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terça-feira, 14 de maio de 2013

ETSEDRON PROJETO IV


JORNAL A TARDE, SALVADOR,  SÁBADO, 1º DE OUTUBRO DE 1977

 Representando a Bahia, volta à  São Paulo para participar da XIV Bienal Internacional, o pessoal do Etsedron, que faz um trabalho integrado. Vários meses o grupo ficou sediado em Porto Seguro, primeiro ponto tocado pelos portugueses e que ainda hoje conserva pequena parcela do seu primitivismo e a presença dos índios faz renascer a cada dia a criatividade.
Assim o pessoal do Etsedron deixa de lado o frio cavalete, o estúdio com seus equipamentos sofisticados, as tintas industrializadas e parte para um trabalho plástico ambiental com uma integração de outros setores como a música, dança, teatro e fotografia. Também aqui eles com os ajudantes, hoje tão presentes nas residências e estúdios dos artistas abastados, mas com uma grande diferença, é que trabalham com elementos da comunidade e não tem qualquer vinculação de empregado-patrão, Crianças, adolescentes e adultos, que trabalham com o pessoal de Etsedron, não cruzarão os braços, porque eles estão sendo treinados e conscientizados para continuarem trabalhando com os instrumentos e materiais que lhes são oferecidos pela natureza.
Outra coisa importante do projeto do Etsedron é que o grupo volta-se não apenas para materiais oferecidos pela natureza como também é um movimento de arte com determinadas características de brasilidade. São oito anos de trabalho, e o grupo já marcou sua presença na arte brasileira.
DEPOIMENTO
Quero deixar que o próprio Edison Benício da Luz fale, por seus colegas sobre o trabalho do Etsedron:

ARTE, TERRA, HOMEM...

Edison da Luz trabalhando com cipós 
"Fazer arte não significa manipular um suporte com habilidade.A arte para ser sentida no seu comportamento variado, tem que se identificar diretamente com a terra e o homem. É o grito primal, e a conquista a força de querer, em função de. A criatividade é uma dependência do vivencial, da observação, dos sentidos, sendo o artista também influenciado pelos antecedentes genéticos. Senti que para criar é preciso vivenciar e indagar, tanto a mim como aos outros. Não adianta o artista tentar captar o mundo com as mãos, sentado no mesmo lugar, o estúdio. A arte como era feita ontem, sempre viveu na subserviência de valores supérfluos. É preciso criar magia da criatividade. Passos largos em busca do nada rotulado que o artista de hoje, como o de ontem, que tinha seus modelos, vá buscar. A busca é quase infinita. Um pé aqui outro mais adiante, as mãos paradas. De vê em quando segura algo que pesa, arranca e torna a plantar. Volta do caminho e as coisas começam a passar em alta velocidade."
"Foi no fim dos anos 60. Eu estava preocupado em definir a minha linha de trabalho que caracterizasse a minha personalidade e onde eu não sentisse que estava fazendo uma adaptação do que recebia de fora.
Como tive uma formação acadêmica, procurei me isolar de tudo aquilo que aprendi e me identificar com o meu meio. A minha luta era me identificar dentro da expressão, ligada a tudo que sinto e vivo. Naquele tempo estavam no auge as teorias de MacLuhan de comunicação, o problema do Vietnã era explorados nas artes plásticas, o homem na lua,  todos esses tipos de massificações. Nos próprios salões, o que estivesse dizendo verdades nacionais, era revelado ao último plano. Quem não explorasse o Vietnã, a lua, Biafra, o racismo, estaria por fora, quando tínhamos tudo e não havia diferença entre o Nordeste e Biafra, mas era esta que estava no contexto."
"Sentia que sob meus pés tinha um valor muito mais autêntico que aquele negócio totalmente importado, que me chocava muito. Comecei a reunir artistas com as mesmas ansiedades e queria uma sigla que não cheirasse a arte agora, espaço, arte no tempo queria me entranhar nas raízes e achei que Etsedron, o avesso do Nordeste, dizia isto. Como artista pobre, porque já passei por muita coisa não preciso de muito prá reconhecer os males da pobreza. Se você pegar uma baronesa e jogá-la no Nordeste, ela vai sair de lá como encontrou, ou no mínimo vai lhe dar outra visão do Nordeste, talvez até romântica. Achei que como artista cabia  Amim dizer que era brasileiro e subdesenvolvido, sem pelejo, sem falsas cores para ocultar o que existe.
Sé daí podia partir uma arte para mim verdadeira. Não podia nem sonhar com uma expressão que não tivesse sob os meus pés, que não conhecesse bem por dentro e por fora, não entendesse do que se tratava, e é disso aí que entendo. Quero me identificar como artista latino-americano dentro de muna condições.
Sabia que poucas pessoas estavam fazendo uma coisa assim e sabia que iria transmitir o mesmo entusiasmo que me animava porque ia usar uma linguagem que era a de todo mundo e não só de uma pequena burguesia. É como você escolher entre levar uma criança a um circo ou pra ver Hamlet.
De todos os resultados o que mais me surpreendeu foi à receptividade do povo, analfabeto rural. Em qualquer das cidadezinhas onde passamos, olham as figuras e se identificavam com elas. Era como se vissem o ambiente deles pela primeira vez, com outra visão. Vinham ficar conosco conversando, dando palpites, ás vezes nos levando presentes. Ninguém pedia que se explicasse o que eram, significava que já sabiam. Não tinha que fazer um trabalho e criar em cima uma filosofia pra convencer, é o trabalho quem fala, não faço arte endereçada a este tipo de público que precisa ser convencido.
No início eu levava o Etsedron nas costas, agora sou eu que vou atrás dele. Abriu-se uma área muito grande, exigindo conhecimentos variados. Hoje eu o vejo como um espelho. A responsabilidade que era só minha tornou-se de todos aqueles que trabalharam nele, e dos que estavam acompanhando o processo e se sentiram tocados. Como disse o espanhol Verdes, artista premiado na última Bienal: isto aqui é como um soco no artista europeu. Alguém que o veja e sinta, sabe que a coisa tem sentido, se sente envolvido e começa a participar. O reconhecimento maior tivemos aqui em São Paulo, nas bienais, quando as pessoas datadas de uma capacidade maior de ver as coisas vinham e nos diziam de sua emoção.
Quando vimos na revista mexicana Artes Visuais o nosso trabalho discutido por críticos como Aracy Amaral, Juan Acha e Maria Luísa Torrens, dissecado e apontado como um possível caminho para a arte latino-americana.

         EX-VOTOS E BEATOS DE SANTE SCALDAFERRI

O pintor Sante Scaldaferri está expondo no Solar do Unhão desde ontem em comemoração aos 20 anos dedicados á arte. Uma pintura vinculada às raízes da cultura popular onde o artista explora toda a dramaticidade e a religiosidade do povo nordestino. Uma pintura forte como expressa a própria temática carregada de um misticismo a toda prova.
A própria figura do Sante lembra um beato de fala mansa e de fácil conversa.As caras que preenchem todos os espaços de suas telas são repetitivas, mas não cansam. São figuras representadas pelos nordestinos quando necessitam pagar uma promessa e fazem seus bonecos de cerâmica ou madeira colocando escondidos nos cruzeiros, quase sempre afastados dos centros das vilas e cidades do interior. Os cruzeiros estão localizados nos arredores, em pequenos montes como verdadeiros vigilantes das vidas e destinos dessas localidades. Sante sabe assim captar todo este misticismo e transportá-lo para a tela e por isto vem marcando seu lugar no panorama pictórico da Bahia. O desenho não é apurado e não precisava ser porque ele busca exatamente traduzir os conhecimentos
Um detalhe curioso é que todas as suas figuras tem os olhos grandes e vigilantes como a demonstrar que embora enriquecidos estão vivos e a qualquer momento poderão se agrupar, como já aconteceu com milhares que seguiram Antônio Conselheiro e outros fanáticos, que de vez em quando aparecem. A pintura de Sante tem assim uma importância histórica muito grande, porque ele retrata esta gente que tende a desaparecer á medida que o progresso vai chegando com as rodovias asfaltadas, com a luz elétrica, com os receptores de televisão instalados nas pracinhas, e, especialmente, com a invasão de turistas que só lhe trazem malefícios. As cabeças são grandes, como também os nazistas e os lábios grossos e curtidos pelo sol. Tenho diante de mim uma de suas telas datada de 1976, Casa do Romeiro onde aparece um romeiro vestido a rigor, uma mulher de longos cabelos e muitas cabeças de beatos e um boi á frente. Uma verdadeira família reunida dentro da visão pictórica deste artista de linha e contornos fortes, que vive cantando o misticismo da

           CLYDE MORGAN: O DANÇARINO PINTOR

Uma força negra e bruta move as pernas e os braços ágeis de Clyde Morgan, este dançarino americano de sangue negro nas veias. Um dançarino excepcional conhecido e requisitado a toda hora. Mas de repente ele resolveu mostrar aos baianos que é um artista mais completo do que conhecíamos. Um artista que utiliza da tela para interpretar o seu sentimento e a sua negritude. Suas tela não são acabadas, bem feitinhas e até as molduras deixam transparecer um falso desleixo, mas que na realidade reflete a força incontida de um  artista forte e despreocupado em acabamentos. O que deseja é expressar os seus sentimentos e gravar através dos pincéis os momentos vividos. Clyde acostumado a dançar em cima de palcos dançou simplesmente em cima das brancas telas, contrastando com o preto de sua pele curtida e aveludada. Um negro que conhece a força de seus antepassados acostumados a dançar sem parar nas festas, nas obrigações e nas celebrações das seitas e cultos.
Fiquei realmente surpreso quando visitei a sua exposição e lá encontrei trabalhos de qualidade, feitos entre 1966 a 1972, e, que só agora, nos brinda com uma mostra no Museu de Arte Moderna. Aliás um lugar ideal para expor os seus trabalhos, um local (Solar do Unhão) onde há alguns anos atrás muitos de seus antepassados foram explorados, e hoje, Clyde expõe triunfante.
De todos os trabalhos expostos o que mais me chamou atenção por sua plasticidade foi Os Flautistas e o Auto Retrato. Não gostei de uma tela Titia Jemima, pela temática que apresenta uma negra com um detonador de dinamite. A solução não agrada. As demais poderão figurar nas mais seletas coleções.


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