidade. Suas figuras tem bons movimentos e expressividade, mas ainda
gravita com elementos marcantes pela singeleza ou ingenuidade com preocupação
com o figurativo. É uma pintura autêntica, como disse o saudoso mestre Réscala.
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