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domingo, 25 de novembro de 2012

WILSON ROCHA EXPLICA A SELEÇÃO DAS ILUSTRAÇÕES - 2 DE ABRIL DE 1984


JORNAL A TARDE SALVADOR 2 DE ABRIL DE 1984

WILSON ROCHA EXPLICA A SELEÇÃO DAS ILUSTRAÇÕES

Vendedor de Passarinhos
de  Portinari, do Mam-Ba
Nunca perco a oportunidade de dizer que este espaço não pertence a mim, e sim, às manifestações artísticas e as pessoas envolvidas nelas. É um espaço democrático! Foi com esta intenção que entrei em contato com Wilson Rocha, meu amigo, para que explicasse quais os critérios utilizados na seleção das obras reproduzidas nas páginas do tal catálogo do MAMB. E, ele gentilmente nos atendeu. Evidente, que não concordo com algumas afirmações do Wilson, mas defendo que ele tem todo o direito de externar suas opiniões. Por falar em Wilson Rocha ele também é uma das vitimas do famigerado catálogo, porque três linhas de seu texto foram simplesmente cortadas e quando percebeu, exigiu que o mesmo saísse completo nos demais exemplares. As três linhas cortadas não eram de agrado dos burocratas instalados nas tetas da Fundação Cultural do Estado da Bahia , vejamos: “Razões por demais relevantes, no entanto, fazem-nos estranhar a inexplicável ausência no acervo do MAMB de artistas baianos da importância de Raimundo Oliveira, ou Carlos Bastos e Lygia Sampaio, pioneiros do modernismo local”. Portanto, não é só o catálogo que precisa ser refeito, mas também o acervo do MAMB precisa ser reforçado com obras significativas destes artistas. Mas deixemos que Wilson explique suas razões e teremos nossas conclusões:
“O Catálogo do MAMB, memória e vanguarda da nossa contemporaneidade”.
“A respeito de inferências e ilações equivocamente suscitadas pela publicação do catálogo do Museu de Arte Moderna da Bahia, cuja reavaliação do acervo na atualidade e a seleção das obras reproduzidas em suas páginas estiveram sob a nossa inteira responsabilidade do MAMB, Francisco Liberato, não poderíamos agora deixar de atender de bom grado a solicitação tão delicada e o gesto tão cordial com que nos foi dirigida pelo nosso velho amigo e estimado cofrade Reynivaldo Brito, no sentido de esclarecer tais equívocos por parte da opinião pública e também por um grande número de artistas locais.
Ora acontece que a Bahia tem hoje uma população de artistas, como queria há trinta anos passados o critico e saudoso amigo José Valadares.
Uma população tão numerosa de artistas não caberia no espaço limitado de um catálogo que é apenas uma primeira tentativa, que há de ser corrigido e aperfeiçoado sempre que em vias de esgotar-se, e que está aberto a receber novos procedimentos e novas linguagens, já que há de refletir a vida e tendências de um museu moderno de arte. Não nos foi possível esquecer isso, esquecer o problema de um mundo abundante de artistas baianos, quando fomos procurados pela artista plástica Zélia Nascimento, tão dedicada ao MAMB a ponto de ter uma boa idéia de se lançar em busca da realização de um catálogo pioneiro do acervo riquíssimo do nosso museu, conseguindo concretizar o seu sonho graças à receptividade e sensibilidade que as suas gestões encontraram no apoio cultural da empresa baiana Odebrecht, de tantos e inestimáveis serviços prestados à cultura nacional editando obras de maior importância, como, por exemplo, Nordeste Histórico e Monumental, de Clarival do Prado Valladares.
Com 21 reproduções a cores de artistas já falecidos e 64 em preto e branco, incluídas aqui algumas das notáveis produções das oficinas de Expressão Plástica do MAMB, sua grande maioria compõe-se de valores da nova geração, de artistas emergentes da Bahia e do Nordeste. Evidentemente, não deixa de ser estranha, por exigüidade de espaço e limitação de recursos, a ausência de tantos artistas do nosso ambiente, integrantes do acervo, da massa do conjunto de obras que constitui o patrimônio do museu, artistas, muitos dentre eles afamados, grandes artistas como: Edson da Luz, Antônio Rebouças, Sérgio Rabinovitz; Humberto Vellame, Jamison Pedra, Chico Liberato, Leonardo Alencar, Riolan Coutinho, Calasnas Neto, Carybé, Floriano Teixeira, Jenner Augusto, Rescala, J. Cunha, Zélia Nascimento, Pasqualino Magnavita, Noélia de Paula, Rino Marconi, Maria Adair, Stela Macedo, Denise Pitágoras e Leonel Mattos, que, sem “.dúvida, teriam enriquecido grandemente o nosso catálogo do MAMB.
Outras ausências inapeláveis e inexplicáveis que devemos lamentar é a de outros dos nossos artistas importantes que não fazem parte do acervo do MAMB, alguns de grande importância nacional, como Raimundo de Oliveira; outros da maior projeção local, como Carlos Bastos; Carlo Barbosa, Justino Marinho, Arlindo Gomes, Luiz Fernando Pinto, Antonio Brasileiro, Anísio Dantas, Maso, Ademar, Valtério, Ramiro Bernabó, Osmundo, Rita Moraes, Solange Gusmão, Madalena Rocha, Clara Melro, Célia Azevedo, Vera Lima, Ivonete Dias, Conceição Lima, Fernando Coelho, Elisa galeffi, Edson Calmon, Edvaldo Gato, Fred Schaeppi, Ângelo Roberto, Sólon Barreto, Lygia Milton, Zélia Maria, Rosa Cabral, José Arthur e outros. E o que dizer dos nossos artistas ínsitos, representados no catálogo apenas pelo grande João Alves e por Emma Valle, quanto seria maravilhoso encontrarmos em suas páginas as pinturas fascinantes de Aurelino, Pedroso, Cardoso e Silva e Nair de Carvalho, entre tantos outros.
De fundamental importância, como fator de ruptura com a longa tradução do objetivismo visual da pintura na Bahia, foi nascimento bastante retardado do nosso modernismo, quando já se tratavam os últimos combates da Segunda Guerra Mundial, por volta de 1944. Seus pioneiros foram três dos maiores artistas que o Brasil já produziu.
Dentre aqueles valorosos combatentes , o primeiro a erguer a bandeira da resistência foi o  escultor Mário Cravo Jr, seguido de dois grandes pintores, Rubem Valentim e Raimundo de Oliveira. Foi exatamente isso o que objetivamos registrar no catálogo do MAMB, a protohistória, a memória e vanguarda da nossa contemporaneidade”, Wilson Rocha.

BAIANOS INTERPRETAM O DIÁLOGO ENTRE GOYA E  
MAJA DESNUDA

O grande pintor da guerra e do amor, mas também de belas mulheres, é alvo de uma homenagem singular na Bahia. Seu quadro A Maja Desnuda que tanta celeuma causou na época, inspirou o professor Remy de Souza a elaborar uma peça com o mesmo título da tela e agora será levado ao palco do Teatro Castro Alves.
Leonel Nunes interpretará a figura de Goya e Helena Ignez a própria  A Maja Desnuda. É uma tentativa de recriar o diálogo entre o criador e a criatura, desnudando assim, um pouco do ideal feminino  que “todo homem carrega dentro de si”, segundo explicam seus idealizadores. Também, traça um paralelo entre a degeneração física do pintor e o crescimento qualitativo.
Para falar desta homenagem a Goya deixo que o diretor da peça Rogério Sganzeria exponha sua visão:
“Quem foi o Goya? Difícil, senão impossível, separar o homem do artista. Quem é esse homem? O artista não explica a obra antes complica-a; qual o mistério de sua existência?
Significativamente, Francisco de Goya Y Lucientes (1746/1828 nasceu em Fuente de Todos (Aragão), um povoado modesto como as suas raízes. Em um país de fidalgos, que em sua maioria não tinha maiores fontes de subsistência a não ser o título apesar do império colonial espanhol abranger quase toda a América do Sul, domínio onde o sol nunca se punha..., era preciso estar bem relacionado com os poderosos para se produzir arte. Depois de insucessos iniciais na carreira, marcado pelos concursos sujos e amores contrariados, Goya torna-se pintor real e seus retratando toda a nobreza espanhola para depois concentrar-se em seus murais e gravuras como intérprete da alma popular, reprimida pelas guerras de ocupação...
Época conturbada como poucas pelo gênio militar de Napoleão, quando a Espanha estava sujeita ás vontades de uma rainha atrevida e sensual, sobretudo de seu amante, um arrivista (Godoy) que proibiu as corridas de touros, foi condecorado com a insígnia de “Príncipe da paz” e segundo certas fontes, teria mandado envenenar a Duquesa de d”Alba, modelo e amante do grande pintor, para interceptar duas telas que escandalizaram a conservadora sociedade de seu tempo: A Maja Desnuda e A Maja Vestida”(1797 e 1799).
A obra A Maja Vestida, de Francisco Goya

Sabe-se que Godoy foi justiçado por seu povo ao tentar fugir com essas telas, disfarçado de colecionador, foi preso e apedrejado na fronteira...
Ao contrário dos artistas modernos, Goya foi pintor de reis mas não os bajulava... definindo-se como um repórter da inquietação de sua época. Realizou 45 cartões para a tapeçaria real que são fiel reflexo da Espanha de então, superando todos seus mestres.

A tela a A Maja Desnuda, também de Goya
Não teve discípulos, mas incluía, entre seus orientadores, Velásquez, Rembrandt e a ...natureza.
Impossível estabelecer a origem da pintura: sabe-se que durante séculos, esta arte foi simplesmente ornamental e vegetou como mero aditamento da arquitetura. Os exemplares mais antigos que se conhecem são as pinturas paleolíticas, dentre as quais se destacam as de Altamira na Espanha. São manifestações diversas da arte cristã, inexiste um nexo que as vincule direta ou indiretamente, já que as pinturas rupestres são exteriorizações de vivências anímicas dos homens das cavernas. Teria algo a ver com desenvolvimentos ulteriores ou com a pintura decorativa?
A pintura de cavalete é mais moderno do que muitos suspeitam, confirma o autor de um ensaio clássico sobre Goya, intitulado “El Hombre y El artista”, Leonardo Estarico, 1942, observando que a “prática do afresco evidência a exatitude da afirmação. A difusão do quadro de cavalete foi a conseqüência do emprego da tinta óleo que tornou possível a expressão pictórica por meio do “claro-escuro”, cuja sistematização parte de Giotto (1267/1337). Segundo esse autor, Goya é um descendente direto, na arte dessa concepção denominada, com justeza, de plástica”..
Ao mesmo tempo, pronuncia o impressionismo francês de Renoir em diante passando por Monet e indo até Picasso, prenunciando toda arte moderna.
Seu compromisso é com o sonho e a linguagem do transe, especialmente importante para decifrar os claros enigmas da fome e da repressão. Por isto, os surrealista reivindicam o acervo de Goya como componente fundamental á compreensão do subconsciente coletivo, na linha de um Bosch, de quem aliás, Goya assimilou muita coisa. Ambos rompem com o naturalismo e o realismo convencional, reivindicando maior profundidade ao tratamento do ser e da natureza na pintura mural e nos afrescos monumentais que surpreendem até hoje por serem cada vez mais atuais.
É importante a distribuição de informações sobre artistas quinta essenciais verdadeiros cidadãos do mundo, como Goya por exemplo. É o que pretende a encenação de um espetáculo na Cidade do Salvador, tendo como texto o diálogo imaginário escrito pelo professor Remy de Souza entre o pintor e sua criatura, o pincel e a tela, Goya e a “Maja desnuda”, título da peça a ser estreada na Bahia, onde há uma forte colônia hispânica, com Helena Ignez e Leonel Nunes, sob minha direção e cenários de Raul Willian. No palco do teatro, poderemos saber quem foi Goya e quais as suas atribulações, êxtases, devaneios.
“Goya é austero e suntuoso como a Espanha”, dizem alguns. “Representante de um momento drástico, marcado por rebeliões e tragédias coletivas”, analisam outros. No entanto Goya é a Espanha com toda a sua força atávica, suas desigualdades abissais, sua vegetação agressiva e sua gente dura, robusta, orgulhosa, espanhola: “Goya é povo” (de Rogério Sganzela).



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