JORNAL A TARDE, SALVADOR, SÁBADO, 24 DE
DEZEMBRO DE 1977
Tempo
de festas e congratulações. Tempo de fazer um balanço de tudo que fizemos no
velho 77 que está indo.Como
acontece todos os anos fiz uma ligeira retrospectiva daquilo que registrei na
coluna de Artes Visuais. As críticas que fiz tiveram a melhor das intenções. Os
que foram atingidos não devem ficar zangados. Tudo é feito com consciência e
responsabilidade: Umas mais fortes e outras mais brandas. São lembranças para
elaboração de um trabalho melhor. Tivemos boas exposições e aqui são
relembradas. Tivemos a inauguração de duas boas galerias: a Grossman e a
Teresa, e muitos novos artista despontam. Portanto, um balanço positivo. Mas
perdemos também um grande artista, o Jaime Hora, de saudosa memória e sobre o
qual pretendo dedicar uma coluna tão logo consiga reunir o material desejado.
Vamos agora aguardar 1978 e novas exposições.
DE
STIJL- A palavra está morta.
Vamos dar forma ao mundo, dizia um dos manifestos do grupo De Stijl, um dos movimentos que mais marcou as grandes rupturas nas artes. Uma mostra reunindo 36 pranchas foi realizada no Museu de Arte Moderna da Bahia sobre este movimento cuja essência é a retratação dos fatos sociais através da arte. Surgiu na Holanda em 1917 sob a inspiração de Piet Mondriaan, Van Doesburg, Hans Arp e outros que vieram depois aglutinando forças.
O
movimento De Stijl se restringiu apenas ás artes plásticas voltando-se
igualmente para nossos desenvolvimentos em Literatura, dança, música, cinema,
artes gráficas, arquitetura e para as mudanças sociais de forma geral. O
movimento teve grandes repercussões no exterior e seu apogeu deu-se entre 1917 a 1931.
Seus
manifestos são importantes não apenas do ponto de vista didático, mas
especialmente porque permanecem tão atualizados quanto na época em que foram
divulgados. Demonstram que o artista deve ser acima de tudo um inconformado, um
homem que deve procurar romper as coisas estabelecidas em busca de novas formas
de expressão. Infelizmente vemos artistas consagrados fazendo coisas repetidas
durante décadas, portanto, contrárias às mudanças e satisfeitos com as coisas
que criam.
JOSILTON-
O jovem artista e grande escultor Josilton Ton realizou uma importante
exposição na Minigaleria ACBEU. Foram expostos 16 entalhes e quatro esculturas
demonstrando um amadurecimento precoce de um jovem ainda pouco conhecido no
cenário das artes na Bahia. Mas sem dúvida é uma das grandes esperanças de
escultura na Bahia tal a sua força criadora.
Os
desenhos são devidamente estudados e elaborados com critérios que o credenciam
a expor em qualquer galeria no sul do País. Os traços firmes demonstram
movimentos extraordinários e a camada de tinta que joga sobre as figuras
abstratas com tendências geometrizantes dão uma idéia de sua capacidade.
QUATROCENTOS
ANOS DE RUBENS- Transcorre este ano o quarto centenário de Rubens (1577-1977) o
grande pintor flamengo do período barroco inúmeras manifestações ocorreram na
Europa. Sua obra é universal e é por esta razão que dediquei grande parte de
uma coluna falando sobre sua arte e sua vida. Isto porque sua arte não tem
limitação de tempo e espaço porque considerava sua pátria o mundo. Produziu
mais de 2.500 pinturas, dedicando-se especialmente a temas sacros e ás
mulheres, Isabele e depois Helena, sua esposas, foram as modelos preferidas, as
quais representou com grande graça e beleza. Rubens era um homem afortunado e
tranqüilo, que deixou uma obra digna de orgulho de seus descendentes diretos e
mesmo das pessoas que viveram e vivem nas cidades onde ele viveu e trabalhou.Na
época falei que infelizmente aqui nada foi feito, que lembrasse esta importante
data na história das artes.
Nem
mesmo nossos órgãos culturais programaram qualquer conferência.Apenas
no Colégio Manoel Devoto houve uma pequena manifestação.
ADELSON-
O ano fechou com uma chave de ouro com a mostra de 30 miniquadros de Adelson do
Prado, na Galeria Grossman. Uma exposição que demonstra a evolução de Adelson,
antes um primitivo, hoje, um figurativo carregado de expressionismo. Ele é um
dos mais fecundos artistas baianos, e não entendo porque determinados setores
ainda o fazem restrições. Os passos errados dados por Adelson no início de sua
carreira já foram superados. Ele tem muita coisa boa a dar e deve ser
respeitado porque sua obra pictórica é uma das mais importantes da atualidade
na Bahia.
CARL
BRUSSEL- O ano que finda foi realmente o mais importante na carreira de Carl
Brussel, que teve a coragem de romper com uma linha já defendida e aceita por
colecionadores, e partiu para um trabalho melhor construído e livre. Apresentei
Brussel em sua exposição realizada no mês de agosto na Galeria O Cavalete.Dizia
que Brussel não era um pintor de domingo, mas um homem que tem a arte como
profissão e que leva tudo a sério. Trabalha com critérios e tem consciência do
seu papel. Partiu Brussel para novas composições formais com tendências
cubistas que possibilitou o enriquecimento de tudo que produz agora. As cores
terrosas, os cinzas dão uma certa seriedade e qualidade aos trabalhos de
Brussel, que não conformado com o nosso mercado partiu também para mostrar sua
arte em São Paulo.
Quero
também falar da força de vontade de Brusel, que embora realizado em outras
atividades tem a força de um jovem e assim continua buscando uma realização
maior, que aos poucos vem conseguindo com suas pinceladas precisas.
ÂNGELO
DE AQUINO- A exposição de Ângelo de Aquino, na Pousada do Carmo foi uma das
mais representativas.Uma
mostra onde as cores azuis em várias tonalidades eram destaque, uma arte de
vanguarda, um desabafo de um artista que insiste em viver exclusivamente da
arte que faz. Muitos de seus quadros foram vendidos a colecionadores baianos
possibilitando o enriquecimento do acervo de arte no Estado.Aquino
com suas manchas e traços livres é um artista respeitado no sul do País e seus
trabalhos integram importantes coleções. É um defensor intransigente do
profissional (artista) contra as investidas por vezes inconsequentes de outras
pessoas que gravitam ao redor das artes em nosso País.
Em
seu depoimento disse na época Aquino: As galerias de arte, hoje, não querem
mais investir no artista, principalmente se ele for jovem.
Não
querem correr nenhum risco mais, só querem especular. Não se interessam por
nada o que está acontecendo, mas apenas pelo artista consagrado ou morto.Esta
afirmação é gravíssima e corresponde em parte a nossa realidade.O
que chamo a atenção dos proprietários de galerias é a necessidade de uma
seleção dos artistas que expõem em suas casas, evitando que pessoas sem
qualquer dote venham a ser artista, porque depois é muito difícil retirá-los do
anel onde gravitam bons e péssimos artistas.
DESTERRO,
ABRE AS PORTAS- O velho convento do Desterro abriu suas portas numa grande e
importante exposição encerrando as comemorações alusivas ao seu tricentenário.
Foram mostrados obras de seu acervo, principalmente peças do século XVIII,
entre imagens, telas de autores desconhecidos, vestuários e pratarias, além de
abrir á visitação pública sua capela e o parlatório, onde as irmãs clarissas
fundadora do convento recebiam as visitas de parentes ou assinavam escrituras.
Fundado
em 8 de maio de 1677 o Convento de Santa Clara do Desterro tem um rico acervo.
SALÃO
UIVERSITÁRIO- A realização do Salão Universitário em comemoração ao Centenário
da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia sob a coordenação do
professor Ivo Vellame foi um dos acontecimentos de destaque no setor das artes
plásticas em 1977, na Bahia. Um Salão que reuniu trabalhos de bom nível e a
premiação foi mais do que justa. Não porque fiz parte do júri, mas pelo caráter
nacional que os organizadores procuraram dar ao Salão, convidando pessoas de
outros estados para compor o júri. O Salão foi vitorioso e espero que a
Universidade Federal da Bahia prossiga realizando este evento que serve como
incentivo aos estudantes baianos Já que outros salões não são realizados.
LÍGIA
MILTON- A exposição de Lígia Milton na galeria do Hotel Meridien foi uma das
mais significativas realizadas no ano que finda. A alegria contagiante de Lígia
contrasta com ambiência de solidão e calmaria que revelam suas telas.
Perguntava na ocasião se seria possível alguém pintar o silêncio isto é,
transferir para a tela toda a atmosfera que envolve um lugar silencioso. Claro
que a resposta está nas telas de Lígia Milton. Uma pintura limpa, pensada e
acima de tudo calcada em composições formais e pictóricas da mais alta
qualidade. Até os temas desgastados ganham beleza com as pinceladas seguras de
Lígia. As figuras concebidas estão perfeitamente integradas com as paisagens
solitárias que cria.
AUGUSTO
RODRIGUES- Outra grande mostra foi a do mestre Augusto Rodrigues, que inaugurou
a Galeria Teresa. Uma exposição de nível onde trabalhos a óleo e desenhos de
várias fases foram expostos. O traço fino sugerindo formas, os volumes, e,
principalmente á captação da alma das coisas, faz deste artista um lírico. Os
desenhos leves e belos lembram aqueles tempos de calmaria quando ouvíamos nas
cidades os cantos dos pássaros. Augusto, por ser um boêmio, é acima de tudo uma
pessoa romântica que curte apaixonadamente as coisas simples e belas, as quais
transporta para seus trabalhos. Ele veio a exposição quando autografou centenas
de livros A História de Abelardo e Heloísa onde estão inseridas várias
ilustrações de sua autoria.
SANTE- A retrospectiva de Sante Scaldaferri aconteceu no Solar do Unhão, no mês de outubro. Vinte anos dedicados a uma arte calcada no misticismo do Nordeste. Uma pintura vinculada com as raízes de nossa gente. Uma pintura forte de uma figura que se identifica perfeitamente com os beatos que lança em suas telas. Dizia que a própria figura de Sante lembra um beato de fala mansa e de fácil conversa.
GRAVURA
NA BAHIA- Organizada por Juarez Paraíso a mostra Gravura na Bahia foi sem
dúvida o que de mais importante foi realizada no setor. Gravadores baianos,
alguns já falecidos tiveram expostos seus trabalhos de litogravuras, xilos,
água-forte, águas-tinta e serigrafias: Mário Cravo, Hansen Bahia, Henrique
Oswaldo, Emanoel Araújo, Calazans Neto, Hélio Oliveira, Sônia Castro, Juarez
Paraíso, Leonardo Alencar, Edson Luiz, Gilberto Oliveira, Gley Melo, Edízio
Coelho, Adam Firnekaes, Hilda Oliveira, Terezinha Dumet, Vera Lima, Eduardo
Reis, Denise Pitágoras, Sônia Rangel, Maria Adair, Renato Viana, Roberto Wilson
e Renato da Silveira.
O
catálogo foi elaborado e apresentado por Juarez, que fez um ligeiro retrospecto
dos caminhos da gravura na Bahia lembrando que a xilogravura teve uma grande
aceitação entre nossos artistas, principalmente na década de 60, o que veio
abrir horizontes no mercado de arte.
Isto
porque as cópias podiam ser reproduzidas as cópias podiam ser reproduzidas e
vendidas a preços accessíveis. Destacou o papel de Hansen que foi o primeiro a
viver na Bahia de xilogravura ensinando gravura no Instituto Cultural
Brasil-Alemanha e Escola de Belas Artes.
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