JORNAL A TARDE, SALVADOR, SEGUNDA-FEIRA, 12 DE SETEMBRO DE 1988.
VAMOS REFLETIR SOBRE O OLHAR E
O SENTIDO DA PAIXÃO
O SENTIDO DA PAIXÃO
E
para esta conversa virão a Salvador Marilena Chauí, Ferreira Gullar, Gerd
Bornheim, Maria Rita Kehl, José Américo Pessanha, Ismail Xavier, dentro outros,
para discorrerem sobre O Olhar e 0 Sentido da Paixão, dois temas palpitantes
e integrados e que aqui serão tratados graças ao empenho da Secretaria da
Cultura e da Fundação Cultural através do jornalista Florisvaldo Mattos. O
projeto foi realizado pela Funarte, que já o apresentou em algumas capitais e,
segundo Florisvaldo, agora percorre a grande vertente da visualidade que
transforma todo um desaguadouro de comunicação, onde O Olhar é o elemento
revelador do processo cultural, em intensidade e força, desvendando o real
recoberto pelas aparências que sutis mecanismos de comunicação procuram
perpetuar .
São
filósofos, artistas escritores ligados
ao pensamento atual da sociedade brasileira que vão conversar sobre o homem e
suas paixões, este ser que “vive submerso no mundo da fluidez dos símbolos e
envolto na atmosfera de sensações que é a sua camisa-de- força. O curso será
realizado na Faculdade de Direito da Ufba., de 3 a 27 de outubro, de 19h30min
às 21h30 min. Ao escrever sobre esses
assuntos, me vêm à mente alguns olhares. O tradicional olhar 38 , que o paquerador outrora
lançava sobre sua possível vítima: o olhar fatal, que as mulheres belas
lançam sobre os homens, deixando-os apaixonados: o olhar de alegria, quando os
olhos brilham de satisfações; o olhar triste de alguém que está passando por
uma dor do espírito ou mesmo física: o olhar da raiva expressa aos borbulhões
no vídeo da telinha que encanta, embriaga e aliena. Lembro-me dos olhares
lânguidos das criancinhas esfomeadas da minha terra, quase sempre castigada
pelas estiagens. Enfim, o olhar que permite uma leitura do espírito, o olhar
que significa tomar conta ou proteger.
Quando
a gente integra o olhar com o sentido da paixão, aí chegamos ao instante do
encontro dos sentimentos, sim porque o olhar expressa nossos sentimentos. Seria
tão bom que a gente olhasse sempre o próximo com um olhar de bondade, de afeto
mesmo. Aí acabaram as disputas inconsequentes, as questínculas que provocam
mal-estar e separações.
Para
o professor de cinema Ismail Xavier, 40 anos, “o olhar humano jamais se
atreveria a competir com o onividente que tudo vê, sob todos os ângulos olhar
do cinema. Apesar da bidimensionalidade, da falta de visão periférica e de
outros limites intrínsecos á sétima arte, o super olho cinematográfico um olho
sem corpo tem o privilégio de poder saltar com desenvoltura por todas as
posições espaciais imagináveis, estabelecendo um complexo jogo de olhares entre
os atores, a câmera que os capta e o público receptor.
A
gravadora Fayga Ostrower prefere lembrar aspectos do conteúdo essencial de
todas as obras de arte. O que faz com que elas cumpram, sua principal função: a
de emocionar o espectador. Em qualquer obra, neolítica ou contemporânea, o
artista investiga a experiência do ser humano diante da vida e da morte.
E
só assim, quando amplia nossa consciência, é o que seu quadro, escultura ou
gravura pode, de fato, ser considerado uma obra de arte. Continua Fayga,
dizendo que a noção de novidade não é tão importante. Importa que ela nos
comova.
Se
não, como explicar que você veja 100 vezes a mesma obra e sempre queira ver
mais? Você pode se modificar a cada instante e então a verá de outra forma.
Seu
olhar será outro e você verá mais. A professora da História da Filosofia
Marilena Chauí, afirma que a visão não é um certo modo de pensamento da
presença em si; é o meio que é dado para estar ausente de mim mesmo, para
assistir de dentro á fissão do ser ao fim da qual e somente então, feche-me em
mim(...) è preciso compreender o olho como janela da alma o olho por quem a
beleza do universo revelou-se a nossa contemplação, é de uma excelência tal que
qualquer um que se resignasse a essa perda privar-se-ia de conhecer todas as
obras da natureza, cuja vista faz a alma permanecer constante na prisão do
corpo, graças aos olhos; quem os perde abandona a alma numa prisão obscura,
onde cessa toda a esperança de prever o Sol, Liz e universo.
Realmente
o olhar abre a alma e mesmo o que não é alma. Falando sobre o artista Claude
Monet (1840-1926), seu colega Cézanne exclamou certa vez: É apenas um olho, mas
que olho! É talvez o maior dos Impressionistas! Pinta paisagens, tentando
captar o percurso do tempo pela captação da luz de cada instante.
E pinta reflexos de paisagens em águas tranqüilas ou encrespadas. Parece passar do instante do olhar à reflexão, ali onde arte e filosofia se aproximam: na fronteira entre o fugaz e o permanente.
E pinta reflexos de paisagens em águas tranqüilas ou encrespadas. Parece passar do instante do olhar à reflexão, ali onde arte e filosofia se aproximam: na fronteira entre o fugaz e o permanente.
A obra Impression,Soliel Levant, de Monet |
Mas
as coisas vão indo e com mais alguns dias deste belo sol um bom número de
minhas telas estará garantido. Estou quebrado, já não agüento mais e tive uma
noite cheia de pesadelos: a Catedral me caia em cima, parecendo azul ou rosa ou
amarela.
Já Edouard Manet traz em sua obra o âmago das
transformações culturais sofridas pela produção das imagens durante o século
passado. Esta afirmação é de Jorge Coli professor da Unicamp e mestre pela
Universidade de Provence. Ele fala da modernidade do artista que não se
inscreve apenas nos registros formais ; ao contrário , ela é o testemunho de um
olhar enigmático que lhe confere plenitude. Diferentemente de um Delacroix ,
que constrói o imaginário de um Colbert, que impõe sua própria experiência como
um mundo real ou dos Impressionistas que escolhem a superfície dos fenômenos
visuais como estímulo.
Edouard Manet , este dândi que morreu com uma perna amputada, pintou suas obras com um olhar distante do banal. Quando olhamos seu Ao Redor doTouro, foto ao lado , numa quase diagonal, solitário, ocupando toda a tela, surge a gravidade da morte. E o negro da tela nos transporta a um sugestivo cântico da própria cor.
Le Déjeuner sur l'Herbee ,Edouard Manet |
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