JORNAL A TARDE, SALVADOR, 3 DE
FEVEREIRO DE 1986.
GERAÇÃO 70 VAI PINTAR O POETA
CASTRO ALVES
Estou de volta! Chego com uma boa notícia para aqueles que acompanham esta coluna, que já dura mais de 10 anos. Tempo este em que outra coisa não tenho feito senão promover as artes visuais baianas e seus produtores. Uma luta que a primeira vista parece ser fácil, mas não é. As alegrias são muitas, porém, os aborrecimentos também. Isto porque não se pode e não se deve agradar a todos, porque se assim procedesse estaria prejudicando o trabalho a que me propus realizar.
O que interessa é que realmente a publicação de um fato aqui tem alguma repercussão, se não momentânea, pode esperar, que algum dia terá. Isto mexe com as pessoas, incomoda burocratas enclausurados por trás das carteiras empoeiradas de academias ou de bibliotecas que exalam cheiro de mofo. Aqui eu acompanho o pulsar da vida, porque é no jornal que deságua tudo de bom e ruim que acontece na cidade, no estado, no país e no mundo. O jornal é um espelho desta vida contemporânea cheia de incertezas, fome e violência. E a arte como uma manifestação do homem reflete também este mundo.
Vejamos
o rock and roll que invadiu as paradas de sucesso em todo o mundo, o movimento
de transvanguarda os videoclips que nos espantam por sua criatividade.
A Casa onde nasceu o poeta é hoje um Museu vivo |
Enfim
todo este panorama é um reflexo do mundo atual e na qualidade de jornalista
profissional participo da aldeia global escrevendo, selecionando e editando
aquilo que pode mais interessar aos leitores.
Vamos
agora os fatos. Fui convidado pelo secretário da Educação e Cultura, professor
Edivaldo Boaventura para reunir os artistas que participam do movimento Geração
70 para apresentarem uma visão atual do grande poeta Castro Alves. Isto porque
a fazenda Cabaceiras, onde ele nasceu, será totalmente reformada, inclusive a
casa está sendo restaurada para funcionar como um museu vivo, promotor de
eventos culturais. O projeto foi coordenado por Jacyra Oswald, que é um
verdadeiro dínamo para trabalhar. Desta forma os artistas da Geração 70
mostrarão uma verdadeira síntese como eles vêem Castro Alves, hoje. Digo
síntese porque é uma visão de artistas que vivem outros tempos, bem longe
daqueles tempos vividos e registrados pelo poeta. As obras já estão
praticamente prontas e logo depois do Carnaval serão mostradas ao público em
local ainda a ser determinado por Jacyra Oswald, responsável pelo projeto.
Também será editado um livro, de alta qualidade gráfica, onde as obras vão
figurar, permanecendo como um documento para a posteridade. Este convite é mais
um reconhecimento de que o movimento Geração 70 não parou.
Por
falar nesta continuidade do movimento basta a gente dar uma olhada nos muros da
cidade, nas manifestações de desagrado contra a burrice dos responsáveis pelo
Cine Glauber Rocha em apagar os trabalhos dos artistas.
Achei
uma grande bobagem à declaração do responsável de que “eram apenas borrões”.
Mais uma prova de desconhecimento, da falta de informação, da falta de
compreensão de uma obra de arte. A leitura ou decodificação de uma obra só pode
ser feita se a gente dispõe de instrumentos para tal. Pelo menos é o que se pode
deduzir das explicações”...
Os integrantes da Geração 70 cada um expressou na pintura sua visão de Castro Alves |
Falta
de informação!O
problema não para por aí. Os
artistas ( a grande maioria da Geração 70) fizeram outro mural no Rio Vermelho
e alguns trabalhos foram cobertos por uma tinta marrom pelo proprietário do
imóvel. Agora eles colocaram uma faixa protestando e chamando a atenção dos
transeuntes e vão repintar dividindo melhor o espaço, para incluir os artistas
que tiveram seus trabalhos cobertos. Como podemos observar é uma luta desigual
entre estes artistas e algumas pessoas insensíveis que preferem seus muros
cobertos de cartazes de mau gosto, de pichações grosseiras a um mural de
artistas qualificados. Tudo é uma simples questão de cultura. Muitos anos serão
necessários para que essas pessoas entendam o problema. Geração 70 está
ajudando a mudar.
O
ÍNDIO TIMBIRA IZAÍAS ALVES
Nunca
é tarde para remediar uma dívida. Certamente não estou falando de uma dívida
pecuniária.
A
minha dívida é com o artista Izaías Silva, o índio maranhense que fez uma
exposição na Galeria O Cavalete. Digo
uma dívida porque fui a pessoas que o apresentou a Jacy Brito, esta cidade que
tanto tem contribuído para o desenvolvimento das artes plásticas baianas,
promovendo exposições e revelando novos valores. Ela compreendeu a simplicidade
da obra do Izaías e promoveu a exposição do índio timbira no mês passado.
Deixo
aqui para os leitores algumas palavras que escrevi no catálogo do Izaías:
“Estamos
vivendo momentos onde a nacionalidade recomeça a ser enaltecida. A nossa
bandeira e as cores verde e amarela que não eram aceitas, agora estão sendo
cultuadas com mais fervor. Tudo isto furto de uma abertura política que inicia
a dar os seus passos em busca da democracia. Estas palavras reforçam exatamente
a presença de Izaías Silva nas artes plásticas brasileiras. Um índio que
retrata as nossas florestas e seus habitantes. Um artista inato que brotou uma
seringueira que cresce e lança seus galhos em busca da luz. E, Izaías, é um
batalhador incansável, uma pessoa simples e sensível que transborda com suas
cores fortes naturais retratando este mundo primitivo que ainda resta em
determinados locais.
Agora
Izaías volta a expor em Salvador, desta vez numa individual mostrando o que fez
de novo, onde a beleza indescritível da fauna amazônica está traduzida nas
cores vibrantes que o artista irradia por este Brasil afora.
Izaías
está sempre viajando, enfrentando e desafiando dificuldades em busca de novos
espaços para apresentar o seu trabalho. É um índio nômade que mora em
Fortaleza, no Maranhão, na Bahia, no Recife, enfim em qualquer cidade que o
acolha, e onde exista gente sensível para entender a sua obra. É uma
manifestação do próprio ser do índio que sempre saía em busca de melhor
alimentação e local seguro para estabelecer por algum tempo a sua moradia. O
nomadismo de Izaías está intimamente ligado a sua necessidade de mostrara um
maior número possível de pessoas sua arte.
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