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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

VAMOS REFLETIR SOBRE O OLHAR E O SENTIDO DA O PAIXÃO - 12 DE SETEMBRO DE 1988.


JORNAL A TARDE, SALVADOR, SEGUNDA-FEIRA, 12 DE SETEMBRO DE 1988. 

VAMOS REFLETIR SOBRE O OLHAR
O SENTIDO DA  PAIXÃO
É uma conversa para pessoas de cabeças arejadas e inteligentes.
E para esta conversa virão a Salvador Marilena Chauí, Ferreira Gullar, Gerd Bornheim, Maria Rita Kehl, José Américo Pessanha, Ismail Xavier, dentro outros, para discorrerem sobre O Olhar e 0 Sentido da Paixão, dois temas palpitantes e integrados e que aqui serão tratados graças ao empenho da Secretaria da Cultura e da Fundação Cultural através do jornalista Florisvaldo Mattos. O projeto foi realizado pela Funarte, que já o apresentou em algumas capitais e, segundo Florisvaldo, agora percorre a grande vertente da visualidade que transforma todo um desaguadouro de comunicação, onde O Olhar é o elemento revelador do processo cultural, em intensidade e força, desvendando o real recoberto pelas aparências que sutis mecanismos de comunicação procuram perpetuar .
São filósofos, artistas  escritores ligados ao pensamento atual da sociedade brasileira que vão conversar sobre o homem e suas paixões, este ser que “vive submerso no mundo da fluidez dos símbolos e envolto na atmosfera de sensações que é a sua camisa-de- força. O curso será realizado na Faculdade de Direito da Ufba., de 3 a 27 de outubro, de 19h30min às 21h30 min.  Ao escrever sobre esses assuntos, me vêm à mente alguns olhares. O tradicional olhar 38, que o paquerador outrora lançava sobre sua possível vítima: o olhar fatal, que as mulheres belas lançam sobre os homens, deixando-os apaixonados: o olhar de alegria, quando os olhos brilham de satisfações; o olhar triste de alguém que está passando por uma dor do espírito ou mesmo física: o olhar da raiva expressa aos borbulhões no vídeo da telinha que encanta, embriaga e aliena. Lembro-me dos olhares lânguidos das criancinhas esfomeadas da minha terra, quase sempre castigada pelas estiagens. Enfim, o olhar que permite uma leitura do espírito, o olhar que significa tomar conta ou proteger.
Quando a gente integra o olhar com o sentido da paixão, aí chegamos ao instante do encontro dos sentimentos, sim porque o olhar expressa nossos sentimentos. Seria tão bom que a gente olhasse sempre o próximo com um olhar de bondade, de afeto mesmo. Aí acabaram as disputas inconsequentes, as questínculas que provocam mal-estar e separações.
Para o professor de cinema Ismail Xavier, 40 anos, “o olhar humano jamais se atreveria a competir com o onividente que tudo vê, sob todos os ângulos olhar do cinema. Apesar da bidimensionalidade, da falta de visão periférica e de outros limites intrínsecos á sétima arte, o super olho cinematográfico um olho sem corpo tem o privilégio de poder saltar com desenvoltura por todas as posições espaciais imagináveis, estabelecendo um complexo jogo de olhares entre os atores, a câmera que os capta e o público receptor.
A gravadora Fayga Ostrower prefere lembrar aspectos do conteúdo essencial de todas as obras de arte. O que faz com que elas cumpram, sua principal função: a de emocionar o espectador. Em qualquer obra, neolítica ou contemporânea, o artista investiga a experiência do ser humano diante da vida e da morte.
E só assim, quando amplia nossa consciência, é o que seu quadro, escultura ou gravura pode, de fato, ser considerado uma obra de arte. Continua Fayga, dizendo que a noção de novidade não é tão importante. Importa que ela nos comova.
Se não, como explicar que você veja 100 vezes a mesma obra e sempre queira ver mais? Você pode se modificar a cada instante e então a verá de outra forma.
Seu olhar será outro e você verá mais. A professora da História da Filosofia Marilena Chauí, afirma que a visão não é um certo modo de pensamento da presença em si; é o meio que é dado para estar ausente de mim mesmo, para assistir de dentro á fissão do ser ao fim da qual e somente então, feche-me em mim(...) è preciso compreender o olho como janela da alma o olho por quem a beleza do universo revelou-se a nossa contemplação, é de uma excelência tal que qualquer um que se resignasse a essa perda privar-se-ia de conhecer todas as obras da natureza, cuja vista faz a alma permanecer constante na prisão do corpo, graças aos olhos; quem os perde abandona a alma numa prisão obscura, onde cessa toda a esperança de prever o Sol, Liz e universo.
Realmente o olhar abre a alma e mesmo o que não é alma. Falando sobre o artista Claude Monet (1840-1926), seu colega Cézanne exclamou certa vez: É apenas um olho, mas que olho! É talvez o maior dos Impressionistas! Pinta paisagens, tentando captar o percurso do tempo pela captação da luz de cada instante.
E pinta reflexos de paisagens em águas tranqüilas ou encrespadas. Parece passar do instante do olhar à reflexão, ali onde arte e filosofia se aproximam: na fronteira entre o fugaz e o permanente.
A obra Impression,Soliel Levant, de  Monet
Foi uma de suas telas Impression , Soleil Levant , que teria dado nome ao movimento, hoje célebre no mundo inteiro, o Impressionismo. E o próprio Monet revelou que teria voltado ao que gosta de fazer: “Voltei as coisas impossíveis: águas com plantas ondulando no fundo.Observar é admirável, pintar é enlouquecedor. Para o artista tudo é luz, as flores, os prados, mas também as cidades e as paisagens da era industrial que nascem. Foram sessenta anos de dedicação quando o artista morreu aos 86 anos. E para fortalecer a importância do olhar o mesmo Monet escreveu: A cada dia acrescento e surpreendo alguma coisa que ainda não havia podido ver. Que dificuldade!
Mas as coisas vão indo e com mais alguns dias deste belo sol um bom número de minhas telas estará garantido. Estou quebrado, já não agüento mais e tive uma noite cheia de pesadelos: a Catedral me caia em cima, parecendo azul ou rosa ou amarela.
 Já Edouard Manet traz em sua obra o âmago das transformações culturais sofridas pela produção das imagens durante o século passado. Esta afirmação é de Jorge Coli professor da Unicamp e mestre pela Universidade de Provence. Ele fala da modernidade do artista que não se inscreve apenas nos registros formais ; ao contrário , ela é o testemunho de um olhar enigmático que lhe confere plenitude. Diferentemente de um Delacroix , que constrói o imaginário de um Colbert, que impõe sua própria experiência como um mundo real ou dos Impressionistas que escolhem a superfície dos fenômenos visuais como estímulo.

Edouard Manet , este dândi que morreu com uma perna amputada, pintou suas obras com um olhar distante do banal. Quando olhamos seu Ao Redor doTouro, foto ao lado  , numa quase diagonal, solitário, ocupando toda a tela, surge a gravidade da morte. E o negro da tela nos transporta a um sugestivo cântico da própria cor.
Le Déjeuner sur l'Herbee ,Edouard Manet
Enfim, aqui em Salvador desfilarão pessoas que sabem falar sobre O Olhar e O Sentido da Paixão. São poetas , visionários, filósofos, enfim pessoas do mais alto nível intelectual que se preocupam com assuntos que estão sempre presentes em nossas vidas. A emoção e o olhar que tanto nos provocam sensações de alegria, de tristeza e , enfim, de uma satisfação incontida, quando estamos embebecidos de amor. Portanto, é um bom momento para refletirmos, para esquecer os Sarneys da vida, o monstro da inflação, porque por trás desta cortina de problema e inquietações ainda existe uma janela onde a gente pode olhar e pensar. Vamos alimentar um pouco os nossos sentimentos que andam cambaleantes de tantas incertezas criadas pelos que detêm o poder, em todos os níveis. Vamos pensar. Vamos deitar o olhar. Este curso, promovido pela Secretaria da Cultura através da Fundação Cultural, será um raro momento para realimentarmos os nossos espíritos de coisas fantásticas e gratificantes.


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