JORNAL A TARDE, SALVADOR, SÁBADO 18
DE SETEMBRO DE 1976
Arte
primitiva, primitivista, ingênua (naif), de comportamento arcaico, da realidade
popular ou outro rótulo que os amantes das artes plásticas o chamem representa
na verdade uma arte instintiva que explode inesperadamente dos sentimentos de
gente muitas vezes totalmente isolada do tráfego e dos inferninhos das
metrópoles. Já também a chamaram de arte insita a qual passa a ser consumida
pelos habitantes das metrópoles e mesmo reconhecida pelos museus como uma
manifestação popular bem próxima do folclore. Acontece que para mim esta arte
tem uma importância primordial e muitas vezes é muito mais autêntica do que a
arte feita por pessoas oriundas de bancos das escolas de Belas Artes. Acredito
que seja mais séria e a criatividade é inata e impermeável às influências dos
modismos que tanto estamos acostumados a ver enchendo as salas de galerias. É
dentro deste pensamento que quero apresentar um jovem pintor de apenas vinte e
cinco anos de idade e um novato profissional. Um balconista de um pequeno
armazém de cereais na localidade de
Coqueiros às margens do rio Paraguaçu no Recôncavo baiano que foi
descoberto e, hoje tem seu atelier na Galeria Rag, na Boca do Rio ,onde continua
fazendo o seu trabalho sem concessões ou preocupações de mercado. Este jovem
artista deve ser visto como uma das principais expressões desta arte cheia de
vitalidade e de importância ainda carecendo de ser mais ainda reconhecida. Os
seus gestos, as suas frases são tão simples como as pinceladas que Calixto
Sales dá nas telas brancas que lhe chegam às mãos. Quando conversamos com ele
notamos toda uma ingenuidade de um artista que apenas está interessado em
pintar e que se mantém longe das concorrências ou atitudes mesquinhas.
As bandeirolas e o casario colonial de Calixto |
É um autodidata, como o são seus colegas primitivos.Desde
criança que desenha e pinta quadros. Iniciou na escola primária pintando
figuras históricas. Mas a necessidade de trabalho para sobreviver resultou no
abandono dos bancos escolares que mal iniciara. Foi trabalhar como balconista
num pequeno armazém de cereais que no interior chamamos de bodega e nos
intervalos entre um freguês e outro pintava. Assim continuou sua trajetória que
ainda tem muitos espaços a percorrer. É no percurso desta trajetória que os
velhos casarões, o leito calmo do Paraguaçu e o verde tropical a pareceu com
muita força através de cores fortes.
O
desenho não chega a ser perfeito, mas apresenta uma qualidade superior a muitos
primitivos especialmente nos casarões coloniais onde os traços retos mostram a
firmeza do seu punho.As
cenas de ruas e da zona rural são retratadas em sua visão primitiva e ingênua.
As prostitutas misturadas com marinheiros em ruas estreitas nas cidadezinhas do
interior da Bahia, as baianas do acarajé, os vendedores ambulantes, enfim
figuras que estão aos poucos desaparecendo não apenas de Salvador como também
das cidadezinhas onde os armazéns e pequenos supermercados concorrem com as
feiras livres e vendedores ambulantes.
Além
das belezas dos casarões com seus azulejos multicoloridos Calixto Sales
transporta para a tela numa linguagem simples o verde e amarelo, o vermelho e o
azul intenso do tropical conservando desta forma toda uma ambientação e
vivência de uma localidade - Coqueiros - onde a civilização ainda não chegou a
perturbar a vida de seus poucos habitantes.
Calixto
Sales fala pouco porque a sua especialidade é o pincel que flui instintivamente
nas telas de onde surgem belas composições. Os espaços são bem ocupados por
casas, figuras humanas e árvores devidamente localizadas em pontos estratégicos
dando um equilíbrio de forma e cor. Acredito que este artista tem tanta
importância quanto o famoso engraxate João Alves, já falecido, mas reconhecido
como um dos principais pintores primitivos do país. Só que Calixto é jovem e
continua a produzir,
Devido
à importância do seu trabalho não podemos admitir que este jovem artista fique
restrito aos conhecimento dos baianos. É preciso apresentar os seus trabalhos
em outros centros, onde o mercado de arte está mais desenvolvido e de onde
surge o reconhecimento em termos nacionais.
Tenho
escrito que ultimamente pouca coisa nova em termos de arte visuais tem surgido
na Bahia. Os medalhões continuam fazendo as mesmas coisas que faziam há 30 ou
40 anos atrás e por isto é gratificante quando surge o Calixto Sales, um
intimista, um primitivo, ingênuo e criativo.
A
BAHIA DE CANDOCA NA GALERIA CAÑIZARES
Conhecida
de todos aqueles que acompanham as artes visuais na Bahia, a artista Candoca
está expondo desde ontem, na Galeria Cañizares. Suas telas falam da Bahia
antiga com as cenas onde os tipos populares aparecem. É uma pintura sóbria e de
técnica apurada. As cores são utilizadas dentro de uma composição perfeita e
singela.
A
ternura e o misticismo das igrejas e casarões da velha Bahia, que hoje desaparecem,
devido ao desenfreado apetite das imobiliárias, são jogados com maestria. Como
afirma meu amigo Ivo Vellame, Diretor da Escola de Belas Artes da UFBA, "mostrar
a arte de Candoca é mostrar a Bahia no que nela há de mais significativo e
expressivo, porque este anjo de artista plástica está incondicionalmente ligado às raízes eternas e soberbas da Boa Terra." Vou mais longe, acredito que Candoca
é uma das poucas artistas da Bahia, que consegue levar para a tela o perfume e
o misticismo de nossas ruas e a malandragem do baiano, latino por natureza e
comportamento, uma página da Bahia com seus casarões, suas ruas tortas e
enladeiradas, suas esquinas onde despontam os mistérios, onde surgem
repentinamente as prostitutas, as colegiais e os molecotes, que vendem
amendoim. Aqui não existe simplesmente o desgastado elemento casario como
temática, porque a figura humana dá mais calor à tela. Os homens e as mulheres
servem para mostrar todo o calor humano destes locais, antes chiques, hoje
turísticos, mas acima de tudo baianos.
Uma das telas de Candoca exposta na Cañizares |
Muita
gente conhece Candoca, porém, tenho certeza que poucos sabem que ela é carioca
e chama-se Cândida Jorge dos Santos Ferreira. Quando adolescente, estudou
pintura com madame Berthe Pavec, artista laureada pela Escola de Belas Artes de
Paris, em Cannes-França.
Candoca
expôs pela primeira vez, no Salão Baiano, em 1956 e daí realizou várias
exposições individuais, inclusive no Greek Theater, em Los Angeles. Agora
ela nos apresenta dezoito óleos e quinze guaches. Todos versam sobre ruas e
pontos tradicionais de Salvador e Itaparica.
PAINEL
A
201- Carmem Bardy conhecida por suas serigrafias baseadas no tema O Posto é a
201ª expositora da Galeria Bonino, no Rio de Janeiro. Atualmente ela mora em São Paulo e desde o dia
14 do corrente que a Bonino apresenta alguns de seus trabalhos que tem como
novidade a presença do elemento humano. Há cinco anos tornou-se profissional.
PINACOTECA-
foi inaugurado na Pinacoteca da Aplub, em Porto Alegre o busto
do escritor gaúcho Érico Veríssimo. Esta Pinacoteca é famosa por manter e
preservar a arte rigorosamente, e quando de sua inauguração há alguns anos foi
de autoria de Érico Veríssimo a apresentação do catálogo. O busto do escritor
foi feito pelo escultor A. Caringi.
DOIS
NA ACBEU- A Associação Cultural Brasil-Estados Unidos inaugurou uma mostra dos
trabalhos de Marlene Cardoso e Justino Marinho, a qual permanecerá até o dia 24
do corrente. A minigaleria da Acbeu, fica no Corredor da Vitória, 1883.
CARMEM
CARVALHO- Pastéis e estamparias estão sendo, trabalhados pela artista Carmem
Carvalho. A individualidade do seu trabalho o credencia para apontarmos como
uma das mais importantes da Jovem Guarda das artes plástica na Bahia. Apenas, é
preciso perder a timidez e partir para a profissionalização.
O
GRUPO FAMOSO- Glênio Blachetti, Glauco Rodrigues, Danúbio Gonçalves e Carlos
Scliar, os quatro artistas que formaram em 1950 o famoso Grupo da Gravura,
estarão reunidos numa mostra em
Porto Alegre para nova reafirmação em defesa da arte
nitidamente brasileira. Eles estão separados há algum tempo, pois cada um
enveredou por um caminho em busca de linguagem própria e o reencontro será um
acontecimento importante para o setor.
LEVEZA
DE SÉRGIO- Visitei a exposição do artista Sérgio Veloso, na Galeria Panorama e
senti-me gratificado com a leveza do seu trabalho. Uma pintura que pode ser
recebida de braços abertos. As cores claras dão ao espectador uma sensação de
tranqüilidade, de um trabalho feito com amadurecimento plástico. Sua pintura não
agride, ao contrário, é tão leve, tão suave que acaricia.
REAÇÃO
DE TEMPO- O cartaz é uma das formas de comunicação de massa rápido e
penetrante. Mas o cartaz ainda não despontou com a importância que merece no
Brasil, especialmente na Bahia, onde estamos acostumados a ver cartazes que são
verdadeiras agressões. O mau gosto e, a falta de toque artístico prolifera na
maioria dos cartazes de cursos e congressos agridem as vistas. Em vez de
comunicar destroem a imagem daquilo que tentam ressaltar.
Agora fico feliz com uma posição tomada por um grupo de artistas que está brigando pela nacionalização dos cartazes de cinema. Acontece que os filmes estrangeiros são anunciados através de cartazes estrangeiros e isto eles consideram inadmissível. "No Brasil, o máximo que o nativo pode fazer é colar o cartaz na frente do cinema", diz Monserat Filho, presidente do Clube de Criação do Rio, responsável pela campanha de nacionalização do cartaz de cinema. Existe um projeto que já passou pelas comissões de Constituição e Justiça, e de Educação, da Câmara Federal.Agora vai para a Indústria e Comércio ,e finalmente, para o Plenário. É mais uma esperança para o artista plástico brasileiro.
Agora fico feliz com uma posição tomada por um grupo de artistas que está brigando pela nacionalização dos cartazes de cinema. Acontece que os filmes estrangeiros são anunciados através de cartazes estrangeiros e isto eles consideram inadmissível. "No Brasil, o máximo que o nativo pode fazer é colar o cartaz na frente do cinema", diz Monserat Filho, presidente do Clube de Criação do Rio, responsável pela campanha de nacionalização do cartaz de cinema. Existe um projeto que já passou pelas comissões de Constituição e Justiça, e de Educação, da Câmara Federal.Agora vai para a Indústria e Comércio ,e finalmente, para o Plenário. É mais uma esperança para o artista plástico brasileiro.
FOTOS
DE JAIME- Obteve sucesso a exposição de fotos, a cores, de Jaime Costa,
realizada recentemente na Associação Comercial de Ilhéus. Intitulada Bahia de
Todos os Tempos, a mostra constou de 30 painéis. Dentista, 60 anos, fotógrafo
amador há 40, Jaime Costa foi muito solicitado pelos colecionadores.Agora
ele prepara uma nova mostra, também de fotos, sobre a região do Araguaia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário