JORNAL A TARDE, SALVADOR, SEGUNDA-FEIRA, 5 DE SETEMBRO DE 1988
Uma justa homenagem será prestada pela Anarte Galeria do artista José Maria De Souza com uma exposição retrospectiva, de
Uma gravura de 1961 |
Em
que pese a orientação e o estímulo dos amigos, artistas e professores, José
Maria, no seu período de formação técnica, foi um autodidata. Confundindo-se
com os próprios materiais, sempre encontrávamos o artista fascinantemente preso
ao compensado, ás goivas e formões, descobrindo, por amor ao trabalho e por
compulsão orgânica, os segredos e o domínio da técnica e da forma que, melhor exprimiriam
as suas idéias, o seu sentimento. Enquanto a cidade dormia no silêncio das
longas noite, a cena era inconfundível: José Maria predestinado, apaixonadamente dedicado ao
trabalho artístico, vencendo dificuldades, como um verdadeiro asceta, milagre
da própria dignidade e do destino espiritual do homem, ausente as seduções, aos
lucros materiais de tantas outras atividades.
Perto de sua morte José Maria pintou canaviais |
A
seguir o pequeno texto que fiz sobre José Maria de Souza tentava montar suas
aptidões artísticas. Quando trabalhava como balconista numa casa de tecidos na
zona do Comércio, de propriedade do pai do engenheiro Mário Antônio Sampaio,
que naquela época era vizinho do artista Sante Scaldaferri, sensibilizado com
os pendores artísticos de José Maria, o engenheiro levou-o á presença de Sante,
oportunidade em que lhe foram mostrados vários desenhos. Sante observou-os e
fez algumas recomendações.
Dias
depois nova leva de desenhos chegou para Sante examinar e, para sua surpresa, o
então balconista tinha captado todas as informações que lhe foram passadas. Daí
nasceu uma amizade, na verdade são muito sólida(se viram poucas vezes) mas
sincera.
Sante
apresentou-a a Juarez Paraíso e juntos trabalharam algum tempo, até em finais
de semana.
O
temperamento era introspectivo, arredio até. Outras vezes surpreendia,
defendendo um ponto de vista.
Outra bela gravura de José Maria |
Seu
sepultamento ocorreu em Valença, sua terra natal. Ele participou de salões no
Rio de Janeiro, da Bienal de São Paulo e fez algumas exposições em várias
capitais e também em
Buenos Aires. Sua
obra foi muita apreciada, principalmente no Rio de Janeiro e aqui na Bahia.
Fez
muitas gravuras, onde podemos sentir a influência de Goeldi. No início de sua
carreira utilizava lâminas de barbear e tocos de faca para entalhar a madeira.
Tenho uma gravura de sua autoria onde a influência de Goeldi pode ser notada.
Isso não desmerece a sua obra. Ao contrário, todo artista sofre influências dos
mestres e José Maria soube ser ele mesmo.
VAULUIZO
FAZ LEITURA CRÍTICA DA SOCIEDADE OCIDENTAL CONSUMISTA
Vauluizo ao lado da tela onde aparece o legendário Jesse James |
O
Sergipano Vauluízo Bezerra está expondo na Galeria O Cavalete 16 telas a óleo
sobre tela e alguns desenhos onde faz um verdadeiro passeio sobre a cultura
ocidental. As heranças deixadas por nossos antepassados servem de motivação
para o artista que espontaneamente
resgata alguns elementos e os veste com uma roupagem de modernidade. Ele diz
conjugar seus aspectos psicológicos com o condicionamento do homem dentro da
sua própria realidade histórica. Neste momento, despontam as suas neuroses e
todas as informações que dispõe para a elaboração deste seu trabalho que nos
lembra o famoso Túnel do Tempoque tantos anos foi uma marca da televisão,
onde os abres sempre estavam em contato com pessoas de tempos passados. Só que
aqui, Vauluízo dá um tratamento diferenciado, porque veste seus personagens
com elementos de hoje para enfrentar esta nossa realidade.
Umas
das telas a que ilustra seu catálogo o artista intitulou de Duas Mulheres Passeando Sobre o Empire State, onde podemos ver o famoso prédio nova-iorquino
deitado e as mulheres em formas que lembram a Pantera Cor-de-Rosa da televisão,
andam graciosamente por cima do velho edifício. Certamente o artista mistura um
pouco de ironia com um toque de humor. Uma crítica á sociedade que busca
megalomanias para sustentar ou justificar a sede do poder ou de buscar o
irrealizável.
Noutro
trabalho intitulado Jesse James e os Capangas ele resgata da história em
quadrinhos ou mesmo da filmografia a figura legendária de Jesse James, que era
uma espécie de Robin Wood do oeste americano, numa alusão à própria
expressividade da vida. São segmentos que o artista gosta de trabalhar.
O
próprio Forte de São Marcelo e o Elevador Lacerda surgem em suas obras numa
tentativa de recuperar a paisagem baiana, retirando-a do cartão-postal, chato e
repetitivo. Também, a capital paulista é utilizada como pano de fundo,
denunciando a sua descaracterização, só que surge subvertida de sua própria
forma, como estivessem todos esses elementos retorcidos, em posições diferentes
da normal ou tradicional. Nem mesmo as carrancas do São Francisco escaparam de
seu questionamento. À primeira vista enxergamos uma postura radicalizada de
Vauluízio. Mas não é.
Simplesmente
o artista quer participar do que está feito ou sendo feito, e assim retoma os
elementos e os utiliza da forma que lhe convém dentro do seu ponto de vista
estético.
Sou um saudosista quando lembro de objetos trabalhados com muito esmero, carinho até. Feitos por pessoas que levaram anos e anos para aprenderem um ofício e o transmitam às gerações futuras.
Veio
a industrialização e os objetos passaram a ser feitos em série, sem aquele
toque de qualidade e de sentimento humano. Tudo mecanicamente. Agora, para
minha satisfação encontro uma pessoa que também comunga este mesmo sentimento.
Iza Guimarães. Uma verdadeira artesã no sentido mais nobre que esta palavra
possa conter. E não conformada com a destruição inescrupulosa de objetos
antigos feitos em prata ela está à procura deles, até mesmo dos tidos como
imprestáveis, quebrados, que são vendidos nesses locais que compram prata para
revender depois, evidente de fundir a peça imprestável. Antes disso Iza procura
adquiri-los e daí parte para sua recriação.
A
artista é uma das melhores joalherias deste País.Vejamos
o que ela diz sobre esta sua nova fase cujas peças estarão expostas a partir do
dia 14 das 15 às 18 horas no Museu Carlos Costa Pinto, no Corredor da Vitória.
“Os
mestres-ourives portugueses nos deixaram um legado de inestimável valor. Criaram peças do serviço
eclesiástico e do serviço profano, primorosamente trabalhadas em técnicas que
ainda hoje utilizamos. A destruição dessas peças com a intenção de reaproveitamento
do material. O meu gosto por nossas raízes barrocas fizeram com que me
interessasse pelo assunto.
Como
parte de uma pesquisa ainda em elaboração, e paralela a uma linha de trabalho
contemporâneo, construí jóias partindo de fragmentos de peças utilitárias que
consegui salvar da destruição. Respeitei porém, o trabalho dos lusos
responsáveis pela formação os nossos primeiros ourives. Recriei, procurando
emprestar á peça antiga, um caráter de modernidade, respeitando a técnica e o
desenho do meu predecessor.Busquei
sobretudo o contraste entre o antigo e o contemporâneo, evidenciando o trabalho
de uma época que foi tão rica e tão importante."
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