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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

TRÊS MIL OBRAS COMPÕEM A 19ª BIENAL DE SÃO PAULO - 05 DE OUTUBRO DE 1987


JORNAL A TARDE SALVADOR, SEGUNDA-FEIRA, 05 DE OUTUBRO DE 1987.

TRÊS MIL OBRAS COMPÕEM A 19ª BIENAL DE SÃO PAULO


A Bienal de São Paulo é um dos fatos mais importantes no campo da criação em todo o mundo. Esta é a 19ª vez que artistas das mais variadas tendências e origens aportam na capital paulista com seus trabalhos, imbuídos no espírito de atualidade, da realidade e da fantasia. Este ano nada menos do que 53 países estão representados com o que existe de mais radical, de mais avançado no campo da arte, onde há lugar para tudo, desde a extravagância de passear montado num cavalo branco a colorir o gramado com saquinhos plásticos.
O Ministro Celso Furtado, da Cultura,quando inaugurava a Bienal.
É um projeto tão grandioso, que somente aqueles que estão diretamente envolvidos nos contatos com os artistas, no recebimento das obras, na definição dos espaços, no assessoramento aos estrangeiros convidados, enfim, em toda uma complexidade de atitudes, que são tomadas e que passam quase despercebidas, poderão avaliar as dificuldades. Todos os anos jornalistas e outros especialistas como os críticos, marchands e muitos artistas imaginaram que a Bienal não será aberta na hora prevista. Mas a improvisação brasileira é grande e, a Bienal abre, quase sempre, na determinada, mesmo que alguns operários ainda estejam lavando as escadarias e outros movimentando suas ferramentas às pressas para terminar mais uma montagem.
Faço um reparo contra a má divulgação do evento. A Bienal já é notícia. Sobre este manto descansaram os responsáveis pela sua divulgação. Não enviaram nada para os outros estados.
Mesmo este colunista que é cadastrado na Fundação Bienal de São Paulo sempre recebeu um volume considerável sobre as bienais anteriores. Nesta muito pouca coisa. O sistema de comunicação foi falho, inclusive conversei com outras pessoas envolvidas na divulgação do movimento artístico em outros estados e a reclamação persiste.

MUITO DINHEIRO

O custo do evento está estimado em CR$ 110 milhões sendo que 53% provêm de patrocínios, 16% de doações, 6% de material promocional como venda de catálogos, cartazes, camisetas, e 25% dos governos federal e estadual.
A fundação ainda arca com a despesa de estadias dos artistas estrangeiros e nacionais, convidados. Dos 61 artistas brasileiros, somente 23 se enquadram nesta categoria, enquanto cerca de 300 artistas que representam 53 países apenas quatro foram convidados pela Bienal. Inicialmente seriam convidados 10, mas os custos chegaram a promover esta redução.
Os gastos são consideráveis.A Fundação tem cerca de 80 funcionários fixos, pois funciona durante o ano inteiro e no pico da Bienal chegam a quase 300.

PÚBLICO

O papel da Bienal é importante sobre todos os aspectos. Possibilita em primeiro lugar, acesso do público às manifestações de vários países, mesmo aquele público que normalmente não dispõe de facilidades ou oportunidades de freqüentar galerias e museus. Leva uma infinidade de jovens estudantes, através de caravanas devidamente programadas, com instrutores mostrando o significado de cada trabalho, falando do artista, de toda a engrenagem e cultura que levaram a conceber tal obra. Portanto, educa, instrui, informa e desperta no jovem o amor pelas artes.
Como diz o crítico Ronaldo Brito “a sensação de irrealidade que costuma pairar sobre as último bienais resulta, exatamente, a meu ver, da obsessão do real. Da tentativa à priori frustrada de apresentá-las como espetáculo, extensão mais ou menos grandiosa, mais ou menos erudita, da trama de cultura e lazer que aparentemente encerra e esgota a experiência estética no mundo atual.
Ora, essa experiência, ao nível em que ocorre no trabalho de arte, é tudo menos espetáculo e uma forma de lazer. Na prática, imagino e compreendo parecerá quase impossível iludir a pressão neurótica do real: como submeter à pesada materialidade econômica e institucional de esquemas como a Bienal às manobras surdas e recalcitrantes, notoriamente críticas, da arte contemporânea?

DUCHAMP

O grande jogador de xadrez e pintor cubista Marcel Duchamp está representado na Bienal por suas obras. Embora já tenha falecido, é como se estivesse presente, com seus experimentos do campo da ótica. As obras foram cedidas pelo crítico e curador da mostra Arturo Schwarz e pelo Moderna Museet de Estocolmo. A mostra reúne fotos, gravuras, desenhos, “ready-mades” e documentos.
No seu silêncio, Duchamp pode ser percebido nos “ready-mades” onde o artista, “coerentemente com a reprodutibilidade industrial, se recusa a fabricar a obra. O artista rejeita o fazer artesanal da obra e esta deixa de ser o caráter artístico materializado.
A obra coloca-se, assim, além e acima deste fazer, ou em seu extremo oposto: não no fazer, mas no ‘fa-zero”’, diz Norval Maitello Jr.
Entre as obras  estão sendo destacadas “Roda de bicicleta, que é uma roda de bicicleta invertida e encaixada num banco, datada de 1913, “Fonte”, um urinol de porcelana de cabeça para baixo, de 1917, todos considerados “ready-mades”, por serem invenções do artista sobre objetos já prontos. Integra a mostra “Nu descendo uma Escada”, 1912, que provocou escândalos e polêmicas, sendo inclusive recusado pelo Salão dos Independentes de Paris, em 1912.

REPRESENTAÇÃO INGLESA
As informações chegadas a esta terra dizem que a seção britânica tem trabalhos originais, embora sejam apenas duas exposições, cada um comporta múltiplas reflexões e impactos.
Uma é a família Boyle, que apresenta os últimos registros de sua viagem “Viagem à Superfície da Terra”. São os famosos fragmentos de pisos e solos de toda parte do mundo, desde o deserto central australiano, à neve dos Alpes, becos de Londres, enfim, qualquer local onde esta família ache alguma coisa significativa.
Já o escultor escocês Davis Mach, apresenta obras em escala monumental, com os excedentes da produção industrial em série.Os Boyle tratam do casual, do inexorável e Mach “da porção da eternidade inscrita no provisório”.
O escocês David Mach quando terminava a montagem de sua obra,com um trator andando por cima de uma pilha de revistas.

TRÊS MIL OBRAS

São nada menos que três mil obras tratando da Utopia e da Realidade. È preciso no mínimo três horas para percorrer 30 mil metros quadrados, uma verdadeira maratona. São quadros, objetos, das mais variadas formas e cores. Chega a cansar. Basta dizer que o pessoal que estava trabalhando na montagem usava bicicleta e patins para andar de um lado para o outro. Mas vale a pena. É um banho de cultura, de civilização, e a gente sai com mil perguntas no ar sobre a contemporaneidade. Quatrocentos artistas de 53 países colocaram ali o que existe de mais criativo entre a Utopia e Realidade e nada melhor do que este choque entre a realidade que nos cerca, tão cheia de utopia. Neste caminho pode-se fazer uma analogia inclusive da própria existência do homem como criador, da realidade e de suas fantasias.
A própria curadora Sheila Lerner, integrante da corrente que defende temas para bienais, escolheu “Utopia versus Realidade”, o qual permite muitas interpretações. Para ela esta Bienal “não traduz os gestos do passado e não usa a retórica para modelar esses gestos. Apropria-se de elementos do passado de uma forma empírica, mas detecta elementos do presente. Tudo isso para tornar didática e compreensível a produção contemporânea”. Breve visitarei a Bienal, quando mostrarei mais detalhes das obras lá expostas. Aguardem.

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