JORNAL A TARDE, SALVADOR, SEGUNDA-FEIRA, 21 DE NOVEMBRO DE 1988
RESTAURANDO A VERDADE ACERCA DE DOIS SALÕES
Não
é verdade que 40% dos participantes selecionados no I Salão Baiano de Artes
Plásticas foram convidados de fora da Bahia e esses mesmos foram premiados em
70% dos prêmios. Não é verdade que artistas antes não selecionados foram
convidados após a divulgação oficial do resultado.
O Salão Universitário está no TCA e bem representado com bons trabalhos |
Não
conheço ex-comentarista de futebol que tenha se tornado crítico de arte e, se
isto acontecesse, não seria demitido porque por gostar de futebol não quer
dizer que não possa entender de arte.
Este
é um preconceito abominável. O Salão não é contraditório. Contraditório,
primitivo e reacionário é um manifesto anônimo onde seus autores escondem-se
por trás de um palavreado distorcido e panfletário.
Fico
imaginando como as pessoas são capazes de não aceitar uma crítica séria, feita
com cuidado, com critério, por pessoas que há anos acompanham e estudam os
mecanismos da arte em todo o mundo. Fico imaginando o ego vaidoso que não
aceita discordância. Tenho certeza que essas pessoas, que não conseguem
despir-se dos falsos ou auto-elogios jamais vão realizar um trabalho de arte
apreciável. Realmente selecionamos o que achamos de melhor. Pessoalmente, achei
que uns poucos recusados poderiam estar incluídos no Salão.Mas
fui voto vencido, apenas um, entre cinco jurados, e aceitei tranquilamente a
decisão da maioria, porque tenho espírito democrático.
Quanto
ao tempo de 20 horas para apreciar pouco mais de oitocentas obras, posso dizer
com toda tranqüilidade que muitas das obras recusadas não resistiam a um olhar,
porque na verdade são ruins, e não resistem a qualquer seleção, nem mesmo de um
galerista preocupado em agradar ou ganhar um pouco de dinheiro.
Tanto
o I Salão Baiano de Artes Plásticas quanto o Salão Universitário de Artes
Visuais, este ainda aberto no foyer do Teatro Castro Alves, demonstram a
pujança da arte feita na Bahia. Lá estão o que foi apresentado de melhor para
avaliação das comissões julgadoras. Esta estória de manifesto e protestos já é
muito batida. É reclamação de quem perdeu e não aceita perder. É choro de gente
que não realiza bem o seu trabalho e quer justificar ou tentar justificar o seu
insucesso.
Quanto
aos suportes, mal utilizados, posso assegurar que o jornalista é mais bem
informado do que os anônimos. Aliás, asseguro que o jornalista é bem informado,
por exigência da sua profissão.
Posso
revelar que o jornalista tem acesso a publicações com muito mais rapidez e
freqüência do que pessoas que iniciam a sua carreira e iniciam mal, escondidas
num panfleto.
Também
querer centralizar grosserias contra os membros dos júris, que residem aqui, é
uma atitude primitiva, reacionária e colonial. O panfleto, travestido de manifesto, não suporta
uma simples olhadela. Aliás, está no mesmo nível da arte de seus autores. Ruim.
SANTE
SCALDAFERRI COMEMORA 30 ANOS DE ARTE COM EXPOSIÇÃO EM SÃO PAULO
Durante
um mês o santeiro Scaldaferri estará mostrando seus últimos trabalhos e
especialmente os 30 anos de pesquisa e dedicação à arte popular nordestina. Afirmo
com segurança que entre os artistas de sua geração é o que ousa. Está sempre
inconformado e procurando introduzir na sua obra novos elementos, procurando
novas formas de expressão utilizando a mesma temática.
A
exposição que realiza na capital paulista desde o dia 17 de dezembro, na
Galeria Choice, é muito importante porque é mais uma oportunidade que ele tem
de mostrar o que está fazendo em outro mercado. Com sua linguagem contemporânea
e universal certamente vai conseguir passar com certa tranqüilidade as
mensagens inseridas em sua obra mítica e expressiva.
A
apropriação que faz dos ex-votos é determinante na medida em que a
religiosidade nordestina está presente, mesmo quando o artista consegue
interferir de forma criativa. É hora dos paulistas, cariocas, gaúchos, enfim
dos brasileiros darem uma olhada para dentro deste país onde também se faz uma
arte forte e importante. No catálogo de apresentação desta sua exposição o
critico Carlos Von Schmidt assume também uma postura de defesa da arte feita no
Brasil diz ele: “Enquanto no eixo São Paulo-Rio a maioria dos artistas
preocupa-se com o quintal alheio, especialmente de Nova-Iorque, Kassel, Sante
em Salvador olha em seu entorno com a curiosidade de um menino descobrindo o
mundo.
Se
não soubesse ver, dificilmente saberia encontrar. Á maneira de Picasso, Sante
não procura, acha.
Logo
por trás dessa apropriação existe todo um discurso erudito, pois Sante tem
formação acadêmica, tem informações que poderiam determinar que fizesse uma
arte de vanguarda, no sentido de questionamento do estabelecido.
Mas, ele prefere uma arte criativa fincada nas raízes fortes que o prendem nesta
Bahia mística e sensual.
Vejo
agora a introdução de varas, material muito importante na vida dos nordestinos
que utilizam para fazer suas moradias, esticar peles de animais que matam para
garantir sua sobrevivência, para fazer cercas, vários utensílios domésticos. As
varas surgem funcionando como molduras e também para delimitar espaços numa
mesma tela. Isto é uma demonstração da sua busca constante em utilizar o óbvio,
o que vemos e deixamos passar despercebidos.
se
alguém merece uma manifestação pública de reconhecimento pela sua obra e
dedicação à arte na Bahia seu nome è Sante Scaldaferri.
Um
batalhador incansável, uma pessoa muitas vezes incompreendida e até
recentemente injustiçada pela vaidade ou talvez pela insensibilidade do
administrador que chega e não sabe ver os indivíduos Omo pessoas, e sim como
números e serem preenchidos ou descartados. Pode até que seja a sua cara de
profeta nordestino, de fala mansa, pausada, e barba quase toda branca a razão
de despertar alguma inquietação entre os não crentes.
Porém,
Sante na sua pregação levando como estandarte os seus ex-votos que acredito é a
própria interpretação da sua imagem, retratada em madeira ou barro. Esta sua
capacidade de juntar sua formação erudita com a arte popular nos dá uma lição
de vida e de grande simplicidade plástica. Ela não reflete apenas o drama da
minha gente do Nordeste, mas também uma mistura de ingenuidade e sabedoria.
Coisas que a princípio me parecem distantes ou contrastantes, mas que convivem
com a sua arte, possibilitando interpretações as mais variadas.
É
um profissional competente e cuidadoso.Minucioso,
até. E agora para minha alegria ele surge com um catálogo que tem a marca dessas qualidades. Acompanhei de perto o seu
empenho para que esta data tivesse um elemento que ele pudesse reunir um pouco
da sua história, um pouco da sua trajetória de muitas paradas, semelhantes a
uma verdadeira via crucis nordestina, de promessas e mais promessas, de ilusões
desfeitas, e por que não dizer até de momentos de desilusões. Graças à
Petrobras e à Bahiatursa ai está o catálogo que tem idealização gráfica e fotografias
e ainda tradução para o inglês de Michael Lee Wanner, produção gráfica Edson
Calmon, artefinal de Antônio Lobo e tradução para o italiano de Giovani
Narcisi. Portanto, é um catálogo em três línguas que certamente servirá em
muito para melhor compreensão no exterior da obra de Sante Scaldaferri
.
CARLOS RODRIGUES SELECIONADO
Uma das telas selecionadas para o Salão pernambucano |
Em 1987, Carlos Rodrigues foi o único pintor baiano a participar do Salão, com a obra Pausa para Descansar, em meio a um total de 109 artistas de todos os cantos do país. Carlos Rodrigues pinta desde 1973 e já participou , entre outros eventos, da I Mostra de Artistas Publicitários e de uma coletiva no Museu de Arte da Bahia; Salão de Arte Contemporânea de Pernambuco, edição 1887, coletiva no foyer do Teatro Castro Alves - com o Grupo Interferência, pintou diversos murais nas rus de Salvador e foi, recentemente, selecionado para o I Salão Baiano de Artes Plásticas, tendo seu quadro recebido o Prêmio Referência Especial.
A pintura de Carlos Rodrigues é caracterizada por exuberante criatividade e a utilização de intenso colorido. Ele se confessa um eterno pesquisador em busca sempre do mais criativo e pinta sem cessar, pois acredita na máxima de Picasso, que dizia ser o seu trabalho " 90% transpiração e 10% inspiração".
Carlos Rodrigues trabalha, em Salvador nos eu ateliê, localizado na rua Ceará, no bairro da Pituba, onde atualmente, produz uma série de trabalhos com vistas à exposição individual que realizará no próximo ano, na Galeria O Cavalete.
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