SALVADOR SEGUNDA-FEIRA, 02 DE
NOVEMBRO DE 1987.
LATINOS BRILHAM NA 19ª BIENAL SÃO
PAULO ( II )
Fiz
uma ligeira referência no artigo da semana passada sobre a presença dos latinos
americanos na 19ª Bienal Internacional de São Paulo. Hoje, pretendo falar um pouco
sobre algumas delegações de países latinos enfocando alguns de seus
representantes. Para iniciar este trabalho podemos começar falando da obra de
Gustavo Nakle, do Uruguai, que apresenta oitenta figuras quase de tamanho
natural que gravitam entre os labirintos das três Estações: o Juízo Final, os Banheiros
e o Paraíso.
Ao lado, O Senhor absoluto que enxerga todo o beme todo o mal do Universo.
Na
passagem do Juízo Final estão 24 figuras, pobres em cores, deliberadamente, sob
às ordens de um Deus Superior, segundo explica o artista. A figura traz nas
mãos um bode. Na passagem dos Banheiros encontramos um homem em completo estado
de metamorfose passando para o estado vegetativo ou seja se transformando numa
árvore-homem arborescente- em cujos galhos estão distribuídos pássaros
antropomorfisados. No Paraíso, cerca de cinqüenta figuras, sendo 10 delas
suspensas do teto, rodeiam uma gigantesca Árvore da Vida. Quase todas as
figuras apresentam os órgãos sexuais transformados em frutos. Podemos
sentir aí a presença da identidade religiosa tão fortes entre entre os povos do
Terceiro Mundo. Uma influência que brota do inconsciente e, o artista, por mais
que tente libertar-se com a introdução em profusão de órgãos sexuais que
contrastam, e, até se chocam, com esta influência mística, mas vence a
religiosidade diante do seu denso conteúdo.As figuras grotescas passam a ser
vistas como abomináveis, enquanto os anjinhos de bochechas gordas dos templos
religiosos são vistos dentro de uma ótica de beleza celestial e pureza.
A
Argentina está representada por Luís Benedit, Américo Castilla, Gustavo López
Armentía, Clorindo Testa e Antonio Seguí. O curador da representação portenha
abre sua apresentação citando o escritor dominicano Pedro Henríquez Ureña: El
ideal de justiça está antes que el ideal de cultura; es superior el hombre
apasionado de justicia al que solo aspira a su propia perfeccion intelectual”.
Fala ainda de que estamos acostumados a identificar sempre a utopia como uma
fantasia impossível e que isto é muito falso. Ela (utopia) antes, de tudo se
baseia na realidade do esforço humano. Cada uma das telas simboliza a própria
utopia dos artistas, que partiram de uma imaginação que foi concretizada e
continua a sua trajetória com a presença dos espectadores, cada um fazendo uma
leitura diferenciada. Das obras expostas as que mais me interessaram foram as
obras de Gustavo López Armentía com uma predominância do grafismo, onde a
figura humana aparece bem pequena em
relação aos demais elementos que compõem as suas telas.
O
Chile está representado por Patrícia Figueroa, Roberto Dannemann, Diego Hernández
e Marcelo Larraín. Os trabalhos de Patrícia lembram os realizados por artistas
cariocas da nova geração.São pinceladas espontâneas sem a preocupação em dar
uma definição exata dos objetos focados, deixando que a imaginação prevaleça,
baseada, certamente, que hoje em dia a máquina fotográfica faz o papel de
transportar para a celulóide e depois para o papel as imagens de realidade que
nos cerca. Ela enfoca a tragédia contemporânea, a corrida insana dos
armamentistas, os mísseis fantasmagóricos que podem nos calar da noite destruir
a humanidade. Já o Roberto Dannemann não gosta de ser considerado um
conceitual, mas podemos dizer que tem uma pintura marcante pelos desafios que
se propõe sem estabelecer conceitos ou paralelos. A intuição comanda a sua obra.
O
Diego Hernandez deseja que “essa terrible energia que poseo se ponga a
disposição de uma buena causa. Si sigo buscando la matéria prima em mi propia
existência corro el riesgo de perderme definitivamente”, Suas imagens estão
fora do alcance de nossa retina, do ponto de vista da normalidade. Mas o que é
a normalidade? É uma postura de conceitos que se sobrepõem a imaginação. Diego
faz uma verdadeira radiografia penetrando no centro de energia humana buscando
captar novos espaços.
No
entanto o que mais me sensibilizou foi o Marcelo Larraín porque o conjunto de
obras que apresenta além da qualidade pictórica invejável nos transporta a
reflexão. Cada tela é como um livro aberto impregnado de ensinamentos. Sua obra
não pode ser vista simplesmente com uma visão contemplativa, pois comporta uma
reflexão mais profunda do próprio conhecimento humano.
(Santiago,
Chile, 1956) Em seu trabalho, estão sempre presentes as contradições sociais e
a questão de poder na América Latina. Participou da 18ª BISP, dentro da mostra
“Entre a Ciência e a Ficção”, com a instalação “Tancredinho Mon Amour”. No ano
de 1985, Fez um levantamento fotográfico sobre as condições de vida e os
conflitos em Serra Pelada. O
resultado deste trabalho foi exposto em Nova York com o título “Welcome to the World”.
Participou da Bienal de Veneza de 1986 e da Documenta de Kassel de 1987. reside
em Nova York
desde 1982.
A
instalação que apresenta na 19ª BISP discute a produção brasileira de
equipamentos bélicos dentro de nosso contexto político, econômico e cultural.É
artista convidado da 19ª Bienal Internacional de São Paulo.
Paraguai - Os
paraguaios Jorge Codas, Gabriel Brizuela, Lúcio Aquino, Félix Toranzos e
Viviana Campos, todos apresentam um trabalho dentro da tendência contemporânea,
fincados nas raízes de seu pequeno País. Viviana não se pode enquadrá-la dentro
de uma corrente definida, diante de suas experiências no campo da pintura. Uma
pintura de forte tendência abstracionista interligada por toda uma ambientação
lírica.
Peru - O
Antonio Máro representa o Peru.O pintor nasceu em Catacáos, lugar desértico, no
norte do Peru, o que vem demonstrar que ele além de enfrentar dificuldades
comuns aos demais latino-americanos num país do Terceiro Mundo ainda foi nascer
numa região inóspita.
Com
isto vemos em sua obra a sua determinação em representar os fantasmas que
sempre o acompanharam desde a infância. Tem forte influência de Willi
Maumeister, seu mestre europeu, além da cultura pré-hispânica. Sua obra mostra
a persistência destemida de um criador com suas deformações e grandes manchas
ricas em cor entremeadas de linhas. No final um conjunto harmônico, como frases
soltas numa folha de papel branco, mas que se casam. Juntas tem a força e o
lirismo de um poema multicolorido. Nesta inter-relação sobressai o pintor- poeta
que gosta de grandes espaços.
O peruano Chávez com “Mitologias do Futuro” que, segundo Edouard Gilssant, existe
provavelmente um lugar onde se encontram as trêmulas lembranças dos homens para
se confundir e se fixar, cada uma no seu irrefutável mistério, todas numa só
inquietante e solar claridade. As histórias convergentes dos povos reclamam
este lugar focal, nosso imaginário reúne-se aí difusamente, nossas vontades
buscam nele se nutrir. Não conhecê-lo ou advinha-lo nos paralisa. Se chegarmos
a surpreender seu brilho, nossos trabalhos e nossos dias são assim
multiplicados.
Labirinto, de Chaves, com o imaginário de suas raízes.
Tenho
dito por aí afora que o medo da morte é o suporte maior de toda a tendência ao
imaginário religioso. O sonho em ter uma vida melhor é o consolo dos fracos. E
o imaginário tem sido um traço marcante n humanidade, desde os tempos em que o
feiticeiro da tribo utilizando de sua inteligência dominava o forte guerreiro.
Com suas ameaças sobrenaturais e os guerreiros lhe prestavam obediência e o
temiam. Assim, garantia o seu poder na tribo. Hoje, a coisa não é muito
diferente. Aumentou o número de feiticeiros e as tribos se multiplicaram aos
milhões. Mas tudo continua como dantes e este imaginário é uma marca forte na
manifestação plástica.
Porto Rico - Quero
falar dos portorriquenhos, tão discriminados em New York e outras cidades
americanas para onde procuram fugir da miséria estabelecida em seu pobre país.
Porto Rico trouxe Luiz Afonso, Myrna Báez, Raimundo Figueroa, Domingo Garcia,
Antonio Martorell, Arnaldo Roche, Júlio Rosado Del Valle, Nelson Sambolin e
Jaime Suarez.
A solidão de uma mulher despida e seu gato, de Myrna Báez.
Luiz
Afonso, Myrna Baez, Antonio Martorell e Nelson sambolin estão de certa forma
aglomerados porque, embora pertençam a gerações diferentes, são gravadores.
Além é claro de apresentarem uma certa identidade na temática de suas obras
onde personagens solitários nos levam à reflexão da solidão do ser humano
diante da sociedade e do mundo que nos rodeia. Já Domingo Garcia e Júlio Rosado
Del Valle são mestres da pintura expressionista e da nova figuração que está
acontecendo em todo o mundo. O Jaime Suarez é um ceramista-escultor.
México - David
Alfaros Siqueiros (Camargo Chihuahua, México, 1896- Cuernavaca Morelos, México,
1974).Chegou à cidade do México em 1907 para estudar com os padres maristas.
Ingressou na Escola Nacional de Bellas Artes em 1911. Colaborou com o
constitucionalista La
Vangardia em 1913 e, no ano seguinte, entrou para o Exército.
Constitucionalista,
chegando ao posto de capitão. Seguiu para a Europa com uma bolsa de estudos em
1919, fixando-se em Madri e em Paris, onde conheceu Diego Rivera, Retornou ao
México em 1922.Seu trabalho vem sendo exposto desde 1925.
Entre
suas principais individuais constam: 1944, El drama de La Guerra em La Pintura Mexicana , Palácio de
Bellas Artes, México, DF; 1950, XXV Bienal de Veneza; 1953, Exposicion de Arte
Mexicana-Tate gallery, Londres; 1956, Exposicion de Arte Mexicana, Antiguo
Palácio Imperial de Pequim; 1958 Primeira Bienal Interamericana de Pintura y
Gravado-Palácio de Bellas Artes, México, DF;1962, obras Maestras Del Arte
Mexicana; Petit Palais, Paris.
Realizou,
entre outras, as seguintes individuais: 1933, Siqueiros- Círculo de Bellas
Artes, Montividéu; 70 Obras Ricientes, Museu Nacional de Bellas Artes, México,
DF; 1962, David Alfaros Siqueiros, Emabixada do México, Tóquio. Seu primeiro mural
“Los Mitos”, data de 1922 e foi feito no Colégio Chico da Escola Nacional Preparatória. Inaugura uma longa lista de
murais que refletem suas preocupações políticas. Entre suas obras figuram: O
Enterro do Operário, 1923, Escola Nacional Preparatória, Cidade do México;
Chamado da Liberdade, 1924, Escola Nacional Preparatória, Cidade do México;
América Tropical Oprimida e Destroçada pelo Imperialismo, 1932; The Plaza Art
Center, Los Angeles; Morte ao Invasor, 1940, Escola México de Chillas, Chile;
Alegoria da Igualdade e Fraternidade das Raças Branca e Negra e Novo Dia das
Democracias,1943, Havana, Cuba.
Exerceu
intensa atividade política como soldado constitucionalista, publicando artigos
em revistas e editando periódicos, proferindo conferências, organizando
sindicatos de artistas e movimentos de operários. Sua militância custou-lhe o
exílio em 1933 e várias vezes a reclusão ao cárcere.
São apresentadas na 19ª BISP quatro pinturas
feitas entre 1935-1956: Chichen Itza, Exposição da Cidade, Antenas Estratosféricas
e Aeronave Atômica, onde aborda os avanços científicos da época, transitando
entre o real e o irreal. Nesse processo, restaura as grandes cidades maias
devastadas pelo conquistador, atribuindo-lhes um esplendor diferente do que
tiveram e esboça visões do futuro semelhantes a pesadelos determinados pelo
poder destruidor, representado pelo avanço tecnológico.
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