JORNAL A TARDE SALVADOR,
SEGUNDA-FEIRA, 05 DE OUTUBRO DE 1987.
TRÊS MIL OBRAS COMPÕEM A 19ª
BIENAL DE SÃO PAULO
A Bienal de São Paulo é um dos fatos mais importantes no campo da criação em todo o mundo. Esta é a 19ª vez que artistas das mais variadas tendências e origens aportam na capital paulista com seus trabalhos, imbuídos no espírito de atualidade, da realidade e da fantasia. Este ano nada menos do que 53 países estão representados com o que existe de mais radical, de mais avançado no campo da arte, onde há lugar para tudo, desde a extravagância de passear montado num cavalo branco a colorir o gramado com saquinhos plásticos.
O Ministro Celso Furtado, da Cultura,quando inaugurava a Bienal.
É
um projeto tão grandioso, que somente aqueles que estão diretamente envolvidos
nos contatos com os artistas, no recebimento das obras, na definição dos
espaços, no assessoramento aos estrangeiros convidados, enfim, em toda uma
complexidade de atitudes, que são tomadas e que passam quase despercebidas,
poderão avaliar as dificuldades. Todos os anos jornalistas e outros especialistas
como os críticos, marchands e muitos artistas imaginaram que a Bienal não será
aberta na hora prevista. Mas a improvisação brasileira é grande e, a Bienal
abre, quase sempre, na determinada, mesmo que alguns operários ainda estejam
lavando as escadarias e outros movimentando suas ferramentas às pressas para
terminar mais uma montagem.
Faço
um reparo contra a má divulgação do evento. A Bienal já é notícia. Sobre este
manto descansaram os responsáveis pela sua divulgação. Não enviaram nada para
os outros estados.
Mesmo
este colunista que é cadastrado na Fundação Bienal de São Paulo sempre recebeu
um volume considerável sobre as bienais anteriores. Nesta muito pouca coisa. O
sistema de comunicação foi falho, inclusive conversei com outras pessoas
envolvidas na divulgação do movimento artístico em outros estados e a
reclamação persiste.
MUITO
DINHEIRO
O
custo do evento está estimado em CR$ 110 milhões sendo que 53% provêm de
patrocínios, 16% de doações, 6% de material promocional como venda de
catálogos, cartazes, camisetas, e 25% dos governos federal e estadual.
A
fundação ainda arca com a despesa de estadias dos artistas estrangeiros e
nacionais, convidados. Dos 61 artistas brasileiros, somente 23 se enquadram
nesta categoria, enquanto cerca de 300 artistas que representam 53 países
apenas quatro foram convidados pela Bienal. Inicialmente seriam convidados 10,
mas os custos chegaram a promover esta redução.
Os
gastos são consideráveis.A Fundação tem cerca de 80 funcionários fixos, pois
funciona durante o ano inteiro e no pico da Bienal chegam a quase 300.
PÚBLICO
O
papel da Bienal é importante sobre todos os aspectos. Possibilita em primeiro
lugar, acesso do público às manifestações de vários países, mesmo aquele
público que normalmente não dispõe de facilidades ou oportunidades de
freqüentar galerias e museus. Leva uma infinidade de jovens estudantes, através
de caravanas devidamente programadas, com instrutores mostrando o significado
de cada trabalho, falando do artista, de toda a engrenagem e cultura que
levaram a conceber tal obra. Portanto, educa, instrui, informa e desperta no
jovem o amor pelas artes.
Como
diz o crítico Ronaldo Brito “a sensação de irrealidade que costuma pairar sobre
as último bienais resulta, exatamente, a meu ver, da obsessão do real. Da
tentativa à priori frustrada de apresentá-las como espetáculo, extensão mais ou
menos grandiosa, mais ou menos erudita, da trama de cultura e lazer que
aparentemente encerra e esgota a experiência estética no mundo atual.
Ora,
essa experiência, ao nível em que ocorre no trabalho de arte, é tudo menos
espetáculo e uma forma de lazer. Na prática, imagino e compreendo parecerá
quase impossível iludir a pressão neurótica do real: como submeter à pesada
materialidade econômica e institucional de esquemas como a Bienal às manobras
surdas e recalcitrantes, notoriamente críticas, da arte contemporânea?
DUCHAMP
O
grande jogador de xadrez e pintor cubista Marcel Duchamp está representado na
Bienal por suas obras. Embora já tenha falecido, é como se estivesse presente,
com seus experimentos do campo da ótica. As obras foram cedidas pelo crítico e
curador da mostra Arturo Schwarz e pelo Moderna Museet de Estocolmo. A mostra
reúne fotos, gravuras, desenhos, “ready-mades” e documentos.
No
seu silêncio, Duchamp pode ser percebido nos “ready-mades” onde o artista,
“coerentemente com a reprodutibilidade industrial, se recusa a fabricar a obra.
O artista rejeita o fazer artesanal da obra e esta deixa de ser o caráter
artístico materializado.
A
obra coloca-se, assim, além e acima deste fazer, ou em seu extremo oposto: não
no fazer, mas no ‘fa-zero”’, diz Norval Maitello Jr.
Entre
as obras estão sendo destacadas “Roda de
bicicleta, que é uma roda de bicicleta invertida e encaixada num banco, datada
de 1913, “Fonte”, um urinol de porcelana de cabeça para baixo, de 1917, todos
considerados “ready-mades”, por serem invenções do artista sobre objetos já
prontos. Integra a mostra “Nu descendo uma Escada”, 1912, que provocou
escândalos e polêmicas, sendo inclusive recusado pelo Salão dos Independentes
de Paris, em 1912.
REPRESENTAÇÃO
INGLESA
As
informações chegadas a esta terra dizem que a seção britânica tem trabalhos
originais, embora sejam apenas duas exposições, cada um comporta múltiplas
reflexões e impactos.
Uma
é a família Boyle, que apresenta os últimos registros de sua viagem “Viagem à
Superfície da Terra”. São os famosos fragmentos de pisos e solos de toda parte
do mundo, desde o deserto central australiano, à neve dos Alpes, becos de
Londres, enfim, qualquer local onde esta família ache alguma coisa
significativa.
Já
o escultor escocês Davis Mach, apresenta obras em escala monumental, com os
excedentes da produção industrial em série.Os
Boyle tratam do casual, do inexorável e Mach “da porção da eternidade inscrita
no provisório”.
O escocês David Mach quando terminava a montagem de sua obra,com um trator andando por cima de uma pilha de revistas.
TRÊS MIL OBRAS
São
nada menos que três mil obras tratando da Utopia e da Realidade. È preciso no
mínimo três horas para percorrer 30 mil metros quadrados, uma verdadeira
maratona. São quadros, objetos, das mais variadas formas e cores. Chega a
cansar. Basta dizer que o pessoal que estava trabalhando na montagem usava bicicleta
e patins para andar de um lado para o outro. Mas vale a pena. É um banho de
cultura, de civilização, e a gente sai com mil perguntas no ar sobre a
contemporaneidade. Quatrocentos artistas de 53 países colocaram ali o que
existe de mais criativo entre a Utopia e Realidade e nada melhor do que este
choque entre a realidade que nos cerca, tão cheia de utopia. Neste caminho
pode-se fazer uma analogia inclusive da própria existência do homem como
criador, da realidade e de suas fantasias.
A
própria curadora Sheila Lerner, integrante da corrente que defende temas para
bienais, escolheu “Utopia versus Realidade”, o qual permite muitas
interpretações. Para ela esta Bienal “não traduz os gestos do passado e não usa
a retórica para modelar esses gestos. Apropria-se de elementos do passado de
uma forma empírica, mas detecta elementos do presente. Tudo isso para tornar
didática e compreensível a produção contemporânea”. Breve visitarei a Bienal,
quando mostrarei mais detalhes das obras lá expostas. Aguardem.
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