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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

SETENTA E TRÊS OBRAS DE E. BARLACH NA CAÑIZARES - 07 DE ABRIL DE 1986

JORNAL A TARDE,SALVADOR, 07 DE ABRIL DE 1986.

SETENTA E TRÊS OBRAS DE ERNST BARLACH NA CAÑIZARES

 Este Corpo ao Bom Espírito, xilogravura de 1927, de autoria de Ernst Barlach, mostra  sua dramaticidade.
O escultor, gravador e autor dramático Ernst Barlach (1870-1936) será homenageado pelo Instituto Cultural Brasil-Alemanha e Escola de Belas Artes da UFBa., a qual será inaugurada amanhã, na Galeria Cañizares, no Canela, às 20 horas.
Esta exposição foi organizada pelo Instituto de Relações Culturais para o Exterior, em Stuttgart, e está percorrendo várias capitais brasileiras. São 73 obras originais entre litografias e xilogravuras de Barlach, que é um dos mais renomados gravadores alemães. Sua obra é repleta de poesia, sendo talhada em madeira. Contemporâneo de grandes nomes das escolas Naturalista e Pós-Impressionista. Simbolista, Jugendstil, Expressionista e Abstracionista (Kandinsk, Bonnard, Vuillard e Mondrian, entre outros). Barlach percorreu caminhos difíceis até encontrar a sua própria identidade plástica.
Antes de 1900 esteve duas vezes em Paris, mas foi em 1906, quando fez uma viagem pela Rússia, que pôde experimentar a emoção da auto-afirmação artística, se dispondo, inclusive, a abandonar “sem remorsos, tudo que tinha realizado antes dos 35 anos”.
Ernst Barlach nasceu em 2 de janeiro de 1870, em Wedel, uma pequena cidade às margens do Baixo Elbe. É 30 anos mais jovem que Rodin, nove mais novo que Maillol e tem 11 anos a mais que Lehmbruck. Dezessete anos o separam de Van Gogh e sete anos de Munch.
Ele defendia que não há necessidade de pressa. “Aqui no norte a natureza não é precipitada”. Essa natureza nórdica, com sua severidade e amplitude, foi o que determinou a maneira de ser deste grande artista e sua própria arte. Retraído e solitário, no entanto sem uma concentração obsessiva na sua própria pessoa, porque sempre procurou fora encontrar bons resultados para desenvolver os seus temas e formas.
Sua presença em Paris não foi boa para o artista. Doente e passando fome com certa freqüência, ele não teve acesso aos outros artistas, passando todo o tempo refugiado no Museu do Louvre, onde mantinha uma paixão desenfreada pelos egípcios.
Foto de Ernst Barlach
Em 1909, esteve na Villa Romana, em Florença, e estava com 40 anos de idade. Marcado pela paisagem e pela gente russa, confessou naquela época, que “a Itália me teria arrasado se eu tivesse sido pintor”. Mas, para suas gravuras em preto e branco, a cor era coisa supérflua.
No ano seguinte, se instala em Gustrow onde acontece a sua evolução e se inicia uma obra que é contemplada e aplaudida com o passar dos anos. Ele trabalha segundo um plano que obedece à ordem das estações do ano e às horas de um dia, onde previu as horas de luz, para os trabalhos de escultura, e as do anoitecer e da noite, para os trabalhos gráficos e literários. Suas obras esculpidas são baseadas em esboços previamente desenhados, que delineiam o tema e a figuração fixados no papel, no momento da primeira inspiração. Costumava guardar seus esboços até a hora da realização final.

Uma bela escultura de Barlach
“Com respeito à pedra, ele não tinha relação especial nenhuma. Seria abusar, querer ilustrar aqui toda a evolução de Barlach. Ninguém melhor que Käthe Kollwitz soube, de modo evidente, caracterizar esse desenvolvimento como sendo um todo: “Se eu me pergunto em que consiste a forte impressão que as obras de Barlach desde sempre exerceram sobre mim, acredito que seja aquilo que ele próprio uma vez formulou assim: É por fora como o é por dentro”. O seu trabalho consiste por fora como por dentro; a forma e o conteúdo são perfeitamente congruentes. Em parte alguma há disparidade, nada é supérfluo. Tudo que ele expunha de si, digamos, “o aspecto exterior, o interior, o gesto da devoção e o gesto da ira”, era em si conforme. A forma e o conteúdo se ajustaram. Isto é o convincente de sua obra. È preciso chamar a tenção ao fato que Barlach, fora raras exceções, nunca tem presentado o corpo nu, pois este não se tornou parábola de sua arte. O nu, com suas articulações e funções, não lhe é lícito; ele não reconhece estas tradições das artes plásticas. O seu assunto é o gesto e o gesto extremo”, a intensidade da expressão, a concisão do gesto exprimindo a tensão do tema e que não é mais produzida pelo homem, pois a “escultura virou gesto ela mesma” isso reclama a forma definitiva e exige que a obra esteja concentrada sobre”um” ponto de vista relevante e ainda condicionou a continuidade entre o homem e o hábito, tão típico para Barlach. Assim, a concentração tem seu êxito quanto à imutabilidade, à dor, tristeza e morte, à paixão, vingança, aflição e fuga, à solidão, meditação profunda, dedicação e esperança.
Barlach procura o diálogo e o encontra no que está acima do homem. Ele é capaz de configurar o ato de esperar indefinido. No “friso dos espreitantes” e na “comunidade dos santos”, destinados à igreja Katharina de Lubeck, as figuras em pé, receptivas, aplicam o ouvido para fora, para captar o que lhes é transmitido. Uma figura que está lendo não percorre com as vistas as letras, mas, sim, está comovida e dedicada ao que lhe está sendo participado. Um canto absorto parece estar desembaraçando-se em prol da própria existência e soando no universo. Barlach sabe conferir a mais profunda evidência e duração àquilo que é amorfo. Foi com razão que se ressaltou ser Barlach um poeta “porque é escultor”, pois”as suas visões podem ser talhadas tanto na madeira como na linguagem”.
Nestas esculturas, a originalidade dos personagens de seus dramas é inerente, sendo que, infelizmente, hoje parece ser muito difícil de apresentá-los no palco.
Igual a gravidade de imagem consta nos seus desenhos e folhas gráficas impressas, ou seja, nas seqüências aos seus dramas, nas apresentações com relação aos poemas de Goethe, ao “Cântico à Alegria” de Schiller, e a temas que são tocados numa escultura ou que lhe correspondem.
Não são ilustrações, mas sim situações inferiores que tratam de atitude, de espaço, espaço corporal e espiritual, e que apóiam estes personagens e molduram a cena.
Tudo tem por base a fé de Barlach que é imperturbável, sempre e continuamente reconfortada e reconfirmada pela dúvida, pois a fé e a dúvida são para ele automaticamente complementares. A sua fé dá prova de bons resultados no setor eclesiástico, nos monumentos de exortação para as catedrais em Gustrow e Magdeburg para a igreja de St. Nicolai, em Keil. Em 1918 foi fundido um crucifixo destinado a igreja Elizabeth em Magdeburg o mesmo molde um para Bremen e Lubeck. Um Cristo ocupa-o em 1931 e ele fez nada menos que seis versões dos semblantes  que ficaram preservadas, uma situação de vez, que Deus não pode mais ser configurado.
Tudo isso não é para Barlach simplemente evidente, mas sim, sofrimento, luta, nunca considerado gratuito e menos ainda seguro. Na insegurança confirma-se a fé, quer dizer, na existência entre o céu e a terra. O Homem na sua nudez está exposto a um Todo Poderoso”. É assim aos que estão auscultando espreitam o Universo, é assim que os estudantes dos mosteiros lêem as sagradas escrituras, é assim que os personagens anônimos de Barlach cantam.
Em 1926, é apresentada a escultura O Tomás Incrédulo. Não é a mão que apalpa a cicatriz lateral do corpo, não é o ato de apalpar que importa, mas, sim, o acontecimento que assevera a fé e que se transfigurou num encontro e ao qual Barlach deu a designação significativa de  O Reencontro. O reencontro como ato de franqueza na devoção e na preservação, como certeza enternecida, todavia constituída de uma pergunta sem resposta. O próprio Barlach , tendo uma vez definido a sua incredulidade como sendo “ a sorte da insuficiência”. Ele se propôs “ muitas vezes de não proferir a palavra Deus, pois sentia como sendo destruidora a diferença entre a capacidade humana de sensação e divisão e o conceito abrangendo toda a essência e a existência”.
Auto-retrato I, de 1928, litografia
 Viveu uma vida dura. Após os anos de amadurecimento e de produtividade, após 1933, veio o banimento através do Nacional Socialistas, a remoção de suas obras das coleções públicas e das igrejas, a proibição de expor e de trabalhar, a calúnia do homem.“Faço a experiência de ser desligado,o que equivale a estar entregue ao extermínio.
Barlach morreu aos 67 anos, no dia 24 de outubro de 1938.Junto ao túmulo o pastor evangélico Schwartzkopff , seu amigo e companheiro fiel , citou o pastor do Dilúvio”, de Barlach, o único personagem que Barlach uma vez apontou como sendo porta-voz. “Tenho vergonha de falar em Deus", e também, em geral  não falava nele”. Mas uma vez citando Barlach: Só aquele que compreende é o verdadeiro religioso, só aquele que ouve o murmúrio do sangue de uma vida superior através das pranchas do navio da trivialidae”.Kurt Martin, Munique.



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