JORNAL A TARDE , SALVADOR, SÁBADO, 27 DE AGOSTO DE 1977
Seria alguém capaz de pintar o silêncio, isto é transferir para a tela toda a atmosfera que envolve um lugar silencioso?Se alguém me fizesse esta pergunta eu acertaria: Lygia Milton. Ela consegue com suas linhas retas e com o horizonte longínquo traduzir todo o silêncio que poderíamos encontrar numa rua, numa casa ou numa sala. Uma pintura que deixa o observador tranqüilo e descansado. Até suas árvores desfolhadas não demonstram ou traduzem a destruição, mas a solidão tão necessária aos intimistas, a solidão tão buscada hoje em dia quando as individualidades são mutiladas e invadidas. Lygia no entanto, não deixa transparecer com todos que conversa esta solidão, que parte da sua inconsciência. Não quero dizer com isto que seu trabalho seja concebido na base da improvisação, ao contrário, é uma obra pictórica cuidadosa, feita com requinte e vontade de acertar.
Como
estamos vivendo este fim de século com uma invasão do oriental, poderíamos
dizer que sua pintura carrega algo de metafísico que transpõe a realidade. Até
mesmo os casarios e as desgastadas marinhas ganham nova vida nas telas de Lygia
que agora parte para colocar figura humana. O que chamo a atenção é que as
figuras escolhidas por Lygia se encaixam perfeitamente àquela ambiência do
silêncio.
São
mulheres com rostos indefinidos, vestidos com longas roupas a olhar o horizonte
que desponta de uma janela ou mesmo que se descortina numa praia. Imóveis, tudo
imóvel. As paredes retilíneas com as cores contrastantes e sombreamento.
Não
posso dizer que as árvores desfolhadas estejam secas na expressão da palavra.
Elas parecem traduzir vida, só que uma vida solitária. Lygia
Milton tem um extenso curriculum com várias exposições coletivas e individuais.
GUEL
E SUAS MARINHAS
Estão
expostos na Galeria Panorama duas dezenas de telas do artista Guel, que
continua andando em busca de um amadurecimento artístico.
Não
podemos dizer que são trabalhos prontos,
acabados e que encontrou por fim a sua personalidade artística. Não, ele
próprio faz questão de dizer que esta mostra poderia ser intitulada estudos, o
que traduz exatamente o que pensei quando estive visitando-o em seu atelier no
Rio Vermelho.
O
que existe em Guel falta na maioria dos artistas jovens baianos.Uma
grande vontade de criar. Trabalha com horários definidos. Evidente que não como
um executivo porque o ato de criar não pode ficar preso a nada. É um ato livre
e espontâneo. Porém, Guel fica horas e horas trabalhando e examinando os seus
quadros. Este artista tem muitos caminhos a seguir em busca de um estilo e
conseguirá dentro em breve porque é disciplinado. Isto é uma das coisas mais
importantes para quem está começando, buscando. Não quero dizer que os
trabalhos ora apresentados tenham pouco valor. Pelo contrário, gostei dos
trabalhos mostrados por Guel que sai do spray e volta-se para o pincel com toda força de sua juventude. As
marinhas trazem algo de novo, porque ele não está simplesmente preocupado em
transportar a paisagem. Mas em levar á tela uma marinha carregada de abstrações
e as figuras funcionam como um elemento a mais enriquecendo o trabalho.
Outra
coisa que quero falar de Guel é a sua humildade em ouvir as críticas, as
ponderações daqueles que vem acompanhando os seus passos. São passos firmes,
porque tem consciência do que deseja fazer.
As
cores utilizadas também me chamaram atenção porque tem uma certa homogeneidade.
Os vinte quadros devem ser vistos numa seqüência porque assim o espectador terá
uma idéia do desenvolvimento de seu trabalho.
Estamos
acostumados a ver barcos e marinhas.Os
amadores quase sempre elegem os barcos e as marinhas para sujar as telas.
Contribuem para o desgaste dessas temáticas. Como fazem com o casario os
pintores de rua que expõem no Terreiro de Jesus. Verdadeiros enganadores que
vivem ás custas de turistas menos avisados. O plano de Guel é outro. Esta acima
desses amadores e enganadores. É um profissional.
Um
artista que pensa e realiza dentro de suas naturais limitações, que a cada dia
vão sendo diminuídas. A medida que trabalha com as cores e novos instrumentos
de trabalho ele está desenvolvendo suas
habilidades. Um desenvolvimento de habilidades consciente em busca de
uma realização íntima, focada em sua sensibilidade de artista.
Espero
ver ainda este ano outra exposição de Guel para ter uma melhor visão do seu
crescimento. Já podemos falar em Guel artista. Em Guel que sai do spray e vem
com o pincel em punho. Num
artista que vem crescendo em sua maneira de criar e ver as coisas que estão acontecendo
ao seu redor.
NINNA
BARR NA PETITE GALERIE
A
vivência com a natureza serviu de inspiração constante para a criação de Ninna
Barr que a partir do próximo dia 30 estará expondo na Petite Galerie, no Rio de
Janeiro. Estudou na Escole des Beauz Arts, em Géneve onde ganhou uma medalha de
ouro e com várias exposições individuais já realizadas esta artista transpõe
hoje para seu vocabulário gráfico-eletrônico materiais que encontra como
sementes, gravetos, folhas e flores acrescentando outros materiais originários
da industrialização e no final surgem trabalhos de qualidade. Uma junção
perfeita de materiais originários da natureza e da industrialização como a
demonstrar a necessidade de um equilíbrio entre a natureza, que deve ser
conservada, e o desenvolvimento que deve prosseguir. Estamos portanto diante de
um artista criativa, de uma artista que conhece os materiais e os utiliza com
maestria.
Suas
obras parecem que são códigos a serem decifrados por todos aqueles que tem
oportunidade de vê-las.O
critico Walmir Ayala que faz a sua apresentação nesta exposição diz que sua
obra pode ser entendida como construtivismo lírico, é o que faz esta
pesquisadora paciente e informada criando uma linguagem que pode ser discutida,
mas nitidamente pessoal e objetiva. A síntese de todo o momento, ao qual recusa
a insistente agressividade, assoma na limpeza espiritual daqueles signos cheios
de interferências comunicantes que hoje se alteiam como árvores severas, ou
monumentos ascendentes á sobrevivência do espírito e da essência natural da
condição humana num tempo bárbaro.
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