UM CRUZADO NA ARTE
Iniciamos a semana com as profundas mudanças na economia. Como tudo que acontece neste País, todos foram pegados de surpresa pelo novo pacote. Em matéria de pacote estamos bem servidos. Cada ministro tem o seu e os envia para nós consumidores sem nunca manifestarmos o direito, se a gente quer recebê-los ou não. Os pacotes nos dão impostos. Afinal, o Brasil é mestre nesta coisa de impor. Durante 20 anos uma geração inteira não sabia de nada que não fosse vindo de cima para baixo. Vá ver até que já está digerindo bem este pacote sem maiores problemas.
E
o pessoal ligado ao mercado de arte? Os preços das tintas, dos pincéis, das
telas e de outros produtos consumidos por aqueles que vivem da criação? Como
ficam os preços das obras, a maioria completamente inacessível à classe média e
muito mais ainda a classe de salários mais reduzidos? Na verdade os preços dos
produtos utilizados pelos artistas boa parte é importada, portanto, estão
livres de congelamento, embora o cruzado, este dólar verde e amarelo, tenha a
pretensão de enfrentar o dólar verde e branco do Tio Sam. Não acredito neste
enfrentamento, aliás, na capacidade de enfrentamento deste filho de Jeca Tatu.
O verdinho tem raízes em todo o mundo e o verde e amarelo nunca saiu daqui. É
uma planta muito tenra e frágil. O vitorioso a gente já conhece!
Mas,
voltando ao mercado de arte, acredito que sofrerá conseqüências boas, com as
medidas deste pacote. Arte é um bom investimento, embora o preço de uma obra
seja difícil de agente mensurar, porque além dos elementos técnicos entram
ingredientes muito subjetivos no jogo.
Acredito
que é hora das galerias, dos marchands e dos artistas também reciclarem os seus
preços para acompanhar estas mudanças. É preciso que as galerias, marchands e
artistas verifiquem melhor que a obra de arte, na medida do possível, não deve
estar longe ao alcance das mãos pelo menos do consumidor de classe média. A
gente sabe que quadros de artistas consagrados nacionalmente ou internacionalmente
só estão ao alcance de instituições (museus etc.) e dos milionários.
Porém,
convenhamos, tenho observado nas exposições que o artista nem começou e já
supervaloriza o seu quadro. Resultado, não vende ou vende o mínimo possível e
inflaciona, porque outros tendem a segui-lo. Aí ganham um caminho sem fim em
busca de superpreços.
É
preciso trabalhar muito, vender muito a preços razoáveis, porque assim está
ajudando a cultura e torna o seu nome cada vez mais conhecido, o que facilita
novos negócios.
Faço
este comentário porque a mercadoria, obra de arte, embora seja um produto
nobre, não está incluída pelos economistas na lista dos “de primeira
necessidade”. Portanto, outros produtos são prioritários, dentro desta visão
pragmática o que fortalece o argumento da reciclagem dos preços. É um assunto
para se discutir e polemizar. Acho que é hora de abrir as porás das galerias e
dos ateliers para esta classe média sofrida deste Brasil do cruzado.
É
preciso acabar com a falsa idéia que o bom artista é aquele que vende mais
caro. Esta medida está completamente inserida na filosofia do capitalismo
selvagem, que tanto condenamos, porém, fora dos cânones da sensibilidade de um
artista. Sabemos que precisamos sobreviver com dignidade. Sabemos por outro
lado, que é preciso eliminar falsos valores para alcançarmos os reais.
GATO
REVELA A POBREZA E FEIÚRA DA DECORAÇÃO
Tinha
decidido que não falaria de decoração. Ainda mais que o Carnaval já passou, e a
gente que gosta da folia está pensando no próximo. Porém, recebo uma carta de
Edvaldo Gato tentando esclarecer alguns pontos sobre a triste decoração, que
por sinal ainda está aí nas ruas para o povo comprovar a sua pobreza. A
hegemonia do grupo da Escola de Belas Artes que há anos vem monopolizando a
decoração, tem prejudicado a Bahia, porque não criou nada significativo. Mera
repetição de formas! Apenas uma ou outra figurinha diferente! O resto é tudo
igual. Que falta de imaginação!
Que
pobreza, se a gente imagina que são artistas plásticos responsáveis pela decoração.
Mas, deixo “os esclarecimentos” de Gato, que acho que não tem força. Defendo o
seu direito de tentar “esclarecer”. Vejamos:
A
DECORAÇÃO DE CARNAVAL DA CIDADE DO SALVADOR
Infelizmente a maioria das críticas endereçadas a decoração deste ano não reflete todos os fatos necessários a uma opinião analítica e desapaixonada. E, como acreditamos não haver nenhuma intenção malévola na insistência de algumas notas veiculadas e que o grande público merece todas as informações para melhor estruturar a sua opinião, desejamos acrescentar o seguinte:
1.º)
A concorrência realizada pela Prefeitura (Edital de Concorrência Pública nº
01/85) só
determinou 16 dias para a realização do projeto, tempo absolutamente irrisório
e que exigiu muito esforço de nossa equipe. Houve jornal que publicou que a
única diferença da decoração deste não para com a do ano passado foi o fato da
deste ano ter sido escolhida sem concorrência pública.
2.º)
O Edital de Concorrência é absurdo do ponto de vista técnico, carecendo de um
estudo mais cuidadoso, principalmente em relação à infra-estrutura da decoração
do Carnaval.
3.º)
Em virtude do grande atraso da concorrência e dos acertos burocráticos da
prefeitura, só restaram duas semanas para a execução de quinhentas e sessenta
peças (560) e uma (1) semana para a montagem. Isto resultou em mais despesas e
num esforço sobre-humano dos responsáveis pela decoração.
4.º)
mesmo apenas com três (3) semanas para a execução e montagem de toda a
decoração, a verba inicial só foi liberada 10 dias após o seu início, o que
onerou mais ainda o preço das compras de material e apertou mais ainda o plano
geral de execução.
5.º)
As verbas destinadas à decoração carnavalesca da Cidade do Salvador são
irrelevantes, não refletem a importância do seu Carnaval, bastando considerar a
inflação reinante e comprar com o que se gasta (investe) no Sul do País, não só
nos clubes e nas ruas mas principalmente nas escolas de samba.
6º) Mesmo com uma pequena verba de dois bilhões e trezentos e setenta e oito
milhões (2.378.000,000) ainda tivemos um desconto de duzentos e noventa milhões
para o pagamento do Imposto de Renda. O orçamento apresentado não considerou o
Imposto de Renda, pois o mesmo deveria ser pago pelo contratante.
Acresce
que ainda tivemos de realizar um acordo com a Prefeitura no sentido de que a
decoração dos bairros, em número de doze (12) ficasse por nossa conta. Só com
este compromisso foram gastos mais de duzentos (200) milhões, reduzindo mais
ainda a verba inicial
7.º)
Nos regimes democráticos a concorrência pública é um instrumento moralizador do
dinheiro do povo. Não se ganha concorrência com fórmulas. Apenas pelo nosso
esforço e experiência correspondemos a todos os requisitos exigidos pelo Edital
da Concorrência da prefeitura, lamentando a ausência de outros artistas
concorrentes, principalmente daqueles que sempre criticam os resultados dos
concursos públicos (raros) existentes na Cidade do Salvador)
8º)
Com muito pouco dinheiro e muito pouco tempo optamos por uma estrutura simples
e prática, inspirados em experiências anteriores, mas sem ser uma simples
reprodução, como bem comprova uma de nossas estruturas cuja imagem tem sido
utilizada como marca e logotipo do Carnaval de 1986 pelo Jornal A Tarde.
9.º) Todas as peças aéreas foram executadas dentro das normas exigida pela
prefeitura, mais que os trios elétricos disputam entre si uma altura cada vez
maior, contrariando as medidas oficiais.
10.º)
O tema é uma exigência do Edital de Concorrência.
Pretendeu-se
apenas criar algumas alegorias ligadas ao verão baiano e a alguns aspectos do
nosso folclore. As soluções são artísticas e não literárias. Publicou-se
inclusive que em lugar de Dorival Caymmi deveríamos ter homenageado os Menudos
porque são mais conhecidos dos baianos. È evidente que tal blasfêmia não teve o
apoio de nenhum jornal ou mesmo de qualquer pessoa de bom senso.
11.º)
Quanto a ferocidade de algumas críticas (houve quem qualificasse a decoração,
ou parte dela, de horripilante), esperamos que ela se entenda com a mesma
coragem e intencionalidade pretendida às constantes aparições de objetos
urbanos, esculturas e murais públicos
dentro da nossa cidade, de indiscutível mau gosto e sempre por encomenda de
nossas eternas oligarquias políticas e feudais”.
OS DESENHOS DE DI
CAVALCANTI
Após
a revalorização para as novas gerações da pintura de DI Cavalcanti entre 1936 e
1945, promovida no Rio de Janeiro pela exibição de parte da coleção Roberto
Marinho (exposta no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo ), outro ensejo
de compreensão e aprofundamento da posição
de Di na arte brasileira ocorre neste momento com a realização da mostra
Desenhos de Di Cavalcanti na Coleção do Mac, aberta no campus a USP,
acompanhada de bela edição do livro com o mesmo título, publicado com o apoio
do CNEC e outras entidades. O projeto geral de ambos é de Aracy Amaral,
diretora do Museu, que para a pesquisa básica contou com Áurea P. da Silva,
Ainda C. Cordeiro, F. Lemos e Sonia Salztein Golberg. A impressão é de Raízes,
com planejamento gráfico de Emanuel Araújo e muitas reproduções são coloridas.
Um dos mais significativos textos nele publicados é de Luiz C. Daher, o saudoso
e competente estudioso da obras de Flávio de Carvalho.
DI
pintor, entre 1936 e início dos 40, obteve uma força cromática com substâncias
mais rica e refinada de pigmentos e intensidade de relacionamento de cores,
tons e ás vezes linhas, nos quais a sobrevivência de influxos de Braque e,
menos, de Picasso bem diversos da superficialidade que marcou a sua fase final.
Fui amigo dele e lembro-me da visita que lhe fiz em 1949, em São Paulo , no
apartamento dele e de Noêmia Mourão, na Praça da República. Meu tio Frederico
possuíra, entre outras obras dele, a Cinco Moças de Guaratinguetá, que doou ao
MASP (no início deste Museu que, segundo texto de Assis Chateaubriand, no
Catálogo do Acervo do MASP, 1963, Pág. V teve nele um dos idealizadores) Tela
que é datada de 1930, mas em cronologia no presente livro do MAC está referida
como sendo de 1926, talvez devido à errônea informação do catálogo da
Retrospectiva de Di no MAM-SP de 1971. A data real está na própria obra. Di, em
1949, recordou-me ainda que uma das primeiras encomendas que recebeu de
ilustrações para livro foi feita por meu pai, por volta de 1925, originais
extraviados até hoje, sem serem publicados.
Recorde-se
que nesse ano a Editora Brasileira Lux
lançou o Bebé de Tarlatana Rosa, de João do Rio, com ilustrações de Di
Cavalcanti.
Vinicius observando as mulatas |
A importância de Di realçada pelos atuais livros e exposição. Araci estuda bem as “Três décadas, essenciais no desenho de Di Cavalcanti”. Creio que o texto de Daher, “Desenho Expressionista”, que foi feito para mostra no mesmo museu em 1983, pelas idéias gerais que formula poderia ter saído logo após o de Aracy, no livro. Trata-se de uma visada contemporânea sobre obras de Di forçosamente diferente nisso dos vários textos de época reproduzidos no volume, todos de interesse, mas em situação diversa. Paradoxalmente a “Introdução aos Desenhos” após vários estudos, entre eles o de Lisberth Rebolo Gonçalves e a “Tentativa de Bibliografia”, título modesto de bem feito trabalho de Áurea P. da Silva.
O
desenho de Di é importante e o artista teve razão em doar ao primeiro MAM
(atual MAC-USP) essa bela coleção.
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