JORNAL A TARDE, SALVADOR, SEGUNDA-FEIRA, 20 DE JUNHO DE 1988
Os imigrantes japoneses estão comemorando 80 anos de Brasil. Aqui eles encontraram um País receptivo, constituíram novas famílias, se misturaram com brasileiros, surgiram os nisseis, a segunda geração e, depois, os sanseis, a terceira geração. Na Bahia, alguns foram instalados no Núcleo JK, que teve um período áureo. Depois as autoridades não lhes deram o apoio necessário, e a própria instabilidade política e econômica do País terminou por influir muito negativamente. O núcleo chegou a contar com 120 famílias e, hoje, está reduzido a pouco mais de duas dezenas. Porém, o que nos interessa mais de perto neste espaço é a contribuição nas artes plásticas. E, para comemorar esta data significativa, foi montada no Museu de Arte de São Paulo MASP uma grande exposição reunindo o que existe de mais representativo da arte produzida pelos imigrantes e seus descendentes, que é conhecida pela escola nipo-brasileira. A exposição não obedeceu a critérios de escolas ou tendências. É um apanhado geral do que existe de melhor.
A
exposição apresenta desde as naturezas-mortas, as paisagens e os retratos,
temas preferidos dos pioneiros e constantes nas primeiras décadas, ao abstracionismo
que marcou os anos 50, até as manifestações contemporâneas. Assim, estão lado a
lado Tomoo Handa, Tsukiya Okayama, Kichzaemon Takahashi, Shigeto Tanaka, Yuji
Tamaki, representantes da primeira geração, com obra iniciada nos anos 20 ou
antes; Flávio Shiró, Yoshiya Takaoka, Jorge Mori, de grande participação no
movimento artístico paulista desde os anos 40, Manabu Mabe, Tomie Ohtake,
Fukushima e outros que despontaram nos anos 50, com as bienais, desenvolvendo
um abstracionismo marcante no panorama das nossas artes, até Lídia Okumura,
Tomoshigue Kusuno, Kazuo Wakabayashi, Yutaka Toyota, Bin Kondo. Megumi Yuasa e
tantos outros que apareceram a partir dos anos 60, robustecendo as expressões
mais variadas do nosso modernismo.
Constam
da exposição obras de cinco artistas já falecidos- Kichizamon Takahashi,
Shigueto Tanaka, Tadashi Kaminagai, Yoshiya Takaoka e Yuji Tamaki- e dezenas de
obras criadas especialmente para esse evento.
As
técnicas expostas são a pintura, a escultura, a cerâmica e o charão. No que
respeita à cerâmica, é importante frisar a categoria artística do objeto, às
vezes com status de obra única e valor escultório inusitado, como aqueles
assinados por Megumi Yuasa. Mesmo as peças utilitárias são elaboradas cuidadosa
e pacientemente, trazendo a marca pessoal do artesão ceramista.
Um conjunto de cerâmicas de Sholo Suzuki |
Os
nipo-brasileiros merecem destaque na produção cerâmica entre nós, como observa
Cecília França Lourenço. A cerâmica brasileira vem de longa tradição indígena,
porém ficou isolada ás regiões interioranas sem estímulo ao desenvolvimento e
difusão. Assim, o resgate da dignidade dessa técnica tem sido encetado pelos
ceramistas nipo-brasileiros, com dificuldades. No oriente há um enorme
aproveitamento das possibilidades cerâmicas, que vem sendo adaptadas, conforme
a introdução de hábitos religiosos, funerários, ritualísticos e mesmo do
cotidiano.
Uma
técnica pouco conhecida entre nós, cultivada quase exclusivamente por artista
da colônia, é o charão, e o charão em corpo cerâmico, consistindo na aplicação
de várias camadas de resina, obtendo efeito brilhante e duradouro, consignando
à peça de cerâmica sofisticado acabamento. O público terá oportunidade de
comparar a arte cerâmica desenvolvida pelos nossos japoneses com aquela
produzida no Japão. É que, paralelamente à exposição de Arte da Colônia
Japonesa no Brasil, será aberta no MASP, mesmo dia e hora, a mostra de cerâmica
vinda daquele país por iniciativa da Fundação Japão.
No
artigo que escreveu para o catálogo, o professor Pietro Maria Bardi, diretor do
MASP e curador da exposição, fala dos muitos eventos ligados à arte japonesa ou
ao Japão, levados a efeito pelo MASP desde o início dos anos 50, quando
realizou mostra de kakemono - pinturas em rolo. Destaca o professor Bardi:
Atualmente
continuamos com nossa política de intercâmbio com o Japão, tão bem iniciada,
assumindo inclusive aspectos singulares pois temos apresentado, além de
pintura, manifestações sobre a cultura japonesa, como o ikebana - arranjo de
flores-, cerimônia do chá, embalagem, piões, papagaios, xilogravura,
arquitetura, caligrafia e várias outras.
Japoneses chegam para trabalhar na lavoura do café |
Na
abertura da exposição foi lançado o livro Vida e Arte os Japoneses no Brasil do qual o catálogo é separata. Todo esse projeto foi patrocinado pelo Banco
América do Sul, instituição financeira que tem história fortemente vinculada à
da colônia japonesa no Brasil. As peças publicitárias foram desenvolvidas
visando o envolvimento em papel estão sendo distribuídos às crianças. O próprio
convite é uma dobradura. E a imagem constante, aparecendo nos cartazes,
adesivos e no convite, com as bandeiras do Brasil e do Japão dividindo o
espaço, significa a integração da colônia à cultura brasileira.
Encerra
o volume um trabalho de Teiiti Suzuki -também artista plástico- rico em dados
estatísticos sobre a imigração japonesa no Brasil. Aborda os fluxos migratórios
em fases que vão de 1908 até os anos 70; as fases que vão de 1908 até os anos
de 70; as características dos imigrantes; a composição por sexo e idade; a
evolução da colônia; as mudanças sócio-econômicas. Assim, complementa as
informações contidas nos estudos anteriores.
Na
apresentação do livro, Fujio Tachibana, presidente do Conselho de Administração
do Banco América do Sul, ressalta:
Julgamos
que essa missão de documentar as lutas, sofrimentos e glórias dos artistas é
ingente e incontestável, e muito nos honra a designação para cumpri-la, pois a
nossa organização mantém fortes laços com a colônia japonesa desde a sua
fundação. Este fato possibilita-nos cobrir uma lacuna existente no registro
histórico da imigração, pois os aspectos econômicos e sociais da integração
nipo-brasileira fá foram amplamente difundidos."
A
exposição tem a participação de 42 artistas com um total de 84 obras. São os
seguintes os artistas: Flávio Shiró, Tihashi Fukushima, Tomoo Handa, Hagime
Higaki, Kenjiro Ikoma, Hiro Kai, Tadashi Kaminagai, Taro Kaneko, Mitsutake
Kogure, Bin Kondo, Sachiko Koshikoku, Tomoshique Kusuno, Manabu Mabe, Yoshiyuki
Miura, Jorge Mori, Shozo Nagata, Iwao Nakajima, Yasuo Nakamura, Akinori
Nakatani, Hisao Ohara, Tomie Ohtake, Tsukiya, Massao Okinaka, Lídia Okumura,
Hisão Sakakibara, Masayuki Sato, Hisãi Shirai, Milton Sogabe, Celso Suetake,
Shoko Suzuki, Teiiti Suzuki, Kichizaemon Takahashi, Isao takai, Yoshiya
Takaoka, Yuji Tamaki, Shigueto Tanaka, Nobuo Toriy, Yutaka Toyota, Masumi
Tsuchimoto, Massanori Uragami, Kazuo Wakabayashi e Megumi Yuasa.
O
LIVRO
Vida
e Arte dos Japoneses no Brasil é obra destinada a enriquecer a bibliografia
sobre a experiência dos imigrantes japoneses. Reúne três estudos. O primeiro,
Senso Estético na Vida dos Imigrantes Japoneses escrito por Tomoo Handa: o
segundo,Nipo-brasileiros da Luta nos Primeiros Anos a Assimilação Local, é de
Cecília França Loureiro e o terceiro A Imigração Japonesa no Brasil, é de
Teiiti Suzuki.
Tomoo
Handa, além de artista plástico e escritor. Estava entre os primeiros
imigrantes que chegaram ao Brasil. Viveu em fazendas e, observador arguto,
registrou as mínimas diferenças entre a vida dos caboclos e da sua própria
gente em sofrido processo de adaptação. Já adulto, morando em São Paulo , foi um dos
fundadores do Seibi-kai (Grupo de Artistas Plásticos de São Paulo), do qual
lavrou a, primeira ata, a 30 de março de 1935. A importância do
Seibi-Kai na arte paulista é comparável á do Grupo Santa Helena. Graças às atas
lavradas por Tomoo Handa ao longo do tempo, é possível conhecer os percursos
dos artistas japoneses em
São Paulo na primeira
metade do século.
Ano
passado, com o apoio da Fundação Japão, e patrocínio do Banco América do Sul,
T.A. Queiroz, editor publicou a volumosa obra O Imigrante Japonês - História de
Sua Vida no Brasil, em que Tomoo Handa
revela-se pesquisador atento, realizando fiel retrato da saga dos imigrantes.
Seu estudo publicado neste Vida e Arte dos Japoneses no Brasil, foi
originalmente apresentado ao simpósio. O Japonês em São Paulo e no Brasil,
realizado em 1968. Nele, Handa trata do senso estético e do gosto artístico
manifestados na vida dos imigrantes japoneses, fruto da experiência direta e da
observação de imigrante, que também era ao longo de 50 anos, como diz na
abertura.
O
choque cultural vivido pelos imigrantes é observado por Handa através do
cotidiano, dos hábitos que vão da arrumação da casa até as festas populares,
passando pela alimentação, pelo vestuário etc. É um ensaio revelador, que
interessa não apenas a colônia, mas a todos os que estudam a formação da
sociedade brasileira.
O
estudo de Cecília França Lourenço, que foi reproduzido no catálogo da
exposição, levanta os movimentos dos artistas da colônia japonesa em São Paulo em integração
com outros movimentos de artistas plásticos ocorridos a partir de 1922. Com
rigor na pesquisa aliado à observação crítica. Cecília França Lourenço discorre
sobre as adaptações dos artistas ao meio e, nestas adaptações, a incorporação
de elementos do meio na sua obra. Tomando o Seibi-Kai por fio condutor, analisa
os grupos e os momentos artísticos são em busca de analogias, e sim observando
as linhas, os pontos de convergência e de divergência. Do estudo resulta
formidável painel da arte paulista e brasileira neste século, trazendo
elementos inéditos, logo que realiza a primeira abordagem em profundidade da
arte dos japoneses no Brasil, arrotando-a entre as manifestações que
contribuíram para o encontro de formas expressivas que hoje caracterizam nossa
arte.
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